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As coisas terrivelmente más nunca nos acontecem, são coisas de filme, ou daqueles livros cheios de tentáculos por dentro, que saltam das páginas, se agarram à nossa garganta e nos sugam todo o ar, até que a palavra “FIM” nos resgate (do prazer) do sufoco. E nós, esgotada a adrenalina do suspense e da emoção extrema, voltamos lentamente ao mundo real, ao mundo seguro, à nossa vidinha de trazer por casa.
É claro que a nossa vidinha de trazer por casa também tem lá as suas tragédias, tramoias e sobressaltos. Claro que tem – ah, se tem! Mas, como diz o outro, haja saudinha! A gente vê, por esse mundo afora, problemas tão maiores que os nossos! Longe, tão longe de nós. Mesmo que seja na casa da vizinha.
A verdade é que nunca estamos preparados para o pior. Nunca. É instintiva e natural, essa íntima e falsa certeza de que nos armamos, em legítima defesa. Estratégia de sobrevivência, com certeza. Esperança. Fé. Ou, simplesmente, distração calculada.
Mas uma coisa de que não nos conseguimos livrar, é de, de vez em quando, ter pesadelos. Dormindo, baixamos guardas, distraímo-nos por cansaço e, de repente, tropeçamos num pesadelo. Daqueles. Dos piores. Dos que nos saltam à garganta, nos gelam por dentro, nos certificam seres frágeis, nos destroem todas as forças e nos fazem querer... ia dizer “morrer” – mas não, vou dizer “acordar”. Olhamos em volta e pensamos: “Isto não está a acontecer-me... isto só acontece aos outros, não a mim. E mesmo quando acontece aos outros, é longe, muito longe de mim. Como é possível?... Não, não é verdade, até porque esta dor que sinto é humanamente insuportável. Não se sobrevive a ela. Não. É um pesadelo. Horrível. Amanhã, quando acordar, nem sequer quero ter memória dele, porque tenho a sensação que, nem contado, nem lembrado, isto seja coisa a que seja possível “sobreviver.”
Espera-se a manhã até a dor da alma passar ao corpo, ou a dor do corpo passar à alma, conforme o pesadelo. E a manhã não chega. Toma-se um sonífero, meia dúzia, para voltar a dormir, para voltar ao sonho, para fazer rewind, desmantelar a cena, redirecionar todo o enredo. Mas nada. Nada: acorda-se para dentro do mesmo pesadelo, agora ainda mais negro, mais arrasador. E todo o nosso corpo a negar ter forças para o aguentar. E, com o nosso já pouco discernimento, só podemos continuar a afirmar veementemente, por puro instinto de sobrevivência, que tamanho horror só acontece aos outros, muito, muito longe de nós. Ou... em pesadelos. Ou em pesadelos, claro. “Isto é um pesadelo. Daqui a pouco acordo e não é nada.” (sorriso frio, perdido dos olhos) “Acordem-me!”.
Devagarinho, acabamos por acordar. Não é um processo fácil, não é um processo inócuo, mas acordamos. Dali a meses, anos, vidas. Mas acordamos.
O tempo é, na verdade, o outro significado da palavra esperança. Mas a palavra pesadelo, perderá, para sempre, o significado de sonho.
Teresa Teixeira