No meu tempo, o Natal...
Esta seria a forma mais comum de começar a falar das recordações guardadas de tantos Natais. Seria, se não vivesse os dias de hoje como sendo o “meu tempo”.
Incluo-me neste tempo, com vontade de viver, sentir e agarrar sensações. Todos os dias se processam em mim, e no exterior a mim, alterações, mas não me excluo destas alterações, acompanho-as.
E por isso, recomeçando...
O meu Natal de há uns anos não é igual ao Natal de hoje. Há uns anos atrás, a visão de, na noite de Natal, não ter a merecida prenda do Menino Jesus, em minha casa, no meu sapatinho, condicionava com alguns meses de antecedência o meu comportamento. Desde o portar-me bem, a fazer os TPC da escola, a ajudar na lida de casa, tudo era condicionado pela promessa do prémio que receberia na manhã do dia 25 de Dezembro.
No dia 24, à noite, atrasava quanto podia a hora de me deitar, na esperança de que o Menino Jesus viesse mais cedo e eu ainda estivesse acordada. O cansaço vencia-me e, de ano para ano e todos os anos, ficava com muita pena de não o ver.
Gostava da surpresa que me deixava como prova da sua passagem, mas lembro-me que ficava um “amargozinho” por nunca o conhecer.
O Natal era vivido com esta intensidade à luz dos meus olhos e à dimensão da minha idade.
Talvez por isso, ou talvez não, não me lembro de acções de solidariedade que percebo e vivo actualmente.
E hoje, para mim, Natal é mesmo isso - solidariedade.
Entristece-me, mais do que noutros períodos do ano, a miséria humana. Conforta-me, como se fosse eu a comê-la, a sopa, as bebidas quentes e os agasalhos distribuídos aos sem-abrigo. Comovo-me com o Natal nos Hospitais. Participo na recolha de alimentos para o Banco Alimentar. Sorrio com as peças de teatro apresentadas pelos reclusos...
Fixo-me neste último grupo para recordar um episódio duma das minhas idas a um estabelecimento prisional.
O objectivo era comprar móveis feitos pelos próprios reclusos que, segundo sabia, eram de muito boa qualidade e muito em conta em termos de preço.
Não era a primeira vez que visitava este estabelecimento prisional, mas, por não ser de livre acesso, pela grandeza do edifício, pelo fim a que se destina, ou por outra razão qualquer, sabe-se lá qual e, sem qualquer intenção da minha parte, quando me dei conta estava a fazer um reconhecimento pormenorizado do local e a procurar ter um comportamento exageradamente natural.
Muitas pessoas tiveram a mesma ideia que nós (eu tinha ido acompanhada), pois o armazém de exposição estava cheio.
As pessoas olhavam, tocavam e mostravam-se interessadas questionando sobre os materiais preços e condições de pagamento.
O recluso de serviço não tinha mãos a medir. A todos procurava responder, a todos procurava atender.
Nós estávamos muitos indecisos; a oferta era grande, os móveis eram realmente bonitos e com qualidade. Mas por qual decidir?... E íamos vendo, tocando, tirando uma ou outra dúvida com o recluso. Foi então que reparei que ele estava um tanto ou quanto inquieto; solícito, mas algo inquieto.
Percebi que eram várias as solicitações e começava a estar muito pressionado. Eu quis ser simpática e atirei com a frase socialmente correcta: “Não se prenda connosco…”.
O inconveniente da frase, naquele contexto, só foi minimizado pela expressão de descontracção do recluso.
Naquele constrangimento, não sei se ouvi, ou se imaginei ouvi-lo responder: “Não! Não me vou prender, já me prenderam...”.
A TODOS UM BOM NATAL!
Cidália Carvalho
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