31.7.17

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Foto: Portrait - Catharina Rytter

 

Pesadelos são sobretudo medos que nos perseguem, alguns nunca acontecem, outros acabam por realizar-se e percebemos que afinal não é assim tão trágico, porque esse pesadelo-medo é enfrentado e desvanece, mas há também aquele pesadelo que se realiza inevitavelmente. Foi o que me aconteceu há dias.

 

Lembro que a primeira vez que presenciei um funeral, tinha aí uns catorze anos, foi porque cismei que tinha que acompanhar o meu Pai, como de resto fazia em quase tudo, não só porque se tratava de um amigo da família, mas também porque queria perceber que ritual era aquele do qual as crianças eram banidas. É claro que me comovi, primeiro porque conhecia as pessoas envolvidas, depois porque a descida do caixão à terra impressionou-me, mas o que mais me marcou, foi perceber que um dia seria, inevitavelmente, o funeral do meu Pai, e isso aterrorizou-me. Durante anos, em todos os funerais a que assisti, na minha cabeça passava uma espécie de mantra: “Ainda bem que não é o meu Pai. Ainda bem que não é o meu Pai. Ainda bem que não é o meu Pai.” Confesso que apenas em uma ou duas ocasiões, por estar tão toldada pela dor, esse mantra não soou na minha mente.

Esta semana, o meu maior pesadelo aconteceu. O meu Pai deixou-me. Depois de ultrapassar quatro internamentos nos últimos meses, partiu pacificamente durante o sono, numa tarde de sol. Partiu como viveu: cheio de luz em volta. Minutos antes, deu-me o privilégio de deixar-me despedir dele, de lhe dizer que aceitaria quer decidisse ficar ou partir, disse-lhe que o que eu gostava dele cá, seria quanto eu iria gostar dele Lá. Pude, acima de tudo, dizer-lhe mais uma vez que se tivesse sido eu a escolher o meu Pai, o teria escolhido a ele, e que ser sua filha é o maior orgulho da minha vida. E acreditem que, apesar do momento de dor, para mim, foi uma honra estar ao seu lado quando decidiu caminhar em direção à Luz.

Inevitavelmente, um dia depois, dei comigo numa missa, agarrada a um cachecol do Salgueiros e a olhar para o meu Pai, sereno, que muito provavelmente estaria a cantarolar o “Não venhas tarde” que era o que ele sempre fazia quando queria gozar com alguém. E o meu Pai definitivamente gozaria com aquele padre… Depois, lembrei-me de uma crónica do Lobo Antunes sobre a morte do seu pai e, tal como ele afirmara na altura, também a mim só me apetecia gritar “Isto Não é o Meu Pai!”. Até que foi hora de chegar uma dor excruciante quando percebi, ali, agarrada àquele corpo inerte, que nunca mais abraçaria o meu Pai; dessa sensação nunca irei esquecer-me. Nesse momento, uma voz Amiga veio sussurrar-me ao ouvido qualquer coisa como: “Lembra-te que um dia o teu Pai também teve que te deixar ir, para viveres a tua vida, agora és tu que tens que o deixar ir a ele, para viver na Luz”.

 

Ser filha do meu Pai significa o mundo para mim: nasci de semente tardia, os meus pais já estavam praticamente nos quarenta anos, o que na altura já era considerado tarde, por isso, por brincadeira, o meu Pai e os seus amigos diziam que eu era sua neta – a Neta do Bessa – chamavam-me eles. Ainda hoje não sabem o meu nome. Tive o privilégio de ser a sua grande companheira e de o acompanhar para todo o lado, até praticamente aos 21 anos. Foi pela sua mão que fui pela primeira vez a Vidal Pinheiro, ver o clube que acabaria por se tornar a grande paixão da minha vida – porque era o clube do meu Pai, obviamente, e também porque me ensinou sobre a humildade de aceitar as derrotas e sobre apreciar as vitórias.

Uma das coisas mais fascinantes no meu Pai, é que tendo ido para a guerra colonial logo em 1961, onde assistiu a cenas inenarráveis, quando falava de Angola, tinha um brilho nos olhos indisfarçável. Contava-nos sobre a beleza daquele país e de Luanda em particular, e das suas aventuras futebolísticas, mas sempre nos poupou aos horrores a que assistiu.

O meu Pai era um homem de trabalho, não era um homem de grandes conversas profundas, ensinou-me mais com o exemplo da sua conduta do que com falinhas meigas. Uma coisa que eu também adorava nele era o orgulho com que ele falava no seu trabalho, nas casas que construía e, quando me levava a conhecer as suas obras ao domingo de manhã, eu sentia-me tão vaidosa, meu Deus, como eu me sentia vaidosa…

 

É claro que nem sempre foi fácil ser filha do meu Pai, não lhe foi muito fácil perceber que eu tinha crescido e que tinha direito a fazer as minhas próprias escolhas, mas com isso sei que conquistei o seu respeito. Muitas vezes fazia questão de me levar às festas, a mim e à minha melhor amiga, “para ver o ambiente”, ou então aparecia de surpresa para ver se estava tudo nos conformes, e sair à noite com os amigos, nem pensar! Claro que dava comigo em doida, mas hoje até disso tenho saudades.

