Na minha lista de resoluções do ano passado havia apenas um item. Uma tarefa de vital e absoluta importância: mudar a alcatifa. Não havia aparentemente mais nada na minha vida que me incomodasse tanto quanto aquela alcatifa. Gostava do carro, da casa, da conta bancária, do metabolismo, dos filhos mas, aquela alfombra, incomodava-me solenemente. De tal forma, que se tornou obsessiva a minha repulsa. Havia gostado muito dela, lembro-me bem. Adorava caminhar descalço e sentir-me confortável e relaxado. Fechava os olhos e conseguia ouvir os pêlos a eriçarem-se-me nos braços, a cada passo que dava. Escolhi-a, coloquei-a. Falava dela com orgulho. Mas um dia, não sei bem quando, aquilo deixou de ser agradável. Passei a andar de chinelos para não a sentir debaixo dos pés; era estranho, picava, deixava-me desconfortável. Entrava em casa e fitava o teto porque, cada vez que olhava para ela, descobria mais um defeito, uma sujidade, um sinal da deterioração inevitável. Esqueci os primeiros anos, o quão feliz havia sido naquela alcatifa, as gargalhadas, abraços e lágrimas. Esqueci as migalhas e os banquetes. Esqueci a história comum. Queria pôr-lhe um fim. Substitui-la por um destes chãos modernos que transformam uma kitchenette num salão de jogos. Inteirei-me do mercado, pedi orçamentos, vivi a adrenalina da iminente mudança. Estive várias vezes para tomar a decisão mas, quando chegava o momento, o espantoso soalho perdia o encanto e eu acabava a preferir a alcatifa.
Quase no final deste ano percebi que, a minha única resolução do ano anterior, se havia pura e simplesmente desvanecido. E o quão sortudo havia sido por não ter feito, provavelmente, a pior asneira da minha vida. Eu não queria trocar a alcatifa. Eu não quero. Eu gosto desta alcatifa. Gosto da história, da cor, do cheiro, da capacidade que tem de me fazer sentir o rei do mundo. Vou investir nela, cuidar das suas fragilidades, tirar-lhe aquele pó entranhado que quase me fez esquecer o quão bonita é. Vou cuidar da minha alcatifa para que se torne de novo brilhante e macia e me dê gozo sentir a pele nua sobre ela. Vou lembrar-me que não é justo esperar que ela se cuide sozinha, precisa de mim para o fazer. Por isso este ano, reformulo o meu pedido: cuidar da alcatifa. Fazê-la durar no tempo. Realçar a sua beleza. É isso que vou fazer. Está decidido. E depois, vou…
- Querido, estás a ouvir-me? Não estás… estás com a cabeça noutro sítio. Podia passar-te uma rasteira, puxar-te o tapete que nem davas conta…
- Não preciso de tapete quando te tenho a ti para me amparar: uma linda e suave alcatifa…
- Estou a ver… sou o chão que tu pisas…
- Não, tonta, és o chão que me sustém. Sem ti, não caminharia seguro. Não seria feliz. Conheces alguém que consiga chegar ao céu sem ter alguma vez sentido um chão seguro debaixo dos pés?
Alexandra Vaz