Foto: Girl – Adina Voicu
Nenhum terreno lavrado pela mentira pode ser resgatado. Cada dia a mais nessa demanda corrói a esperança e a alegria, reduzindo-as a cinzas na alma. Não há harmonia no livro guardado na prateleira, outrora um dos nossos favoritos, agora com várias páginas dobradas, reescritas pelo punho de quem nada sentiu. Nenhuma história está verdadeiramente terminada sem integridade, sem paz de espírito. Ainda que dilacere, há nobreza na verdade; só assim é possível curar, sobretudo aquilo que nunca nos pertenceu. Viver na mentira é como viver um luto sem morto para sepultar. Nenhuma cama é confortável, ou embala o sono de cada dia, quando se enfrenta a revolta e a dor. Somam-se noites vazias. Sem sonhos, sem vontades, mas sem pesadelos. Pode até ser suficiente, durante um tempo de perplexidade e torpor, mas não tem uma chancela vitalícia. Só se o permitirmos.
Não é preciso perpetuar o sofrimento, mesmo que este pareça irreversível, mas é preciso escolher sair dele. Ainda que doa. É preciso querer caminhar, para qualquer lado, nem interessa muito bem para onde ou porquê; mas andar em frente, sair dali, daquele terreno movediço onde nada de bom acontece. É preciso deixar ir a incongruência que mina a vida. É preciso virar as costas, sem pensar demasiado e perceber que tudo vai ficar bem. Viver a paz que vem de dentro significa amar cada oportunidade de crescimento e renascer na essência que, afinal, não pode ser destruída por forças externas.
Um dia, o vazio contínuo da noite vai ser preenchido por borboletas coloridas, uma sensação de incrível bem-estar e a certeza de que se está vivo. Nesse dia, o terreno antigo, já não fará falta nenhuma. Agora estéril, repousará nas memórias tristes do passado, que tempo algum poderá apagar, mas não fará parte do presente. Quando os pés nos levarem noutra direção, é possível que ali, mesmo ao lado, esteja outro terreno, preparado para dar e receber vida. Pode até ter estado ali o tempo todo mas que interessa isso, quando se perdeu tempo tão precioso a tentar resgatar o que já tinha escolhido morrer? Não há reciprocidade no egoísmo, não chega amar por dois na ausência da gratidão e da lealdade. Todavia, não foi tempo perdido. Há, com certeza, muito a aprender com tudo isto.
O terreno árido de cada um de nós permanece até conseguirmos fechar o ciclo e para nos lembrar a coragem que nasceu connosco: afinal, fomos capazes de sobreviver a tudo o que já vivemos até hoje. Para trás, deixamos os medos que não escolhemos ter e o luto da alma. Sabemos que estamos no caminho certo quando já não temos vontade de olhar para trás, sobretudo nos momentos de maior vulnerabilidade. Cada dia em frente traz uma profunda gratidão pelas batalhas enfrentadas e vencidas, por cada cicatriz que nos lembra o quão forte é a nossa essência e aquilo que merecemos. E só quando nos permitimos o que merecemos, atraímos o que precisamos.
Alexandra Vaz