15.10.09


 

Depois do trabalho, antes de regressar a casa, passa no lar de idosos. Não gosta do nome nem do conceito mas isso não lhe atrasa o passo - nada lhe atrasa o passo. Corre para lá ansiosa!

À entrada do quarto, a mesma pergunta de sempre:

- Como será que vou encontrá-la?

Não tinha planeado separar-se dela. Não daquela forma. Tentou quanto pôde mantê-la em casa, mas a insubordinação da mãe venceu a paciência das empregadas que contratou para lhe fazerem companhia. Zangou-se com a determinação dela em não querer ninguém a “espiá-la” e, sobretudo, zangou-se por ela não aceitar a incapacidade que a doença, implacável, acentuava cada vez mais. Aprendeu, com a ajuda do médico, que a mãe não tem a mesma percepção do problema, melhor, a mãe não sente que haja problema.

Perguntar pelas pessoas que já morreram, ou esperá-las como se fossem chegar a qualquer momento; querer saber a que horas regressa da escola, ela que terminou o curso há tantos anos, são sinais de que pensa continuar a conduzir a vida com o zelo que sempre pôs nessa missão, em função dos seus. Portanto, para ela, tudo está normalizado.

Custou-lhe perceber estes lapsos de memória, não os valorizou até ao dia em que a mãe, deambulando pela rua, chamou a atenção de um polícia. Estava perdida e não sabia voltar para casa, felizmente tinha com ela os documentos de identificação.

Recorda com tristeza esse encontro. Sentada, esperava. Não sabia bem o quê, esperava porque lhe tinham dito para o fazer e nem mesmo quando a filha entrou na sala e se olharam, o rosto ganhou expressão. Os olhos baços, sem referências passadas onde pudessem fixar-se, perdiam-se para lá daquele lugar e daquelas pessoas.

Com cada vez mais frequência é assim que a encontra quando a visita no lar, perdida, escondida não sabe onde. Abraça-a e prolonga esse abraço na secreta esperança de que lhe traga à memória que ainda são e serão sempre mãe e filha, mesmo que incapaz de sentir isso.

 

Cidália Carvalho

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 22:47  Comentar

De Ana Lua a 16 de Outubro de 2009 às 16:43
Lindíssimo texto!
Da pena sentir que são cenas reais, são sentimentos e tristezas reais... É triste viver-se com uma visão esquecida do que se é , do que se foi...

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