22.1.10


 


Do ponto de vista da parentalidade, a família tem a eminente função de proteger, educar e inserir a criança na cultura de pertença. Mas também tem um estatuto simbólico, cuja utilidade é a de estruturar os valores que regem a conduta do educando nos diversos papéis que o esperam na vida em sociedade. Essa estruturação simbólica vai sendo apreendida no convívio lá de casa, entranhando-se lentamente e moldando a forma como a pessoa se assume como filho, irmão, aluno, colega, amigo, cônjuge, pai, funcionário, patrão, elemento de equipa, ou cidadão.

 

Sobre esta questão pesa muito a configuração da família. A configuração ocidental tradicional é uma fórmula de sucesso que se manteve firme durante muito tempo. Mas assistimos a tempos de mudança e esse paradigma está a abrir espaços para novas configurações. Por exemplo, o reposicionamento da criança no seio familiar, deslocando-a para o centro, onde as suas particularidades podem ser alvo de constante preocupação, monitorização e imediata satisfação; os avós são cada vez menos agentes educativos; e a conjugalidade assume modos renovados de privatização.

 

A centralização da criança, estratégia educativa povoada de virtudes e que contraria as correntes saudosistas do “brinca na rua”, aumenta a probabilidade dela chegar à vida adulta com a qualidade que é exigível pela modernidade. Mas como estamos em processo de transição é natural que se observem erros de ajustamento: não é possível passar do “brinca na rua” para o “brinca se estiver desinfectado” sem conviver com alguns danos colaterais. Enquanto não se afina a máquina educativa parece haver necessidade de escolher entre criar uma “septicemia” ou um “pequeno ditador”. As escolas são o sumo concentrado destas frutas variadas. É nelas que os agentes educativos se vêem a braços com as múltiplas origens dos seus alunos e, pelo que me é dado a entender, continua a ser mais fácil lidar com a “septicemia”.

 

Os avós estão praticamente arredados do crescimento dos netos. Não só pelo enorme fosso tecnológico que os separa, como pelo total desinteresse das novas gerações pelas brincadeiras que outrora entusiasmavam e usavam da energia que tinha que ser libertada. A recente organização económico-social veio reestruturar a família e, neste período de transição, os mais velhos permanecem numa sombria prateleira, privados de legar os seus ensinamentos aos mais novos.

 

Quanto mais privada for a conjugalidade, mais pública se torna a parentalidade. Se o estilo conjugal é heterossexual, homossexual, bissexual, multissexual, celibatário ou qualquer outro, esse é um assunto que pertence apenas aos seus actores. No entanto, a regulação da parentalidade é cada vez mais feita por agentes externos para garantir que o crescimento “saudável” da criança se faça independentemente do estilo conjugal. Mas esta regulação tem fendas e, mais cedo ou mais tarde, dar-se-á conta de que não se pode substituir aos educadores familiares. É que a educação sem nomeação é um trabalho incompleto. Pai e mãe não são anónimos: têm a força simbólica do essencial para a plena integração da criança na sociedade. Representam os diferentes valores que, devidamente conjugados, colocam na comunidade mais um elemento activo na construção do desenvolvimento harmónico colectivo. Que as novas configurações de família consigam fazer mais e melhor!

 

Smith


 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 13:30  Comentar

De Ana Gomes a 24 de Janeiro de 2010 às 12:47
Ao falar das configurações familiares e dos seus resultados, não podemos deixar de pensar nas crianças, os produtos das famílias.
Antigamente, os menores (tal como a restante familia) estavam à mercê do poder patriarcal, que quase não lhes atribuía direitos, apenas deveres. As crianças iam trabalhar para o campo em tenra idade, muitas das quais não virião a ter qualquer formação escolar.
Com o desenvolvimento societal, foi dado às crianças um papel mais central na nossa sociedade e na família. Foram pensados os seus direitos, que estavam esquecidos, e desenvolvidas organizações de defesa dos menores, que actuam (assim se espera) quando a família não cumpre o seu papel ou quando os pais não se entendem relativamente á parentalidade.
E os agentes externos trabalham, agora, para criar na família as condições necessárias ao crescimento adaptado das crianças, seguindo princípios fundamentais de intervenção mínima e proporcionalidade (entre outros).
O trabalho infantil passa a ser limitado (tem que ser do interesse do menor, autorizado pela CPCJ da área de residência e não pode ultrapassar x horas diárias, dependendo da idade do menor), o tempo livre das crianças passa a ser um problema para os pais, o "brincar na rua" uma excepção, o cuidado infantil a grande prioridade.
A infância e a adolescência começam a ser valorizadas como palco de desenvolvimento pessoal e crescem grandemente no tempo - antes tinhamos adultos com 12 anos, hoje temos crianças com 30.
Na família, o papel da criança cresce e o poder (que era patricarcal) passa a ser repartido por todos os membros da família. Na sociedade, afastam-se os vizinhos, perde-se o sentido de comunidade, fecham-se as crianças em casa.
O conceito de "família" muda o seu significado e os diferentes intervenientes mudam a sua acção. Desta mudança como de qualquer processo mutativo resultam, claramente, ganham e perdas. Se, por um lado, aumenta a probabilidade de a criança ter uma vida adulta com maior qualidade, por outro, crescem os "pequenos ditadores" e os "eternos dependentes".
Mas não será a evolução mesmo assim, perdas e ganhos? Tentamos perder só o que não nos interessa mas acabamos sempre por abdicar de mais do que o que queríamos perder inicialmente. Tentamos ganhar só o que precisamos, mas acabamos por adquirir vícios e maus costumes que não estavam planeados.
Evoluir é ajustar constantemente. E ainda temos muito o que ajustar, tanto na família como na sociedade em geral.

Pesquisar
 
Destaque

 

Porque às vezes é bom falar.

Equipa

> Alexandra Vaz

> Cidália Carvalho

> Ermelinda Macedo

> Fernando Couto

> Inês Ramos

> Jorge Saraiva

> José Azevedo

> Maria João Enes

> Marisa Fernandes

> Rui Duarte

> Sara Silva

> Sónia Abrantes

> Teresa Teixeira

Janeiro 2010
D
S
T
Q
Q
S
S

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10
11
12
13
16

17
18
20
21
23

24
25
27
28
29

31


Arquivo
2019:

 J F M A M J J A S O N D


2018:

 J F M A M J J A S O N D


2017:

 J F M A M J J A S O N D


2016:

 J F M A M J J A S O N D


2015:

 J F M A M J J A S O N D


2014:

 J F M A M J J A S O N D


2013:

 J F M A M J J A S O N D


2012:

 J F M A M J J A S O N D


2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D


2008:

 J F M A M J J A S O N D


Comentários recentes
Entendi a exposição, conforme foi abordada mas, cr...
Muito obrigada por ter respondido ao meu comentári...
Obrigado Teresa por me ler e muito obrigado por se...
Apesar de compreender o seu ponto de vista, como p...
Muito agradecemos o seu comentário e as suas propo...
Presenças
Ligações