Vamos morrendo ao longo da vida. Morremos todos os dias um pouco, ao mesmo ritmo que vamos renascendo, que nos vamos renovando. É como se as mortes fossem passagens, portas de transição obrigatória, marcos que indicam o caminho a seguir. Será provavelmente esse o sentido da vida: uma caminhada solitária.
No instante em que tomamos consciência da nossa finitude passamos a viver condicionados pelo tempo, em função do prazo. E aqui reside a origem do medo, da protecção e da crença. Passamos a ter medo de morrer, a proteger a vida e, dada a inevitabilidade do fim, a creditar em soluções para a morte. Tal como a vida, que pertence a um só ser, com a exclusividade e as características que lhe pertencem, também a morte é uma caminhada solitária. Cada um sabe sobre a morte um pouco mais que o vizinho. Cada qual sente a morte à sua maneira.
Vejamos o exemplo daquele que acaba de ser informado de que a falência progressiva do seu organismo determinou uma data mais ou menos próxima para morrer. Começará por negar, duvidando por vezes da sanidade mental do clínico. Enraivecer-se-á depois, distribuindo em redor e sobre si mesmo violentos protestos e musculadas manifestações de revolta. Tentará negociar a vida, prometendo sacrifícios para obter a reversão do processo degenerativo. Entrará em profundo estado de tristeza quando se aperceber que nada há a fazer. E aceitará enfim, desprovido de emoções, o desfecho.
O mesmo acontece com aquele que é enganado pela companheira. Porá em causa tudo o que lhe dizem a esse respeito, questionará a objectividade das provas que vai recolhendo e escudar-se-á na crença de que o comportamento dela foi motivado pelo stress. Revoltar-se-á contra ela, contra terceiros e contra ele mesmo. Prometer-lhe-á mudanças estruturais de personalidade se ela reconsiderar. Remeter-se-á à depressão quando tomar consciência de que a perdeu. E, instalado o hábito, conformar-se-á com o recém-adquirido estado de celibato.
Nestes exemplos, tal como noutros em que o resultado é a perda iminente de alguém ou de algo importante, o percurso é quase sempre e mais ou menos este: negação (dúvida), raiva (revolta), negociação (reversão), depressão (ensimesmação) e aceitação (conformação).
Este caminho, o que antecede a derradeira porta, que é longo e penoso, tem por grande característica a solidão, a solidão mais profunda. O caminho solitário parte de nós e em nós termina.
Smith