9.12.15

SemNome-PeterGriffin.jpg

Foto: Sem Nome – Peter Griffin

 

13 de novembro de 2015, uma sexta-feira. Num restaurante no centro da cidade da Maia, encontro-me rodeado de amigos e família que, em poucos minutos, vão-me cantar os parabéns. A mesa está disposta num T grande e eu encontro-me de costas para a televisão. Do nada, algumas expressões transitam. Da alegria e boa-disposição para algo diferente. Rodo cabeça e ombros, permitindo a visão de algo que não compreendi de imediato. Apenas a legenda em rodapé ajudou. A contagem, nesse momento, iria em menos de 20 mortos.

Entre os convivas, a palavra do dia – parabéns, foi sendo substituída por outras. Filhos da puta, terão sido das primeiras. Lembro-me de pensar que, felizmente, tinha feito anos no dia anterior. A minha data de nascimento não ficou marcada para sempre.

 

Nos dias seguintes muitas outras palavras e frases entraram no léxico diário do meu grupo próximo. Isis, terroristas, Paris, foto de perfil do facebook, vítimas, outros países, refugiados, fronteiras, controlo, execuções, perseguições e… medo.

Levantaram-se vozes apaixonadas e geraram-se conversas quentes, principalmente quando se falava de pessoas e migrações.

Eu, por estes dias, sabia que teria de entregar um texto sobre o medo. Evidentemente decidi que o mesmo teria como fundação o 13 de novembro. Hesitei, confesso, de mais. Hesitei tanto que falhei rotundamente a data de entrega do mesmo. Tive medo. Tive medo das minhas opiniões coladas a imagens de corpos. A histórias que foram surgindo logo nas primeiras horas. Histórias de pessoas. Como eu e tu. Pessoas que foram colhidas numa espiral absurda e desumana, de uma guerra que não é delas.

Conclui que, mesmo passados muitos dias, o texto não seria sobre o malogrado dia. Penso que já escrevi, noutro texto para este blogue, que detesto o politicamente correto. E por aqui me fico sobre o tema.

Contudo, sobre o medo não escrevi.

Por mera sorte (porque a expressão ajuda divina não serve evidentemente para este texto), o problema resolveu-se por si. Finda uma auditoria aos meus serviços, sem medo, diga-se, meti-me no carro e dirigi-me a casa. Antena 3 como ruído de fundo e o anúncio de uma música desconhecida, de uma artista conhecida. “Medo do medo”, da Capicua. Ri-me. Aumentei o volume. Prestei atenção. Peço-vos o mesmo.

 

Ouve o que eu te digo,

Vou-te contar um segredo,

É muito lucrativo que o mundo tenha medo,

Medo da gripe,

São mais uns medicamentos,

Vem outra estirpe reforçar os dividendos,

Medo da crise e do crime como já vimos no filme,

Medo de ti e de mim,

Medo dos tempos,

Medo que seja tarde,

Medo que seja cedo e medo de assustar-me se me apontares o dedo,

Medo de cães e de insetos,

Medo da multidão,

Medo do chão e do teto,

Medo da solidão,

Medo de andar de carro,

Medo do avião,

Medo de ficar gordo, velho e sem um tostão,

Medo do olho da rua e do olhar do patrão e medo de morrer mais cedo do que a prestação,

Medo de não ser homem e de não ser jovem,

Medo dos que morrem e medo do não!

Medo de Deus e medo da polícia,

Medo de não ir para o céu e medo da justiça,

Medo do escuro, do novo e do desconhecido,

Medo do caos e do povo e de ficar perdido,

Sozinho,

Sem guito e bem longe do ninho,

Medo do vinho,

Do grito e medo do vizinho,

Medo do fumo,

Do fogo,

Da água do mar,

Medo do fundo do poço,

Do louco e do ar,

Medo do medo,

Medo do medicamento,

Medo do raio,

Do trovão e do tormento,

Medo pelos meus e medo de acidentes,

Medo de judeus, negros, árabes, chineses,

Medo do “eu bem te disse”,

Medo de dizer tolice,

Medo da verdade, da cidade e do apocalipse,

O medo da bancarrota e o medo do abismo,

O medo de abrir a boca e do terrorismo.

Medo da doença,

Das agulhas e dos hospitais,

Medo de abusar,

De ser chato e de pedir demais,

De não sermos normais,

De sermos poucos,

Medo dos roubos dos outros e de sermos loucos,

Medo da rotina e da responsabilidade,

Medo de ficar para tia e medo da idade,

Com isto compro mais cremes e ponho um alarme,

Com isto passo mais cheques e adormeço tarde,

Se não tomar a pastilha,

Se não ligar à família,

Se não tiver um gorila à porta de vigília,

Compro uma arma,

Agarro a mala,

Fecho o condomínio,

Olho por cima do ombro,

Defendo o meu domínio,

Protejo a propriedade que é privada e invade-me a vontade de por grade à volta da realidade, do país e da cidade,

Do meu corpo e identidade,

Da casa e da sociedade,

Família e cara-metade…

Eu tenho tanto medo…

Nós temos tanto medo…

Eu tenho tanto medo…

 

O medo paga a farmácia,

Aceita a vigilância,

O medo paga à mafia pela segurança,

O medo teme de tudo por isso paga o seguro,

Por isso constrói o muro e mantém a distância!

Eles têm medo de que não tenhamos medo.

 

Medo do Medo, Capicua; 2012

 

Rui Duarte

 

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