23.10.15

WomanAndBicycle-GeorgeHodan.jpg

Foto: Woman And Bicycle – George Hodan

 

Durante anos repeti para mim própria que, se tivesse dinheiro, compraria tempo, nas suas mais distintas formas, para poder usufruir da família, dos amigos, para cuidar de mim, compraria tempo só para estar.

Mas a epifania aconteceu, finalmente, e percebi que afinal não depende apenas do dinheiro, já que não precisamos de comprar uma coisa que temos, no preciso momento, só que, de tão denso e ocupado, não nos damos sequer conta disso. O tempo, essa preciosidade que já temos, foge-nos a um ritmo frenético.

 

É preciso “destralhar” o tempo. Sim, exatamente, “destralhar” o tempo. E isto pode ser feito de diversas formas, desde o simples pormenor de trocar o sítio dos pratos para os colocar junto da máquina de lavar loiça, para que arrumar a loiça demore menos tempo, até à organização geral e pormenorizada da casa, para não perder tempo à procura… de uma caneta. Arrumar o exterior para alcançarmos o interior. É necessário fazermos uma apreciação detalhada daquilo que realmente precisamos. Será que precisamos de dois cortadores de pizza, de 6 pares de calças pretas, dos naperons que nem sequer usamos, mas que foi a Avó que deu?

Dito assim, parece confuso. O que tem a ver uma casa organizada com o tempo? Tudo. Aliás, creio que é até uma excelente metáfora para a organização da nossa mente. Recentemente aprendi que “destralhar” uma casa é, sobretudo, um processo emocional. Não é a qualquer altura que simplesmente decidimos desfazer-nos dos “monos”, porque encerram em si memórias e emoções, boas e más. Cada objeto contém uma memória, uma época. Por isso é que organizar uma casa é um processo tão complicado e tão emocional; é necessário avaliar se cada objeto é necessário ou se nos faz feliz. São essas as duas regras básicas para “destralhar” uma casa – e só a partir daí é que se pode decidir se vai para o lixo ou se fica.

 

Paralelamente, não é a qualquer altura que conseguimos aliviar a nossa mente das mágoas do passado, das saudades de momentos e de pessoas, da ansiedade do que ainda não aconteceu, dos medos e dos apegos – os tais apegos que, segundo os budistas, não nos deixam seguir o verdadeiro caminho da felicidade. E todas estas emoções também nos consomem tempo. Tempo que poderíamos capitalizar para nós.

Seria fácil descartarmos as nossas emoções, mágoas e angústias, mas infelizmente não trazemos um interrutor na nuca para o colocarmos em off sempre que a tristeza teima em aparecer e as mágoas teimam em queimar-nos o peito. Mas se conseguirmos chegar àquele ponto em que o nosso exterior e o nosso interior estão com as prateleiras devidamente arrumadas e etiquetadas, com tudo no sítio certo, onde com apenas o olhar encontramos o que procuramos, porque as tralhas foram à vida, perderemos então menos tempo, quer nas tarefas domésticas, quer a dar vida nos monstros azuis que nos povoam o pensamento e nos devoram a alma.

 

“Destralhar” o tempo consiste, sobretudo, num esforço incrível para deixarmos de perder tempo a pensar no tempo perdido e seguir em frente, em não perder tempo a pensar no que poderia ter sido e afinal não foi, consiste em perder o hábito de começarmos os nossos raciocínios ruminantes por “se…”, porque o presente vive-se com vista no futuro.

 

Difícil, muuuuuuito difícil, não? Para chegar a esse ponto – a esse nirvana - só focando nos ganhos: PAZ, mais disponibilidade para nós e para os nossos, mais tempo para estar… só para estar…

Eu acredito nisto, e um dia vou lá chegar. Por enquanto ainda tenho metade da casa por desocupar e não vou parar até fazer plenamente parte desta minha vida que se desenrola à minha frente e até conseguir estar comigo. Só estar…

 

Ana Martins

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 08:00  Comentar

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