Foto: Chess – Alois Grundner
O cenário era perfeito. O sol, brilhante e intenso, não incomodava porque as copas das árvores coavam a dureza da luz e oferecia uma sombra convidativa ao descanso. Ele, sentado num banco, ia bebendo uma espécie de chá gelado e aguardava. Ela baloiçava-se numa rede presa a dois troncos e, não fosse o olhar fixo no tabuleiro colocado entre os dois, dir-se-ia que relaxava. Mas, um olhar mais atento e percebia-se que aquele era o confronto entre dois seres que se queriam derrubar.
“Amar-te-ei até à eternidade!”. Disparou ela sem qualquer emoção na declaração de tão nobre sentimento. E enquanto mexia a rainha pondo-a a salvo de ser comida por um peão - no xadrez até os peões podem comer as rainhas - mirava-o pelo canto do olho. Um esgar no rosto e a espera pelo momento em que ele haveria de baixar a guarda, aproximar-se-ia e faria um gesto para a acariciar, sinal de que a declaração o tinha sensibilizado. Era então chegado o momento de recuar e de o ridicularizar como tantas outras vezes. Dir-lhe-ia que não há eternidade naquilo que se pode ver ou tocar e o amor deles, quando existiu, era palpável, não podia ser eterno. Tomou gosto pelo jogo em que transformaram o relacionamento. Definiram regras que infringiam constantemente; usavam as mesmas armas: provocação, humilhação e desamor. Se um deles se aproximava, o outro tinha que se por em guarda porque se se deixava arrebatar, o mais certo era ser magoado e humilhado.
Ele, como ela, sabia quão leviana era a declaração. Há muito que, falar de amor entre eles era ridicularizar a palavra e o sentimento. Desta vez ela sairia defraudada, não faria o jogo dela. Não foi sempre assim. Entendiam-se, amavam-se e conheciam a felicidade. Hoje continuavam unidos, mas fazia muito tempo que se tinham deixado. Continuavam unidos apenas e somente na infelicidade de já terem sido felizes.
Gostava de lhe comer a rainha. Pensava ele enquanto colocava o bispo na diagonal na esperança de que a soberana se pusesse a jeito. E, na ânsia de lhe desferir o golpe, não reparou que o cavalo, de um salto, se atirou ao bispo e o derrubou. O sorriso mal disfarçado da adversária irritou-o.
Como a odiava! A ela e ao jogo do toca e foge que tão bem sabia jogar!
A saída do bispo desprotegeu o rei branco, o sorriso dela era de triunfo quando gritou: “Xeque ao rei!”. Precipitou-se a comemorar o triunfo porque a torre, ameaçadora, fez “Xeque-mate” ao rei preto.
Foi a vez de ele sorrir e gritar: “Fim de jogo, querida!”.
Cidália Carvalho