16.12.10

 

Ele costumava chegar a casa do trabalho à hora de jantar, embora o horário de saída fosse às 17 horas. Nesse dia, a hora do jantar passou e, para estranheza da família, ele não chegou... A preocupação surgiu entre todos, mas como o telemóvel ainda não era uma realidade, foram jantando sem ele, sempre na esperança de o ouvir chegar.

Jantaram com calma, arrumaram a cozinha (deixando um prato limpo na mesa e a comida no tacho) e reuniram-se em frente à televisão, como era costume. Tudo isto e ele sem chegar. "Mãe, onde está o pai?", diz a mais nova, estranhando a ausência inesperada, "deve estar a chegar", diz a mãe enquanto se tenta mentalizar de que nada está a acontecer. No entanto, a hora de dormir chega e dele, nada.

Os dois filhos deitaram-se e, com a ajuda das palavras de conforto da mãe, acabaram por adormecer. A mãe, no entanto, preparou-se para uma noite acordada, de vigília, à espera de notícias, de alguma informação, de qualquer coisa que a ajudasse a perceber o que se estava a passar. Em silêncio, passou a noite de janela em janela, com o pensamento a ser bombardeado por um turbilhão de ideias aterrorizadoras.

As horas passaram e o dia nasceu sem que o telefone tenha tocado uma única vez, sem uma única pista ou indicador. Toda a família desesperou... De certeza que aconteceu alguma coisa, mas o quê? Foi feita uma chamada para o trabalho dele, "ele ontem a que horas saiu daí?", pergunta a mãe, "ele ontem não veio trabalhar", respondem do outro lado... "Ele ontem não foi trabalhar", repete a mãe aos dois filhos, “ele ontem não foi trabalhar”... “Temos que o ir procurar”.

 

Não demorou muito até o filho o encontrar na garagem. Mas já não havia nada a fazer... Restava a tristeza, o desespero e a raiva... A incerteza do amanhã, a escuridão que rapidamente preencheu o dia-a-dia desta família.

Nos anos que se seguiram, completamente bloqueados pelo acontecimento, reviveram os últimos momentos juntos, as últimas frases, a forma como tudo funcionava, antes. E, desse bloqueio, foi-se tornando claro que todos tinham sido avisados. Todos eles recordaram as ameaças feitas ("isto um dia acaba de vez"), os comportamentos estranhos, o mal-estar generalizado e o afastamento da família. Mas nessa altura, já era tarde demais.

 

Ana Gomes

 

Temas:
Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 23:05  Comentar

Pesquisar
 
Destaque

 

Porque às vezes é bom falar.

Equipa

> Alexandra Vaz

> Cidália Carvalho

> Ermelinda Macedo

> Fernando Couto

> Inês Ramos

> Jorge Saraiva

> José Azevedo

> Maria João Enes

> Marisa Fernandes

> Rui Duarte

> Sara Silva

> Sónia Abrantes

> Teresa Teixeira

Dezembro 2010
D
S
T
Q
Q
S
S

1
2
3
4

5
6
7
8
9
11

12
13
15
16
18

19
20
22
23
25

26
27
29
30


Arquivo
2019:

 J F M A M J J A S O N D


2018:

 J F M A M J J A S O N D


2017:

 J F M A M J J A S O N D


2016:

 J F M A M J J A S O N D


2015:

 J F M A M J J A S O N D


2014:

 J F M A M J J A S O N D


2013:

 J F M A M J J A S O N D


2012:

 J F M A M J J A S O N D


2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D


2008:

 J F M A M J J A S O N D


Comentários recentes
Entendi a exposição, conforme foi abordada mas, cr...
Muito obrigada por ter respondido ao meu comentári...
Obrigado Teresa por me ler e muito obrigado por se...
Apesar de compreender o seu ponto de vista, como p...
Muito agradecemos o seu comentário e as suas propo...
Presenças
Ligações