14.1.10

 



 


Primeiro foram as juras de amor eterno. Iam ter filhos, uma casa, um bom carro. Iam ser felizes para sempre. E esse amor que sentiam um pelo outro ia suportar tudo, aguentar tudo, superar obstáculos.

Casaram e compraram casa. Com a ajuda do Banco. E depois um carro novinho em folha, como ele sempre quis. Com a ajuda do Banco.

 

Depois vieram os filhos, muita alegria e mais despesas. Das fraldas às roupas de marca foi um abrir e fechar de olhos, e depois são os computadores e a internet e os canais de televisão, os telemóveis, um LCD último modelo. E uns créditos pessoais a ajudarem, claro.

 

E depois de repente, as despesas eram mais do que o dinheiro que entrava. Com as contas, vieram as discussões. Afinal aquele amor podia vacilar; isto de ter que decidir que contas se pagam primeiro e quais ficam por pagar, de escolher se compramos comida ou a roupa que os filhos pedem é complicado.

Quando deu por isso, as discussões já eram sobre quem tinha culpa por estarem endividados. Quem tinha querido comprar isto ou aquilo. Quem tinha gerido mal a vida a dois...

 

Ela pensava como é que aquilo tinha acontecido e porque é que a falta de dinheiro estava a corroê-la por dentro, a ela e ao casamento. Porque é que o casamento não era mais forte do que as dívidas e as contas. Só precisava de uma segunda oportunidade, pensava. Ah, se pudesse voltar atrás... teriam gasto menos e passado mais tempo juntos. Teriam viajado menos e conversado mais. Uma segunda oportunidade, por aquele casamento em que acreditava tanto.

Menos dinheiro e mais família. Só precisavam de uma segunda oportunidade.

 

Um dia ele não voltou do trabalho. Ela inquietou-se. Os dias passaram. A polícia não descobria nada. O tempo passou. Ela sofreu, pensou se ele teria feito uma loucura. O dinheiro, o dinheiro deitara tudo a perder, arruinara as suas vidas.

Um dia, já meses mais tarde, cruzou-se com um colega de trabalho do marido. Acabaram a conversar. O colega espantou-se que ela não soubesse do marido. Ele tinha deixado de ir trabalhar, de facto. Mas não tinha morrido. Tinha-lhe saído o Euromilhões! Pagou uns copos aos colegas, disse que se despedia. Foi a última vez que o viu.

 

Ela ainda o procura; pôs um processo em Tribunal. Há dívidas conjuntas por pagar, há filhos. E ela com tudo aos ombros e ele sabe-se lá onde, a gozar a segunda oportunidade. Já lá vão três anos.

Ela podia perguntar-se o que aconteceu àquele amor tão lindo que tiveram. Mas não tem tempo para isso. Tempo é dinheiro, e ela não tem dinheiro.

 

Dora Cabral


 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 13:50  Comentar

De créditos rapidos a 7 de Fevereiro de 2010 às 21:46
É bem verdade! Mas os créditos são teóricamente ferramentas que deviam ajudar as pessoas a terem liquidez para comprar por ex. uma casa. O problema é que as pessoas usam mal os créditos.

De Diogo Ricou a 28 de Janeiro de 2010 às 23:17
A vida é muito curta, um instante talvez, e, partindo desse pressuposto, penso que deve ser vivida e não sofrida. O viver intensamente é extrínseco ao facto de não haver dinheiro, claro que os € ajudam, mas não são absolutamente necessários para se ser feliz. Penso que a família está diferente, e os membros querem sempre mais e mais. Mas essa busca pela felicidade material nunca acaba pois nunca é suficiente. A verdadeira felicidade é feita de pequenas coisas, pequenos nadas, como alguém uma vez disse, No entanto quando o que nos move é o dinheiro, os bens, então aí não há casamento que aguente. O casamento passa chamar-se empresa com um único objectivo: acumular "lucros" .O Casamento significa união, inicio de familia, não significa consumo, claro que todos gostaríamos de "ter". Chama-se sonho ou sonhos, todos os temos, mas o mais importante é a família enquanto união, até porque aparecem e muito bem os filhos e pelo menos para mim tudo o resto passa a acessório, os carros, as férias e tudo o mais que a minha mente tenha imaginado. Não quero com isto dizer que não se deve sonhar, os sonhos são porventura uma das partes mais importantes da nossa vida. sem eles a vida não tem sentido. Quanto ao final do artigo, penso que teve o chamado final que ninguém esperava, a ganancia, e talvez algum desespero levam as pessoas a cometer actos que de alguma forma consideramos incorrectos mas afinal quem somos nós para julgar.....
Diogo Ricou

De Dora Cabral a 16 de Janeiro de 2010 às 15:57
Por acaso, Aníbal, se substituir o Euromilhões pela lotaria e Portugal pelos EUA, os factos que serviram de base são completamente verdadeiros. Infelizmente, como diz, há de tudo, e o que eu tenho visto é que de um modo geral o dinheiro até nos costuma dar surpresas muito desagradáveis no que diz respeito ao carácter das pessoas...

De Aníbal V a 15 de Janeiro de 2010 às 16:49
Essa de sair o Euromilhões é muito, muito interessante, muito conveniente e apetecível.
O herói da história é que parece não ser muito merecedor do prémio... Isso de aproveitar para "desaparecer", deixando o resto da família em apuros, não é nada bonito.
Penso que a maioria dos heróis e heroínas que conheço, teriam um maior sentido de família, ou pelo menos seriam mais preocupados com os filhos. Mas há de tudo.

Aníbal V

De Ana Santos a 15 de Janeiro de 2010 às 10:21
Este texto retrata bem o estado dos valores do amor e do dinheiro.
Ter filhos, casa, carro, roupas de marca, ... O "ter" faz esqueces o "ser"e o "estar". Gerou-se uma cultura pautada pelo forte individualismo.
Para sustentar um casamento, para manter um amor e uma família são fundamentais os bens materiais? serão estes que suportam as relações? Nesta história (como em muitas outras que todos conhecemos) parece que assim foi. Valeu a pena?
Quando se pensa que o amor nos leva a tomar atitudes quase impossíveis, pode ser verdade! Mas, não será útil rever o significado de amor e o conceito de felicidade?
Apesar de tudo isto, a realidade faz-nos acreditar na imperiosa necessidade do dinheiro para uma família e que a falta deste contribui seriamente para o fim de um casamento ou para destruição de um amor.
Onde se perdeu o verdadeiro valor do amor que poderia superar tudo e todos? porque se inverteram esses valores fundamentais?
Quando isto acontece, valem a pena as segundas oportunidades? Temos aprendido com as nossas falhas?
Ana Santos

De andreia esteves pinto a 15 de Janeiro de 2010 às 08:53
Infelizmente, constatamos frequentemente que a história aqui "relatada" pela Dora é o dia-a-dia de inúmeras famílias.

É preciso parar e reflectir!

É urgente que as famílias conversem mais, pensem mais e consumam menos!

De Ana Lua a 14 de Janeiro de 2010 às 22:12
Lindo texto, triste realidade...
Das tuas palavras, tirando o facto do "Euromilhões", revejo imensas famílias... Famílias onde a falta do dinheiro destrói a possibilidade da concretização dos sonhos...
Famílias onde a falta do dinheiro provoca frustração , discussões e valas enormes entre as pessoas.
Pais que se culpam, culpam os filhos... culpam-se constantemente...
E a felicidade passa a ser apenas um conceito inatingível devido á falta de dinheiro... Não se vive enquanto não se tiver condições... e enquanto isso, o tempo vai passando...

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