29.12.14

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Sempre me senti menos em tudo o que deveria ser mais: menos bonita, menos inteligente, menos perspicaz, menos proativa, menos corajosa, e da estética é melhor nem falar! No todo, menos mulher. Até que um dia entrou alguém na minha vida que simplesmente me amou tal como sou, com todas as minhas fraquezas, meninices e paranóias. Embora questionasse até à exaustão o porquê daquele imenso amor – porque não percebia o que era tão especial em mim – tudo fluiu mais facilmente, era amada! O Céu estava sempre azul, o sol beijava-me a face nas piores manhãs de tempestade, e o amor acontecia a cada sorriso e multiplicava-se a cada dia.

Todavia, reconheço hoje, esse foi também o meu maior erro: amar-me através do amor do outro, nutrir-me através de um amor que vinha do exterior e nunca ter semeado um amor de mim para mim, nunca, em tempo algum ter percebido que amar-me seria fundamental para me fortalecer, para me olhar sem medos ou complexos… Porque um dia, numa ironicamente bela manhã de primavera, esse imenso amor deixou-me sozinha. Literalmente sozinha. E eu morri para mim.

Nessa altura, o mundo foi generoso comigo, amparou-me, personificando-se no colo da família, e no ombro dos amigos. Ajudou-me a erguer desse atroz atropelamento com que a vida generosamente me brindou… o mundo, o meu mundo, puxou-me para a vida que eu tanto desprezava. Aliás, verdade seja dita, eu nunca confiei em quem dizia ter o mundo contra si, em quem não se dava com amigos e familiares em grande escala, até porque se deve ouvir sempre as duas versões da história… e no meu caso em concreto, o mundo esteve lá para mim e nunca contra mim.

No entanto, o consolo do mundo foi apenas uma pedrada no charco da minha angústia, da minha desorientação, até porque acabou por emergir tudo de novo: o ser menos. Desta feita, numa escala potenciada. De tal forma me senti inexistente, que em algumas situações me anulei completamente, como se estivesse submersa, unicamente com o pescoço bem esticado fora da água para respirar. Para quê mais do que respirar? Mais do que socializar com os amigos e cumprir a minhas obrigações básicas? O amor já lá não estava. E desta vez senti até que era o próprio mundo que me ostracizava e me fazia sentir triste e deprimida. O amor nunca mais lá estaria, portanto… Até ao dia em que eu percebi que nunca lá estaria enquanto eu não me nutrisse do amor-próprio que nunca senti. E foi então que decidi fazer alguma coisa quanto a isso.

Este ano, que termina, foi fundamental para perceber uma série de coisas, principalmente que antes de tudo, tenho que me conhecer a mim própria, saber o que sinto, o que quero, o que não quero, afastar-me do que me faz mal e acolher o que me faz bem - basicamente fortalecer-me para ter o discernimento para saber separar o universo bom do universo mau… Sobretudo, aprendi que enquanto não me aceitar, enquanto não me gostar da forma que sou, nunca estarei preparada para acolher o amor de outrem, ou de uma forma mais alargada, o amor do (meu) mundo. Não foi fácil chegar a essa conclusão, foi necessária ajuda externa para perceber os motivos deste meu “não gostar-me”. E foi doloroso ter que fazer uma incursão pelas raízes mais recônditas da minha vida - era tudo o que eu menos queria. Mas no final, foi absolutamente necessário, não que eu vá conseguir resolver todas as minhas questões, mas estar consciente delas, já funciona como catarse. E aprender com elas é absolutamente fundamental. Assim saberei ser e fazer diferente.

É fácil? Claro que não! E estou apavorada, porque ainda não vejo o que tão de especial terei para sentir amor por mim própria, continuo a ver-me com alguma ironia e desamor. Mas ajuda quando se vislumbra o caminho, falta agora a perseverança do primeiro passo para o trilhar. Será esse o objetivo do ano que se aproxima: amar-me para saborear e acolher o amor que o mundo ainda reserva para mim.

 

Ana Martins

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 07:00  Comentar

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