Temo que daqui a cem anos ainda grassem entre nós as questões da rejeição, da diferenciação e da discriminação. São transversais e universais, pelo menos enquanto existir ganância e medo. Sim, porque o racismo, a xenofobia, a homofobia e fobias afins, assentam apenas e só nestes dois pilares: a ganância volta-nos para a atração do que é nosso e o medo para o afastamento do que não é.
Não se nasce nem com a cor errada nem tampouco no lugar errado. Quando muito fica-se rodeado pelas pessoas erradas, aquelas para quem a ganância e o medo tolhem a vista.
Ser-se racista é afirmar à boca-cheia que se teme o desconhecido. E antes que o desconhecido faça qualquer coisa - que há de ser necessariamente perigoso ou estúpido - há que se estar devidamente preparado para encaixar esse perigo ou estupidez num qualquer preconceito.
O pior é que andamos há séculos nisto, talvez desde o nascimento do capitalismo e da propriedade privada. Ou até antes disso. Volta e meia a história encontra formas de agudizar os medos, ora porque se escravizam negros, ora porque se matam brancos, ora porque os chineses, ora porque os muçulmanos… Mas no fundo há sempre (e sempre haverá) gente com medo, muita gente com medo.
Há medos compreensíveis, aliás, o medo é-nos para nos proteger, no entanto, não de cenas parvas. O desconhecido no caso do racismo não se aplica, é um mundo moderno e cosmopolita. A cor também não, porque é cor. Quando muito a cultura, mas nem essa vale porque a cultura só por si não é nenhuma ameaça, é apenas uma determinada forma de estar.
O racista faz-se do escuteiro foleiro que há em certas pessoas, naquelas que querem estar sempre preparadas para tudo. Como se, em face do desconhecido, lhes surgisse no ecrã a mensagem “Error #404 - file not found ”. O racismo enquadra-se num sistema de crenças, no mesmo sistema de crenças que leva a massacres e a genocídios. A base é toda a mesma: por ganância e medo é-se capaz das maiores atrocidades.
Há uma respeitável relação entre plasticidade de pensamento e tolerância, entre flexibilidade e integração das diferenças. Assim, e porque estas são caraterísticas internas ao Homem (pelo menos enquanto vivermos em comunidade), é bem provável que daqui a cem anos ainda estejamos como hoje, neste ponto de evolução. A não ser que consigamos conduzir este mundo para lugares onde a diferença passe a fazer parte da definição de existência.
Joel Cunha