Foto: Paracycling - Mucorales
Não tenho dúvidas da capacidade e do à vontade com que muitos lidam e falam da deficiência. Fazem-no com naturalidade, com conhecimento e sem erros científicos e humanos. Não é o meu caso. Sinto-me ignorante e, estou muito agradecida às forças do universo, ou a qualquer outra força ou energia que me têm poupado a ter de viver e lidar com a deficiência, tal como a minha limitação a entende – o que não está dentro da normalidade. O desconhecimento desta realidade faz de mim um ser inábil no relacionamento com a pessoa com deficiência. Confesso a minha dificuldade em comportar-me e, por incorreto que seja, a verdade é que a diferença torna-me curiosa em relação às causas e aos efeitos. Satisfazer a curiosidade constrange-me com receio de causar algum tipo de sofrimento a quem se sinta observado. O resultado revela-se numa falsa indiferença e numa leviana normalidade da minha parte.
Essa dificuldade estende-se também à escrita. Não vejo beleza na condição de deficiente e isso rouba-me inspiração para romancear ou fantasiar à volta do tema. Escrever sobre o quê? Que sei eu do mundo que alguns criam e no qual se refugiam sem deixarem entrar nem mesmo os que lhes estão mais próximos? Que capacidade tenho de entender frases e ideias desconexas, mas com sentido para quem as profere? Que sei eu da força que anima amputados a bater recordes, a melhorarem marcas até aos degraus do pódio? E a que sabe a medalha conquistada? De que sentidos se servem e que processos desenvolvem aqueles que, privados de visão e audição, dançam com tanta delicadeza que nos levam para lá da realidade?
Apesar de nada saber e quase tudo me ser desconhecido, talvez por isso mesmo, espanto-me com os resilientes, os que estabelecem objetivos e lutam pela sua concretização e os que não se deixam atingir na sua dignidade quando lhes devolvem uma imagem de incapazes. A superação das pessoas com deficiência, se outras razões não houvessem, deveria eliminar estigmas e preconceitos. Mas que sei eu? Deficiência minha que nada sei.
Cidália Carvalho