- Foram quase dois anos de luta intensa, mas posso dizer que ganhou; por isso está de parabéns! Compreendo que não se sinta capaz de voltar à sua vida normal, mas esse é o passo seguinte – e tem de o dar. É agora necessário e importante retomar as actividades, as responsabilidades, o trabalho. Deverá fazê-lo com calma, mas com determinação. Tudo irá correr bem.
Foi isto que ele disse e eu concordei com ele. Mas na prática… bom, na prática até sentia vontade de voltar à “normalidade”, mas parecia-me tratar-se dum esforço demasiado. Sabia que a minha família apoiaria.
É certo que começando, uma coisa leva à outra, mas o que mais receava era a reacção dos meus colegas de trabalho. Receava que começassem a vir um após outro, como vespas à volta do mel, fazer perguntas, saber detalhes, satisfazer curiosidades, procurar entrelinhas onde ler como de facto eu estava, mostrar falsos interesses, fazer falsos sorrisos, simular preocupação, carinho e disponibilidade, apenas para ficarem bem no retrato tirado por uma câmara que apenas existe na imaginação deles. Iria ser tão cansativo!… E seria alvo dos mais diversos juízos de valor, certamente vista com olhos de pena, de comiseração, de coitadinha pelo meu infortúnio. Como se eu tivesse algum exclusivo – mas é sempre bom pensar que as coisas apenas acontecem aos outros, o que acaba sempre por nos tranquilizar. Mas o lugar dos outros acaba sempre por ser também nosso e isso, eu tinha acabado de aprender. Talvez algum se mostrasse indiferente; pelo menos esse não me aborreceria, poupando-me à infindável repetição dos dois últimos anos da minha existência. Mas essa indiferença, não me magoaria?
Certo é que ficaria exposta, muito exposta, pelo menos durante algum tempo – demasiado tempo.
A exposição era, e é, vista por mim de forma traumática desde que a D. Aurora, a minha professora de quarta classe pediu aquela redacção sobre a “solidariedade”. Mas que raio de palavra era aquela!? Que raio quereria ela significar? E sem procurar saber, inventei. E como inventei… E como chorei… Ainda sinto como cruel a leitura que ela fez, em voz alta, da minha invenção. Ainda vejo e ouço, bem altos, os risos.
Não, não gosto de exposição, não gosto de ser o centro das atenções, sobretudo por más razões.
Mas quando voltei ao trabalho, frágil, sem qualquer couraça protectora e esperando o pior, fui surpreendida – muito surpreendida. Não apareceram os olhares, os interrogatórios, as atitudes que tanto receava. Em seu lugar houve simples cumprimentos, manifestações de agrado pelo meu regresso, que senti genuínas e sinceras, e uma vontade espontânea de me informarem das alterações, dos novos procedimentos, de me ajudarem a recuperar o meu lugar, a sentir-me bem, desejada e acolhida, de me integrarem. Senti os meus colegas solidários comigo – agora que já sei o que “solidariedade” quer dizer.
FCC
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