Haveria milhares de coisas a contar sobre o meu “Herói de olhos verdes”, mas fico-me por aqui, porque neste momento o pesadelo que se abateu sobre mim não tem jeitos de se desvanecer, talvez um dia eu consiga ver através da névoa, ou pelo menos fingir que consigo ver, porque se há coisa que a vida me ensinou a construir, foi uma bela fachada. Agora só me apetece gritar, gritar muito e dizer palavrões, apetece-me apontar uns e outros na rua e dizer-lhes cara a cara que eles é que deviam ter morrido em vez do meu Pai. Sinto um grito preso na garganta que me asfixia, e visto-me de cinismo. Literalmente.

 

Nestes últimos dias não paro de me lembrar daquela ocasião em que fui com o meu Pai à bola, nesse dia foi também o meu cunhado. Foi um Salgueiros-Belenenses, num glorioso domingo de Vidal Pinheiro e na confluência da saída do estádio, vinha eu toda animada e distraída a falar com o meu Pai e, como habitualmente, dei-lhe a mão. Só que não era aquela a sua mão. O meu Pai tinha um aperto forte e uma mão áspera e calejada de pedreiro, aquela mão não tinha expressão nenhuma. Entrei em pânico à procura do meu Pai e logo percebi que eles estavam a atrás de mim, a rirem-se divertidos, tal como o senhor a quem eu tinha dado a mão: “Bessa olha, a tua neta quer ir comigo para casa!”. Isto foi numa fração de segundo, foi tempo de dar a mão e olhar para trás, mas foi o suficiente para nunca mais me esquecer do susto que foi não encontrar o meu Pai e sentir-me perdida. Eu saberia ir a pé para casa, se preciso fosse, saberia ir pedir ajuda a um polícia, sabia onde estava o carro, mas queria encontrar o meu Pai. É assim que me sinto nos dias de hoje: perdida. E hoje não há um polícia que me possa valer e nem sequer me adianta ir a pé para casa. O meu Pai morreu, partiu, deixou-me, e eu não consigo aceitar que nunca mais o verei.

 

Ana Bessa Martins

 

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28.7.17

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Foto: Girl – Jerzy Górecki

 

Um pesadelo é um sonho assustador que pode causar ansiedade e sensações muito desagradáveis. Mas também designa, na linguagem corrente, algo “que nem em sonhos” gostaríamos que nos acontecesse.

 

Foi nesta linha de pensamento que resolvi questionar algumas pessoas com que convivo sobre qual seria o seu maior pesadelo. Tive respostas diversas, desde ficar na falência, ficar sem caminhar, perder o juízo, ficar na solidão, etc. Mas a resposta mais comum foi perder alguém que se ama.

Interessante, porque aqueles que disseram que o seu pior pesadelo seria perder uma pessoa amada, são precisamente aqueles que nunca têm tempo para estar com quem amam. Porque trabalham, porque viajam, porque nunca pensam que realmente o tempo tem um fim. Então, um pesadelo, seja um sonho ou apenas um medo aterrador, pode ter um lado muito luminoso. Lembra-nos o que não se pode controlar. Mas mostra também o que se pode fazer para minimizar o efeito.

 

Um professor que tive há muitos anos dizia: “Onde está o teu pior medo? Ali? Então é nessa direção que tens que ir.”. O pior pesadelo poderá ser olhar para o passado e saber que se podia ter feito diferente.

 

Sara Almeida

 

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26.7.17

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Foto: Camera – Stafford Green

 

Saíra do trabalho por volta das dezoito horas. Naquele dia, dispensara o autocarro. Preferira o caminho a pé. Olhos haviam em todo o lado. Mesmo a pé, caminhando sozinho, não descurara os seus cuidados. Mas, naquele momento, achara que era mais prazeroso ir assim consigo mesmo e com os seus pensamentos. Permanecera fechado num cubículo durante horas. Achara que, naquele dia, merecera apreciar a brisa fresca do final daquela tarde, ainda quente, de outono.

Apesar do final de dia agradável, a cidade era negra, impregnada com cheiros descaraterizados, cinzenta e fria, tal como as pessoas. Os transeuntes, anestesiados para o mundo, indiferentes ao que se passava ao seu redor e cabisbaixos, percorriam aquelas ruas todas iguais. E era exatamente isso que se pretendia. Afinal, olhos haviam em todo o lado.

