26.8.10

 

Ao entrar no avião não havia nenhum aperto ou saudade no coração. Ia, simplesmente. Tudo me parecia alheio. Não estava ausente, estava presente comigo, apenas comigo. Um novo mundo esperava por mim, de certeza iria viver uma experiência completamente diferente. Depois de fecharem as portas do avião, tudo o que eu conhecera até então ficava para trás. Parti, sozinha, mas levava tudo comigo.

Quando aterrei tive a sorte do meu lado. Falava mal a nova língua do dia-a-dia, mas por coincidência ou não, ia conseguindo avançar sem problemas de maior. Desde a saga pela busca de uma casa para morar, até às peripécias de coabitar com pessoas de diferentes culturas, religião, e até espécies diferentes, aquele novo mundo foi bastante desafiante. Estava em Itália, país que para mim sempre despertara fascínio e tinha então oportunidade não só para conhecer, mas também para ver mais de perto do que uma simples viagem turística permitiria. Nem acreditava que estava ali. Afinal não era um sonho, era uma realidade. Afinal os sonhos também podem culminar em realidades.

 

Houve tempos em que me senti sozinha. Mas, ao contrário do que acontecera antes, isso não me incomodava. Aprendi que tinha muita mais capacidade de adaptação do que pensava. Antes, descobrira que, apesar da distância física, era capaz de me manter ligada aos demais que eram importantes para mim e, por isso, sempre me senti apoiada. Aquela solidão era diferente. Uma solidão que apelava à minha independência e capacidades. Cresci como nunca. Não em altura, porque nessa nada mais havia a fazer. Foi um ponto de viragem. Aconteceram inúmeras coisas. Ali conheci inúmeras pessoas que me ensinaram diferenças. Conheci cidades que me mostravam História. Aprendi que Portugal não é só coisas más (como eu já sabia de antemão) e que os outros países não são só coisas maravilhosas. Ali aprendi o que é ser estrangeiro e o que é não sermos sempre bem-vindos. Ali aprendi o que custa estar longe de quem sempre esteve ao nosso lado. Aprendi que, por vezes, não tomamos as melhores opções. Ali aprendi também que essas opções têm sempre consequências. Aprendi que afinal somos cidadãos do mundo. Aprendi que fora do contexto não é tão fácil perceber certos pormenores. Aprendi a respeitar as dificuldades de cada um, porque fácil é falar daquilo que nunca se viveu, nem de perto. Aprendi que estamos todos ligados. Aprendi que por vezes o tempo nos afasta, mas para nós fica sempre o que já foi. Aprendi que cada um tem o seu rumo e que seguir em frente é sempre o melhor caminho. Ali confrontei muitos fantasmas do passado e não os trouxe mais na bagagem.

 

Percebi que a menina que eu era, tão receosa, sempre agarrada às pernas do pai, mudara. A adolescente que fora, sempre em conflito com o passado, tinha amadurecido. Tinha-me transformado, sem deixar de ser eu.

Voltei com peso no coração, com saudades de casa, com lágrimas de quem volta para o que sempre fora antes. Aqui, o que mais ouvi, foi o quão estava diferente. Se tanta gente nos diz o mesmo, acreditamos. Mas nós sabemos quando mudamos.

 

Durou apenas 10 meses esta minha experiência de Erasmus, mas foi uma das mais marcantes da minha vida. Claro que no meu mundo durou muito mais do que 10 meses porque, inevitavelmente, é uma daquelas experiências em que o tempo, simplesmente, é intensificado. Hoje, guardo todas as memórias. Tenho ao meu lado, o homem que conheci como amigo por essas paragens e que, por reviravoltas da vida, com ou sem destino, se tornou meu companheiro. Hoje, continuo a mudar. Sinto-me constantemente a evoluir, graças aos inúmeros desafios que a vida me coloca. Pretendo continuar a crescer e a aprender, sem esquecer quem sou.

Sim, depois de entrar no avião, tudo mudou.

 

Cecília Pinto

 

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Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 22:05  Comentar

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