Foto: Poker - Jeff Juit
A roleta russa, diz-se que é um jogo. Nesse jogo os participantes colocam apenas uma bala no tambor do revólver e de seguida giram o mesmo, depois apontam para a cabeça e apertam o gatilho da arma. Como está bom de ver, o objetivo do jogo é passar pela adrenalina do risco, mas conseguir ter a sorte de não ser atingido pela bala. Jogar consiste pois em arriscar, neste caso ao limite.
Podemos pensar e decidir que não, que não queremos participar em jogos desses. Que jogos aceitáveis para nós são tipo o Monopólio (que por acaso com os meus primos às vezes acabava com a miudagem a atirar “projéteis” uns aos outros, mas isso é outra história), ou o Scrabble, ou coisa do género. Jogos lúdicos, pacíficos por regra, inócuos. E pronto, estamos assentes no que a esta questão diz respeito. Jogar é conviver, divertir-se, passar um bom bocado.
Mas depois vêm os dicionários e afirmam que o jogo também é um comportamento, uma maneira de atuar; que pode ser troça, escárnio, manha, maneira de enganar. Esconder o jogo é dissimular. Pôr as cartas na mesa é ser honesto.
O jogo afinal pode ser muitas coisas… e algumas tão pérfidas como a roleta russa, e por vezes ainda piores.
No jogo assumimos sempre que quem joga está ali voluntária e conscientemente. Que seja qual for o nível potencial de risco ou de recompensa, trata-se de uma decisão dos intervenientes. Muitas fortunas se perderam ao jogo, muitas famílias se desmembram por causa dele. Mas são riscos e decisões. E afinal, de repente, o jogo já não é assim tão inofensivo, pois não?
E pode ser ainda mais perverso. Há quem nos meta nos seus jogos e o faça sem sequer nos informar ou nos ter em conta, nem que isso faça a nossa vida desmoronar qual castelo de cartas (trocadilho intencional). Há quem, na busca do seu prazer e apenas dele, nos inclua em jogos que recusamos totalmente.
Conduzir um veículo todo estiloso, daqueles para impressionar os amigos, a 200 km à hora, é jogar à roleta russa com todos os seres vivos que se atravessarem no caminho. Nem sequer é só irresponsabilidade, é ter alma de assassino e total desrespeito pela Vida.
Pegar fogo a uma floresta, idealmente numa ilha extremamente povoada e ficar a apreciar o espetáculo, não é só uma doença. É ter uma alma negra, muito negra, da cor das nuvens de fumo e terror que um incêndio causa.
Como ficamos quando somos atingidos por um destes jogos no qual não nos inscrevemos e que repudiamos completamente? Quando morremos, não ficamos. Mas morremos. Quando não morremos, morremos na mesma um bocadinho, ou vamos morrendo.
Por estas e por outras é que me parece que a estes seres humanos deveríamos, sempre que possível, agradecer de um modo que eles entendam e apreciem. Eu dizia-lhes que jogassem à verdadeira roleta russa sozinhos e até fornecia pessoalmente o revólver já preparado e com explicação completa: o tambor está totalmente carregado. Mas pode sempre acontecer que o gatilho encrave. Boa Sorte.
Laura Palmer