Não sei por onde vagueavam os seus pensamentos, a sua expressão mantivera-se inalterada durante todo o percurso. Imagino, apenas, que a cada passo que dava sentira-se um pouco mais perto de si e de quem era.

Chegara, por fim, a casa. Subiu as escadas do prédio, as chaves do apartamento já iam na mão. Fez uma pausa, suspirou e rodou a chave na fechadura.

Era um apartamento modesto e cinzento, tal como o resto da cidade, primado pela limpeza e pela organização. Tinha apenas uma divisão e uma pequena janela, que não deixava entrar muita luz. Ao fundo do lado esquerdo encontrava-se a cama; olhando para o lado direito tinha a cozinha e a mesa de jantar.

 

Ao entrar em casa, ligara logo a televisão, que se encontrava no centro da única divisão da casa. No mesmo canal de sempre e com programação, digamos, seletiva. O alerta passara, agora, para o nível máximo. Os cuidados com os gestos, movimentos e expressões redobraram e a anestesia voltava o fazer o seu efeito.

Tirou do mini frigorífico as sobras do jantar do dia anterior e saboreou-o com o gosto amargo de quem sabe que até isso é controlado. Lavou a loiça, pois impecavelmente limpo e organizado era ordem, e preparou-se para dormir.

Deitou-se olhando para o teto com a indecifrável expressão que o acompanhara sempre. Adormeceu, enfim. Era no son(h)o que começava realmente a viver, livre. Amanhã, quando acordar, a anestesia voltará a fazer o seu efeito.

 

Sandra Sousa

 

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24.7.17

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Foto: Humanitarian-aid - Skeeze

 

“- Anda daí!”.

Uma mão luminosa e transparente estende-se na minha direção. Elevo o olhar, um ser com uma luz esbranquiçada e figura humana que mais parece um holograma, faz um pequeno aceno com a cabeça, incitando a que eu lhe pegue na mão translúcida. Subitamente, de mãos dadas, sinto o meu corpo ficar suavemente mais leve, como se eu me transformasse num ser de energia translúcida como aquele que me levava.

Refeita da surpreendente transformação que vivia, contemplo do espaço a cidade iluminada, os pontinhos alinhados da iluminação das pontes sobre o rio. O nosso voo etéreo desacelera e sobrevoamos o centro do país. Longos troncos inertes elevam os seus ramos negros aos céus como preces. Sinto o cheiro intenso da morte e das cinzas. Estranhamente ecoam na minha cabeça os lamentos de dor daqueles que tudo e todos perderam.

Aquela mão abruptamente puxa-me acelerada. Agora sobrevoamos o Atlântico em direção a sul. Aquele ser transparente mostra-me agora os milhares de refugiados que mal sobrevivem nos Camarões, fugidos das atrocidades que viveram na República Centro-Africana.

Mais a sul, vejo uma adolescente a ser mutilada, privada de todos os prazeres sensoriais. Com o choque o meu corpo torna-se pesado, materializando-se.

Mas um novo impulso do ser de energia que me leva, transporta-nos a Moçambique. O meu coração despedaça-se de dor ao sentir o pavor dos albinos que são sequestrados e assassinados a troco de dinheiro para alimentar crenças e abomináveis ambições.

Novo voo à velocidade da luz. Consigo vislumbrar um bote de borracha no Mediterrâneo. Sobrelotado. Novamente ecoam na minha cabeça, o choro dos bebés, ressoam em mim os pensamentos, receios, expetativas dos que vão em busca da paz, de sobreviver na Europa.

 

Um calor febril invade-me. Os cabelos húmidos colam-se ao rosto e à almofada. Acordo angustiada. Sento-me na beira da cama. Mãos na cabeça, curvada sobre mim, repito monocórdica, “- Que pesadelo! Que pesadelo!”.

Delicadamente materializa-se na minha cabeça uma voz inaudível.

- Pesadelo? Não! Realidade! A tua realidade! A realidade do teu mundo! E agora, o que vais fazer? Ficar indiferente?

 

Tayhta Visinho

 

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21.7.17

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Foto: Woman - Pexels

 

As coisas terrivelmente más nunca nos acontecem, são coisas de filme, ou daqueles livros cheios de tentáculos por dentro, que saltam das páginas, se agarram à nossa garganta e nos sugam todo o ar, até que a palavra “FIM” nos resgate (do prazer) do sufoco. E nós, esgotada a adrenalina do suspense e da emoção extrema, voltamos lentamente ao mundo real, ao mundo seguro, à nossa vidinha de trazer por casa.

É claro que a nossa vidinha de trazer por casa também tem lá as suas tragédias, tramoias e sobressaltos. Claro que tem – ah, se tem! Mas, como diz o outro, haja saudinha! A gente vê, por esse mundo afora, problemas tão maiores que os nossos! Longe, tão longe de nós. Mesmo que seja na casa da vizinha.

