Afinal, só é digna de desejo a pessoa desejável por outros e, logo, passível de ser levada.
O binómio desejo/ciúme é altamente interactivo: enquanto outros sentimentos surgem independentemente da existência ou não de outra pessoa (a tristeza, a alegria, a ansiedade, a esperança), o ciúme ligado ao desejo, como o desejo ligado ao ciúme, envolvem e afectam necessariamente um outro, íntimo, com grande envolvimento emocional.
Emoção ou instinto básico, o desejo sexual pode ser avassalador, no sentido em que, quando a razão autoriza, ou pura e simplesmente não interfere, é ao corpo que se obedece, e de bom grado se cede à sua urgência e intensidade. Várias vezes, a satisfação do próprio desejo inclui a satisfação do desejo do outro; mas invariável é a vontade de o possuir.
O sentimento de posse, com nuances diferentes ou não, é também afim ao ciúme, e a ele se cola o medo de se perder o que se possui. Na nossa sociedade actual, o ciúme será maioritariamente visto como um sinal de imaturidade, associado a baixa auto-estima, insegurança, falta de racionalidade, raiva e vingança. Já se viu aliado à honra e à moral, como prerrogativa masculina essencial na manutenção de relações estáveis e duradouras, logo à preservação da família. Poderá dizer-se que mesmo hoje em dia, algum ciúme como condimento, sinal de amor e de dedicação à relação quer-se presente. Mas só quando não resvala para o excessivo.
Isto acontece quando a irracionalidade do medo desproporcionado de perder o parceiro para outra pessoa, e das dúvidas (mais ou menos delirantes) em que este medo assenta, conduz a uma desconfiança excessiva e insuportável, empurrando a pessoa ciumenta, numa tentativa de aliviar o seu sofrimento, para comportamentos inaceitáveis ou bizarros, por vezes violentos, e acarretando muito sofrimento para a outra parte. O ciúme excessivo encaminha invariavelmente a relação para o seu fim, pelo menos enquanto relação salutar. Torna-se imprescindível reconhecê-lo e tentar saná-lo.
Ana Álvares
(Imagem: Desejo, de Ana Isabel Camilo)
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