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Business-man-ViganHajdari.jpg

Foto: Business-man – Vigan Hajdari

 

São oito e trinta e dirijo-me ao “ponto para picar”. Coloco o indicador direito na máquina e não oiço a voz robótica que diz “access granted” como no outro centro. Não sei porquê mas acho piada a essa forma pomposa de dizer que entrei ao serviço. O centro ainda está calmo, sem clientes e apenas alguns funcionários. O que se segue em pouco falha diariamente. Liga-se o pc e enquanto se espera pelo arranque vai-se buscar um café. Sento-me e começo a empreitada dos e-mails.

Em meia hora o centro ganha outra vida. Oiço o reboliço do andar de cima acompanhado da eventual visão da descida das carrinhas na rampa. No meio desta azáfama de sons consigo identificar perfeitamente alguns. Não são palavras nem frases. Apenas sons. Sons que provêm de pessoas, algumas (muitas) que acompanho há alguns (muitos) anos. Expressam-se assim, transmitindo ao mundo as suas vontades, desejos, sentimentos, dores e tudo o mais. Claro que oiço também as outras pessoas. Aquelas que falam, que se expressam por palavras e frases. Maiores ou mais curtas. Com maior ou menor profundidade comunicacional. Muitas vezes refletem apenas vivências próximas. Outras vezes, talvez em falta de algo interessante e recente, refletem acontecimentos longínquos.

 

As pessoas vão passando à porta do meu gabinete. Dão-me os bons dias, e eu devolvo a cortesia. Primeiro são os funcionários. Os colaboradores que acompanham os clientes nas salas, o pessoal da limpeza, os administrativos. Depois, religiosamente, aparecem os clientes. O termo não é bonito, eu sei. Contudo, na ótica da justificação “quem paga um serviço é cliente”, parece fazer algum sentido.

Alguns passam e apenas cumprimentam. Outros perguntam ainda se está tudo bem. E depois existem aqueles que não passam. Param e entram. São sorrisos, apertos de mão secretos que nunca saem bem (apesar do treino de anos) e histórias. Muitas. Principalmente do que aconteceu em casa nas horas anteriores. Partilham, partilham e partilham. Na verdade, o fundamento de muitas delas carece de relevância. Para nós, pessoas sem deficiência intelectual. Banalidades talvez. Nada mais errado de certeza.

Em todos esses momentos as pessoas estão a dar. Expõem as suas vidas, as suas felicidades e as suas tristezas. Confidenciam coisas que nós, pessoas sem deficiência intelectual, habitualmente não falaríamos. Abrem o seu mundo porque confiam e porque gostam. Não de o fazer, quero dizer. Gostam sim da pessoa que as ouve. E as escuta. Que, consoante a situação, as orienta e as aconselha. Que as ajuda a deslindar uma lógica compreensível à dimensão que lhes é compreensível. E é sempre diferente.

 

E dar de volta é também isso mesmo. Dedicação, respeito e orgulho a quem nos dá. A quem nos trata como significantes. A quem nos inclui sem reservas na sua vida. As minhas responsabilidades enquanto técnico numa função e categoria profissional são bem claras. Estão, inclusivamente, descritas em documentos extensos e aborrecidos. Gosto contudo de pensar que as minhas responsabilidades enquanto pessoa que partilha estes dias passam por esta troca... dar e receber. Apenas para poder dar de volta outra vez.

 

Rui Duarte

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 09:30  Comentar

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