A verdade é que nunca estamos preparados para o pior. Nunca. É instintiva e natural, essa íntima e falsa certeza de que nos armamos, em legítima defesa. Estratégia de sobrevivência, com certeza. Esperança. Fé. Ou, simplesmente, distração calculada.

 

Mas uma coisa de que não nos conseguimos livrar, é de, de vez em quando, ter pesadelos. Dormindo, baixamos guardas, distraímo-nos por cansaço e, de repente, tropeçamos num pesadelo. Daqueles. Dos piores. Dos que nos saltam à garganta, nos gelam por dentro, nos certificam seres frágeis, nos destroem todas as forças e nos fazem querer... ia dizer “morrer” – mas não, vou dizer “acordar”. Olhamos em volta e pensamos: “Isto não está a acontecer-me... isto só acontece aos outros, não a mim. E mesmo quando acontece aos outros, é longe, muito longe de mim. Como é possível?... Não, não é verdade, até porque esta dor que sinto é humanamente insuportável. Não se sobrevive a ela. Não. É um pesadelo. Horrível. Amanhã, quando acordar, nem sequer quero ter memória dele, porque tenho a sensação que, nem contado, nem lembrado, isto seja coisa a que seja possível “sobreviver.”

Espera-se a manhã até a dor da alma passar ao corpo, ou a dor do corpo passar à alma, conforme o pesadelo. E a manhã não chega. Toma-se um sonífero, meia dúzia, para voltar a dormir, para voltar ao sonho, para fazer rewind, desmantelar a cena, redirecionar todo o enredo. Mas nada. Nada: acorda-se para dentro do mesmo pesadelo, agora ainda mais negro, mais arrasador. E todo o nosso corpo a negar ter forças para o aguentar. E, com o nosso já pouco discernimento, só podemos continuar a afirmar veementemente, por puro instinto de sobrevivência, que tamanho horror só acontece aos outros, muito, muito longe de nós. Ou... em pesadelos. Ou em pesadelos, claro. “Isto é um pesadelo. Daqui a pouco acordo e não é nada.” (sorriso frio, perdido dos olhos) “Acordem-me!”.

 

Devagarinho, acabamos por acordar. Não é um processo fácil, não é um processo inócuo, mas acordamos. Dali a meses, anos, vidas. Mas acordamos.

O tempo é, na verdade, o outro significado da palavra esperança. Mas a palavra pesadelo, perderá, para sempre, o significado de sonho.

 

Teresa Teixeira

 

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17.7.17

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Foto: Baby - Joshua Byrne

 

Que belo dia de verão. Não tenho vontade de fazer nada, quero ficar aqui, debaixo do sol, o dia inteiro. Quero esquecer a vida amarga que digo ter escolhido, quero fugir daquela criatura que se pavoneia no meu estado civil. Sei como cheguei aqui. Na verdade, soube cada passo que dei antes de o dar, pesei prós e contras e nunca me atirei de cabeça a coisa nenhuma. Sei-me sob o escrutínio dos outros e nunca, nunca, me coloquei à mercê deles. E agora, que ironia, por causa desta mulherzinha, arrasto-me pela lama da vulgaridade, sem sequer ter escolhido ser parte deste enredo. Dá-me muito mais trabalho limpar o que ela conspurca do que a azáfama da minha, muito pública, vida profissional. E, no regresso a casa, o vazio que se instala dentro de mim, a solidão de uma gaiola dourada, fria e luxuosa, pesa mais do que qualquer outra coisa. Nunca estive tão só quanto estou com ela, esta pessoa infeliz mas determinada em ficar, cansada, militantemente queixosa, persistente nesta derrota que aceita como um mal menor. Talvez se convença disso, não sei mas, a mim, já não me restam ilusões. As que insisti em manter, foram-me arrancadas da pele no dia em que a soube nos braços de outro tipo. Não me lembro de a ter enganado, de a ter convencido a ter o nosso filho, tão pouco me lembro de a ter obrigado a ficar comigo, por essa ou por qualquer outra razão. Por que raio me fez isto? Nos fez isto? Por que não partiu, simplesmente, em busca das migalhas que, afinal, a preenchem? Por que me obrigou a viver aquilo que nunca escolhi para mim? E, como foi ela pensar que conseguiria esconder algo assim, quando toda a gente me conhece? Quebrou-se o encanto, aquela centelha de magia que me fazia pensar que ela era diferente de todas aquelas que, durante décadas, evitei com mestria e sensatez. Restava em mim alguma ingenuidade que era preciso eliminar, mostrou-me a vida, impiedosa.

