Momentos antes sentia-me tranquila, apreciando a agradável brisa do final de mais um dia.
Momentos antes apreciava, em abstracto, a vida que corre nas rugas de um rosto.
Momentos antes estava em total harmonia com o espaço envolvente.
Senti a adrenalina a apoderar-se do meu corpo, em passos quentes e fortes, no meu rosto senti a intensidade de um vermelho como se fosse uma queimadura de 3º grau, a minha voz tornou-se rouca e áspera, a saliva transbordava-me da boca, a visão turva e selectiva.
O meu corpo foi possuído por uma energia mandatária que me obrigava e exigia uma atitude, uma manifestação mais concreta. Completamente perceptível a localização do meu coração, conseguia ouvir as pulsações, cada vez mais aceleradas e pujantes.
Transcendi-me e vi o meu corpo a evadir-se, com uma coragem e uma força nunca antes vividas. Demonstrei toda a minha emoção e sentimento com palavras acesas e violentas, agredindo ferozmente a dignidade, a educação, o civismo e a conduta daqueles que considerei culpados por me levarem ao limiar das emoções e, por consequência, à sua manifestação.
Com a força que os meus pulmões permitem, berrei, mas a minha voz atraiçoou-me; fiquei afónica. Sem qualquer percepção ou consciência da minha real força física, extravasei a minha manifestação para actos físicos, estava cega, surda e muda… Não percebi o momento em que o meu sistema racional se desligou por completo.
De punhos fechados e dentes cerrados, desenfreadamente tentei atingir aqueles que, insistiam em colocar-me bem longe dos meus comportamentos habituais.
Senti um líquido na boca com sabor a ferro; não sei o que continha mas trouxe-me energias adicionais e nada me fez parar. Estaria louca? Não! Senti um profundo e asqueroso sentimento, uma raiva demolidora, uma fúria incontrolável, impossível de esconder, dissimular e, muito menos, controlar.
Momentos depois senti-me completamente exposta e frágil.
Momentos depois, consciente dos meus actos, arrependi-me.
Momentos depois entendi o perigo da proximidade da raiva e da fúria.
Neste momento reflicto como constantemente estamos expostos a todo o tipo de agressões, injustiças, descriminações, falsos testemunhos, faltas de educação e traições.
Neste momento pondero sobre a forma como somos obrigados a conviver com a hipocrisia, sentimentos mascarados, atitudes vergonhosas, com o egoísmo e a indiferença dos outros.
Neste momento vejo como temos de relacionar-nos com a maldade, como a guardamos, escondemos, disfarçamos e o desgaste que isso nos provoca.
Susana Cabral
Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 14:08  Comentar