A fala é o acto ou faculdade de falar, de emitir sons, discurso, expressão ou comunicação. É uma capacidade pré-definida no nosso património genético, mas a sua expressão está condicionada por diversos factores, desde físicos até factores sócio-culturais. Nascemos com uma linguagem própria, emitimos sons, procuramos no outro a compreensão do nosso ser, nem sempre compreendida, tantas vezes ignorada ou despercebida. Ao longo do tempo, e através da nossa interacção com o mundo em redor, tornamo-nos capazes de compreender as palavras e de as imitar, criar frases, sermos donos da nossa fala. Compreendemos e somos compreendidos. Pelo menos no discurso, desde que lógico na lógica da maioria. A fala tem esse dom de revelar o significado das coisas, das coisas iguais para todos, porém sentidas de forma única por cada um de nós. Está intrinsecamente ligada ao pensamento, essa capacidade de dar significado, de racionalizar o mundo, de o absorver e transformar.
Quando uma criança nasce muda, nasce incapacitada de produzir discurso verbal, no entanto, não nasce sem capacidade de compreender o mundo, apenas fala-lhe de modo diferente. Também uma pessoa que fica muda, devido a alguma lesão, não perde a capacidade de se expressar. Todas estas pessoas incapacitadas de fala, criam uma forma de expressão própria, a linguagem gestual. Nós, na nossa maioria, confinados ao nosso mundo sem obstáculos, é que não temos a capacidade de os compreender, olhando com ar incrédulo os gestos rápidos. Nós que não tentamos perceber cada gesto, é que nos perdemos na comunicação.
Quantas vezes, a caminho da escola, no autocarro, presenciei estas conversas de rapazes e raparigas, adolescentes como eu, que com sons agudos e gestos ritmados, lá iam partilhando as suas histórias e aventuras, com uma expressão viva nos olhos, e um riso abafado pela garganta. Tamanha era a curiosidade de saber o que diziam entre eles, quais forasteiros, embora talvez partilhassem coisas da adolescência que eu soubesse tão bem! Mas mais do que os gestos, eram os seus rostos que me marcavam, tão expressivos, parecia que nem precisavam de falar, porque as suas expressões e emoções diziam tudo! Eram como eu, dentro do seu grupo, na sua normalidade, no seu dia-a-dia… Falavam-se com os olhos, expressavam-se e compreendiam-se…
E eu interrogo-me, quantos de nós, não mudos, com capacidade de falar e não nos falamos, escondidos nas nossas sombras, de costas voltadas para o mundo, mascarados. Silenciamo-nos perante injustiças, acobardamo-nos perante a vida, não damos voz às causas em que acreditamos, incapacitados de partilhar a nossa alma com medo do julgamento dos outros, incapacitados de rumar novos destinos com medo do infortúnio, abafando a voz dos nossos pensamentos e sonhos porque desistimos facilmente perante a adversidade, porque desacreditamos constantemente de nós próprios, porque não ousamos simplesmente viver… Se falar é exprimir, comunicar, então os mais incapacitados não serão aqueles que se aprisionam em si próprios, cegos do seu próprio ser e surdos ao chamamento dos outros, tornando-se simultaneamente mudos para consigo próprios e para com o mundo?
Cecília Pinto