Apesar de nunca ter casado, desejei secretamente alguém que pudesse partilhar a minha vida, talvez amar-me o suficiente para me permitir viver feliz e tranquilo. Porém, nos dias de maior vulnerabilidade, o meu medo da solidão foi muitas vezes apaziguado pelo relato sórdido dos colegas com vidas duplas: pior do que estar só seria viver como eles, pensava eu, sem descanso, sem verdade, naquele torpor que não parecia levá-los a lado nenhum. Quanto mais relatavam, quanto mais vazios se mostravam, mais sentido me fazia estar comigo próprio e esperar a pessoa, a tal pessoa que estaria a anos-luz daquelas almas perdidas. Fugi daquelas vidas como o diabo da cruz, não queria estar ali e ser alvo de chacota, não queria jamais sentir-me traído, perdido, magoado. Nada me parecia mais terrível. Durante muitos anos, achei que o meu sexto sentido nunca me enganaria. Prestei atenção a tudo o que ouvi, aprendi a ler nas entrelinhas. Conseguia cheirar um “golpe do baú” a milhas de distância, senti-me seguro e confiante.

 

Conheci-a depois do meu pai ter partido, quando a vida se fragmentava perante os meus olhos. Gostei da sua ternura, da voz doce, das boas maneiras, da delicadeza do seu sorriso. Naquele momento de dor, havia chegado a serenidade, o amor, a partilha. Abracei-a, sem defesas, fui criança de novo, brinquei com ela, deixei-me fascinar e, sem me dar conta, ela tomou o seu lugar na minha vida. Em breve, seríamos três. Foste enganado, arriscaram os “amigos”… Não, não fui. Seria um crápula se o dissesse. Planeamos este filho juntos. Talvez a vida tivesse levado o meu pai e, agora, me trouxesse um filho. Uma vida por outra vida, quis eu acreditar. Construí a minha razão e embarquei nesta aventura com ela, de mãos dadas e sem plano bê. Ainda antes da nossa curta lua-de-mel, pedi-lhe que, se as coisas mudassem dentro dela, me respeitasse o suficiente para não me mentir. Disse-lhe, olhos nos olhos e de coração aberto que, se alguma vez se sentisse sufocada, presa numa vida sem sentido que podia, a qualquer momento, sair dela. Que nunca a faria ficar contra a sua vontade, se esta não fosse plena. Doravante, também ela passaria a estar na mira de toda a gente, como minha mulher, como mãe do nosso filho, e que o peso disso podia tornar-se insustentável. Só pedi honestidade, lealdade e integridade.

 

O sorriso e a ternura desapareceram muito tempo antes do seu envolvimento com um colega meu. A intimidade, essa, havia desaparecido, ainda na gravidez e mantinha-se neste segundo ano do nosso filho porque “as coisas demoram o seu tempo”, porque “o Gonçalo tem noites irregulares e precisa da mãe” e uma série de outras razões que me fizeram esquecer as curvas do seu corpo, outrora, aninhado no meu. Culpei as hormonas, a falta de descanso, a recente maternidade, dei-lhe todo o espaço do mundo. Não vi a amargura a instalar-se, não percebi a tremenda inconformidade que habitava nela e que agora, sem resguardo, estava prestes a explodir. Pensei estar a dar-lhe liberdade, mas deixei-a simplesmente à deriva. Sem entorno nem retorno. Soube o que ela tinha feito, no dia em que se encontraram frente a frente pela primeira vez. Não queria voltar a casa nesse dia. Não queria sentar-me com ela, olhá-la nos olhos e ter de lho dizer. Não queria. Parte de mim gostava genuinamente de a poder fazer desaparecer, com um simples estalar dos meus dedos. Mas voltei a casa, sentei-me com ela e disse-lho, sem gaguejar, com a outra parte de mim: a que lembrava o Gonçalo e o facto de ela ser, eternamente, sua mãe. Queria um fim para este pesadelo.

Não lhe disse, todavia, que jamais voltaria a confiar nela. Não lhe disse que, naquele dia, me repugnava olhar para ela e que a sua mera presença me incomodava. Não fui capaz. Disse-lhe que se fosse embora. Que não aceitava viver exposto, defraudado. Que a apoiaria sempre, que não faltaria com nada ao nosso filho que tanto amo. Não lhe disse que queria, mais do que tudo, que ela desaparecesse, que saísse da minha vida e me deixasse recuperar a tranquilidade da minha solidão. Engoli em seco, disse-lhe que não teria aquela conversa uma segunda vez e que haveria consequências desagradáveis se ela repetisse a graça. Contudo, se ela partisse naquele momento, assegurei-lhe, não haveria lugar a azedume ou a “lavagem de roupa suja”. Achei-a aliviada enquanto eu falava, achei-a prestes a aceitar a minha proposta e a agarrar a liberdade com que a presenteava. Mas ela não foi embora. Suplicou, chorou, deixou-me sem resposta. Pediu para ficar, disse que tinha cometido um erro e que não queria deixar de ser minha mulher – perguntei-me se alguma vez o tinha sido. No meio das lágrimas abundantes, disse que queria criar o nosso filho comigo, como uma família. Falou tanto, disse coisas sem jeito, entre lágrimas e gritos histéricos; falou sem parar e eu só queria que ela se calasse. Quando consegui balbuciar algumas palavras, não fui capaz de lhe dizer que não a queria comigo. Assim que me sentiu hesitante, ela aceitou, sem questionar, as condições que cobardemente lhe havia oferecido e varreu o lixo para debaixo do tapete. Estalou os dedos ainda antes de eu conseguir tirar as mãos dos bolsos. Estava feito.

