15.12.14

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Assumo que vivo, atualmente, num estado de Misantropia. Aquela sensação que existe um imenso Mundo lá fora que me quer engolir. E tanto, tanto se pode escrever sobre isso: a invasão do consumo natalício, a competição desleal no mercado de trabalho, o ritmo alucinante do dia-a-dia para estar duas horas com os nossos filhos, as selfies da tristeza ou frustração camufladas em euforia de festas e alegrias momentâneas, a Humanidade de costas voltadas para a Humanidade. Tantas, tantas desilusões que o Ser Humano nos prega que… Enfim, desligar o interruptor da Vida devia ser permitido de quando em vez.

Na realidade sei que sou uma privilegiada em praticamente tudo onde me envolvo e em todos os papéis que represento. Mas o cansaço é tanto e tal que a lembrança de que todos nascemos e morremos sozinhos é um pensamento permanente. Quero sair disto, viver num nenúfar num lago silencioso onde só o ruído das rãs se possa ouvir. Ou acalmar a alma numa colina de traço alentejano, ou num prado minhoto. Não vale telemóveis, computadores e companhia: o Ser Humano precisa de regressar à raiz mais pura do seu ser.

Quantos de nós não refletimos naquilo para o que aqui viemos? Quantos de nós não nos sentimos absolutamente corrompidos por um nó do quotidiano, um emaranhado de rotinas que distorcem a nossa essência, o nosso “Eu”? Quantos de nós gostaríamos de encontrar (na meditação, por exemplo), a verdadeira alma que trazemos do nosso nascimento?

Quantos de vós estamos a fazer aquilo que sonhávamos quando eramos meninos?

A Vida é uma viagem que, como diria Mahatma Gandhi: “Não há caminho para a Felicidade; a Felicidade é o Caminho”. Sim, eu sei… Por esse prisma, aquilo que sonhamos em criança pode mudar, podemos entender que, afinal, aquilo que nos torna felizes será outra profissão, outro casamento, outra cor de cabelo que não o loiro da Grace Kelly. Mas há sempre algo, alguma semente, aquela que tem a centelha da Vida, que trazemos sempre connosco e que, tantas, tantas mas tantas vezes, é escondida, é totalmente tapada pela sombra de um Mundo inteiro. De um Mundo sombrio – ou que nos torna sombrios. Somos engenheiros quando queríamos ser pianistas, economistas quando queríamos ser jardineiros, pais quando queríamos ser padres. A história repete-se em cada um de nós. Se a felicidade é adaptada (porque é, não há dúvida), há, contudo, a centelha da Vida sempre pronta para nos lembrar que, por mais esquecida, não está morta.

E é nesse picanço da semente, nesse preciso instante que, se estivermos frente a um espelho, não gostamos de tudo aquilo em que nos tornamos. Amamos a nossa casa, os nossos entes, os nossos filhos, os nossos cães. Gostamos do que fazemos de vida profissional, da árvore de Natal que está montada na sala que amamos, dos amigos que tiram as nossas fotos e que nos abraçam nos bons e nos maus momentos. Mas, em frente ao espelho, se não amarmos o que está à nossa frente… Que realidade cai à frente dos nossos olhos!

Quando engravidei, disseram-me “Vai ser a tua maior responsabilidade. Porque vais criar um indivíduo para o Mundo.” . Tão, mas tão verdade… Faço-o todos os dias, da melhor forma que sei e, claro, de acordo com os princípios em que acredito. E o maior é – e será sempre – o da Liberdade. Trabalho para ser Livre. Trabalho para ele ser Livre. Luto diariamente por um Mundo de Liberdade para o meu filho ser aquilo que ele quiser, para a sua centelha não morrer num sonho de desejos qualquer, de uma criança que não foi aquilo que ela quis ser.

Mas é difícil… É tão difícil ser Livre. É tão difícil sermos nós próprios - quando deveria ser o exercício mais simples com que nos deparamos até à Morte. Sermos “Eu” devia ser tão obrigatório como o recenseamento eleitoral, como conduzir só a partir dos 18 anos, como a escolaridade obrigatória. Já pensaram bem? Estas são obrigatoriedades para o Mundo, não para o “Eu”. O “Eu” tem de ser amado, estimado, tratado para ser quem é. Sem medo do egocentrismo, da vaidade, da individualidade.

Qual é o mal da palavra Individualidade? Só sou solidária se for individual! Só sou para os outros se for feliz para mim. E reação gera reação: a plenitude da água do lago do nenúfar onde gostava de morar deve ser tão ou mais tranquila que o civismo a que o Mundo me obriga. Tudo deveria ser equilibrado para o equilíbrio se dar em nós. E a minha paz só depende de mim e daquilo que quero. De absolutamente mais nada ou de mais ninguém. Merecemos aquilo que damos – para o bem e para o mal. Portanto… Alimentar a Criança Interior é tão fundamental (e obrigatório) como rezar por outros, pela Humanidade e pelo nosso futuro. Acreditar na centelha, fazer dela a nossa Missão é assumir que, primeiro, só a nós a Vida nos deve, e só assim devemos ao Mundo. Porque o Mundo… vá, convenhamos, o Mundo somos nós que fazemos. O Mundo também tem a sua centelha elementar. E é bonita, tão bonita! É importante darmos aquilo que Ele pede de nós: a nossa mais profunda essência. Se calhar assim, talvez, tornemos as rotinas, as confusões, as competições, as batalhas, num assessório para a nossa Caminhada da Felicidade – para ajudar a chegar ao Divino, que é, no fundo, o nosso destino mais procurado.

 

Sofia Cruz

 

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