 

Decidiu permanecer comigo, nesta vida que lhe parece mais aceitável do que ter de a enfrentar sozinha, mas não houve magia ou mudança. Simplesmente deixou de camuflar o que sente, toda ela irradia inconformidade e apatia. Quanto mais se acomoda, menos ternura lhe resta. E aqui estou eu, nem sei eu bem porquê, preso a tudo o que não fui capaz de lhe dizer, refém daquilo que finjo aceitar. Hoje ela saiu para levar o Gonçalo ao colégio e ir ao ginásio. Vê-los sair encheu-me de alegria. Está um dia maravilhoso, a casa permanece em silêncio, o ar é leve, dentro e fora de mim. Só por algumas horas, quero desligar o telemóvel, o cérebro e o coração e dormir, sem preocupações e angustia. Talvez acorde deste pesadelo a que chamo vida e tudo esteja, afinal, no seu devido lugar.

 

Alexandra Vaz

 

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14.7.17

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Foto: Maldives – David Mark

 

Tirando as aderências que não vêm ao caso, o Homem é um ser maravilhoso, positivo, confiante, voluntarioso. Pode ser apenas imediatista e não olhar ou não se aperceber de nada mais do que aquilo que está à mão, e ao tempo, de semear. Sem ser para semear, bem entendido, mas para usufruir. Pode ser calculista, do tipo não dar ponto sem nó, cada passo é dado, cada palavra é dita, ou não, em função de planos, objetivos futuros, interesses próprios. Nenhuma destas descrições, quase que extremas, pretende ter qualquer intuito qualificativo, apenas descritivo.

Aceitamos o presente e vamos tirando partido dele. Não se têm expetativas, nem desesperanças. Fazemos do momento plataforma e impulso para conquistas futuras. Enriquecer, ser promovido, poderoso, viajar para aquela praia ou montanha do outro lado do mundo. Ou ter como prioridade ajudar, direta ou indiretamente, quem achamos que está desvalido, temporária ou perenemente.

E tanto uns como os outros, os que aceitamos geralmente o presente, situação após situação, anos após ano, como os que temos anseios mais evidentes e que deles fazemos alavancas do viver, o praticamos aos 15, como aos 30, como aos 50 anos. Com a evolução da esperança de vida, mesmo aos 70 anos e mais além. Haverá que retirar da equação a primeira dezena de anos de vida, quando ainda não temos grande, ou nenhuma, consciência da nossa transitoriedade neste mundo. De resto, fazemos tudo sabendo e experienciando que nascemos sem trazer nada connosco e morreremos, mais cedo ou mais tarde, sem levarmos nada.

 

A vida podia ser um pesadelo constante, contínuo, envolta numa ansiedade insuportável e paralisante. Mas não é. Tem momentos, fases, mas na realidade conseguimos sonhar - aos 5, 10, 20 ou 70 anos - e fazer dos sonhos, do dia-a-dia, de uma ou outra maneira, o comando da vida. É assim, com quase todos nós e é, apesar de vulgar, extraordinário!

 

Jorge Saraiva

 

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12.7.17

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Foto: Walkers - Anja

 

O conceito de pesadelo aparece-nos quase sempre associado a um sonho mau, fortemente perturbador. Daí se desabafar vulgarmente, quando tal acontece, com as seguintes expressões: "esta noite tive um sonho mau; vivi um autêntico pesadelo". Contudo, o pesadelo não ocorre apenas nos sonhos, não é deles exclusivo, porquanto, e embora em sentido figurado, na realidade do dia-a-dia, também é comum surgirem, não raras vezes, pesadelos resultantes de terríveis preocupações e de pensamentos negativos.

Durante a vida experimentamos as mais diversas sensações amargas e penosas: umas, que são causadas por fatores endógenos, inerentes à própria pessoa, quase sempre acompanhadas por um forte sentimento de medo de se poder vir a realizar ou a concretizar algo muito desagradável; outras, por circunstâncias exógenas ocorridas na sociedade ou na comunidade em que se está inserido, que poderão constituir um autêntico suplício quando interiorizadas, partilhadas ou vividas de perto, nomeadamente, numa situação de grave crise financeira, sujeição a um arbitrário e injusto silêncio e à tortura de notícias repetidamente noticiadas na TV e nos jornais sobre determinados acontecimentos trágicos.

Todavia, apesar da carga negativa que encerra um pesadelo, começa a vislumbrar-se a teoria de que é preciso repensar a função do pesadelo na sociedade, na justa medida em que dele possam advir alguns benefícios reais. O pesadelo, enquanto importunação, agrura ou algo profundamente desagradável, não será sempre inelutável, pode mesmo ser vencido desde que saibamos gerir as adversidades da vida de forma a que estejamos preparados quando as coisas acontecerem. Por isso, devemos ter sempre presente a máxima de que, a razão pensante tudo pode remediar.

 

José Azevedo

 

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10.7.17

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Foto: Hands – Simon Wijers

 

Sim, num minuto tudo acontece e desaparece. É apenas preciso esse momento para que haja surpresas, desilusões, as maiores alegrias e as maiores tristezas.

Num minuto deito-me e adormeço, pois o cansaço de muitos minutos vividos intensamente é grande.

Num minuto acordo, pois o pesadelo trouxe consigo um susto imaginário mas quase palpável de tão real.

Num mesmo instante decidimos fazer algo bom e recebemos uma notícia que nos derruba.

Derruba não! Pois no minuto seguinte explodimos e deitamos tudo cá para fora e o pesadelo diminui, pois já conseguimos começar a racionalizar.

 

Quem disse que as coisas são fáceis, enganou alguém. Quem ouviu que poderia conseguir o mundo pois está nas nossas mãos, não ouviu tudo... Será que ouviu falar dos pesadelos que aparecem e desaparecem num minuto mas que marcam todo o nosso ser? Sim, é assim que crescemos. Mas às vezes preferia ficar criança para sempre.

Num minuto vemos uma criança rir, noutro minuto deixamos de a ouvir e verificamos que está mal, muito mal. Esse pesadelo de um minuto fica a assombrar-nos sempre, sempre...

Num minuto passeamos pelos bosques, com música alta, ou em silêncio apenas a ouvir os passarinhos. Noutro instante tudo desaparece e fica cinzento à nossa volta, incluindo nós próprios e a alma de quem gosta de nós.

Como terminar estes minutos de pesadelos e alegrias? Não se terminam, vivem-se.

 

Sónia Abrantes

 

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7.7.17

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Foto: Girl – Tania Van den Berghen

 

Chegámos cedo para arranjar lugar de estacionamento e lugares sentados. Não fomos os únicos previdentes pois, muito antes da hora marcada, já reinava grande confusão. O portão de ferro, aberto de par em par, dava acesso a uma Alameda de plátanos tão podados e desramados que não se faziam notar, nem tinham qualquer serventia a quem quisesse usufruir da frescura de uma sombra.

O clique das máquinas fotográficas já se fazia ouvir. Junto aos buxos e às azáleas que ainda resistiam e se recusavam a dar a vez aos agapantos, ou a outro arbusto que compusesse uma fotografia, raparigas de vestidos justos a mostrarem corpos balofos e descuidados, punham-se em pose curvilínea, ou muito direitas com uma perna fletida ligeiramente à frente da outra. Mãos na cintura, costas voltadas e cabeça a pender para trás com olhar de felina provocadora, pediam para serem imortalizadas numa fotografia. Trocavam de perna e fletiam a outra. Passavam os dedos nos cabelos contrariando o movimento natural, desgrenhadas e selvagens, estavam prontas para mais um registo e ouvia-se mais um clique.

 

O toque do sino deu início à cerimónia.

Entrámos na igreja e já o padre se dirigia às crianças vestidas de branco com os cabelos a descerem em cachos acentuados com pérolas e laçarotes, carinhas de anjo que ocupavam as primeiras filas com a solenidade que o momento pedia.

Atrás de mim um jovem conversava com o pai – o grau de parentesco é da minha imaginação. Manifestava-se indignado por alguém que eu não ouvi o nome, não estar ali com eles. E ganhava créditos aos olhos do progenitor lembrando-lhe que quase não dormiu porque a festa durou até tarde, mas a ocasião exigia que todos estivessem presentes. Os telemóveis tocavam e as pessoas não se acanhavam de os atender e de darem informações sobre a sua localização dentro da igreja para que, quem ligava, se juntasse a elas.

A cerimónia era longa e os mais pequenos começavam a dar sinais de impaciência, gritavam e pediam colo, ou pediam chão os que estavam ao colo. Havia muito movimento na entrada da igreja. As pessoas saiam e entravam, pediam licença, um jeitinho ou um empurrão disfarçado com um sorriso, mas não paravam. Não sei as razões que as levavam a esse perpétuo movimento, mas podia jurar que entrando e saindo se mostravam. Mostravam modelitos coloridos e floridos, transparências, carnes com pouco tecido e panos a arrastar e a exigir agilidade para não tropeçar nos tacões de agulha. Mostravam tranças apertadas ou lassas, madeixas soltas a dar um ar de liberdade e naturalidade aos cabelos que só assim se mantinham por estarem espargidos de laca. Lá à frente, o padre continuava a esforçar-se para manter os catequizados interessados e incutir nos adultos a responsabilidade de ajudar aquelas crianças a viverem sem perder de vista os preceitos católicos.

Finda a cerimónia, nova sessão de fotografias, agora com os catequizados a quem eram entregues pequenas lembranças para imortalizar um dia assim tão importante.

Era a hora de continuar a celebrar, mas num almoço tão abastado que o futuro nunca apague.

 

O dia findou e eu perguntei-me quantos dos que ali estiveram saberiam o que de verdade aconteceu. O investimento pessoal e a felicidade que os rostos irradiavam davam sentido à cerimónia, o sentido de cada um. E chegou a altura de dizer, para não ficar mal no retrato, que cada um dá o sentido que quer e vive as coisas conforme bem entende. As razões de cada um não são aqui discutíveis e também não serão as minhas que vejo na primeira comunhão a alegria interiorizada da primeira eucaristia e a reunião em e com Cristo Nosso Senhor.

Menos que isto, para mim é vaidade, futilidade, pesadelo.

 

Cidália Carvalho

 

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5.7.17

Girl-AdinaVoicu.jpg

Foto: Girl – Adina Voicu

 

Quando me sinto impotente perante o sofrimento dos outros pareço pequenina. Penso, dou voltas à cabeça, peço ajuda e o sentimento de pequenez continua presente.

É-nos dito, frequentemente, que o sofrimento nos modifica, nos faz ver as coisas que nos acontecem posteriormente com a relatividade que elas merecem. Que me faz sentir impotente, faz; se me proporciona alterações internas, talvez, para o bem e para o mal; se me ajuda a ver as coisas com a relatividade que elas merecem, não sei… talvez só com algumas pessoas.

O sofrimento, no sentido lato do termo, aprisiona-me, seja ele dirigido a mim, como pessoa, seja ele dirigido aos outros e, particularmente, aos que me são mais próximos. Talvez eu já tenha passado por situações em que o sofrimento me revoltou, me fez crescer, me fez ver as coisas com mais relatividade; não sei. Sei que me lembro profundamente de todas as situações que me provocaram sofrimento e não gosto das recordações. As recordações trazem-me sentimento de angústia. Prefiro não lembrar. Mas para algumas situações a lembrança é inevitável. Ver sofrer aquela pessoa que me é muito próxima, cujo amor que se sente é único e diferente de todos os amores que sinto por outras pessoas e, quando não posso fazer nada, porque não está nas minhas mãos ajudar a alivia-lo, é um pesadelo!

Eu arrisco dizer que é assim com todos nós.

 

Ermelinda Macedo

 

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3.7.17

Man-OlichelAdamovich.jpg

Foto: Man – Olichel Adamovich

 

Às vezes a realidade encaminha-nos por travessias planas sem que possamos adivinhar as curvas sinuosas que se seguem. E ele certamente não previu as suas. Por isso, ali estava. Questionando-se sobre as causas e os porquês, os indícios e os “quando”, as consequências e os “como”. E nesse tempo dedicado ao pensamento, cogitou sobre o pouco tempo que tinha, um tempo que não podia ser passado a pensar. Por uma vez, na sua existência precisava de transpor o seu eu para a ação e pôr o seu espírito em movimento.

Vivera encerrado na sua mente turbulenta durante anos, sem nunca deixar de ser controlado pela depreciativa racionalidade que guiava todos os seus passos, sem se expor à natural impulsividade que deveria conferir cor aos seus dias. Assim, libertou-se das amarras e foi em busca dos seus mais íntimos desejos.

Mas já não restava mais nada. Nem ninguém. Todos os caminhos que partiam de si se enchiam de vazio; todos aqueles de quem gostava tinham partido e tudo o que sempre sonhara fazer, já não era possível.

Uma vez mais, ali estava, sozinho. Perdera tudo. As chances, os momentos, os dias, as pessoas, as alegrias, a partilha, a coragem, a loucura, a adrenalina, e sobretudo a felicidade. E não havia mais nada que pudesse fazer.

Quando os grãos de areia se reuniram na parte inferior da ampulheta da vida, olhou para trás e viu todo um caminho de desastres e feridos, um caos completo sem realização alguma. Então, pela primeira vez, agiu efetivamente de impulso, acabando com tudo aquilo…

… Até acordar subitamente.

 

Estava aterrorizado com a ideia de que pudesse fazer algo assim, de que a sua vida se tivesse resumido a um desespero, de que tivesse chegado àquele ponto.

Tinha sido um pesadelo. Um pesadelo real, concreto. Sabia que sim. Mas na ampulheta da sua vida os grãos ainda corriam, e afinal, ainda tinha tempo para agarrar a felicidade.

 

Sara Silva

 

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