No último ano letivo, a associação de pais da escola dos meus filhos, decidiu avançar com um projeto para o qual eu me ofereci como voluntaria e à custa disso sofri verdadeiros traumas que deixaram mazelas nas minhas delicadas ilusões sobre como as crianças são as melhores representantes da educação do futuro. O projeto consistia em passar algumas horas no refeitório da escola, a sensibilizar e “educar” os alunos.
No primeiro dia apresentei-me cheia de entusiasmo e vontade, tinham-me avisado sobre o barulho (pensei que não podia ser nada de tão terrível, nem nada de tão complicado, arrogância de quem se esquece que o aviso veio de quem sabe) - nos primeiros minutos pensei que tinha sido atingida por uma granada, fiquei imediatamente surda e, por momentos, creio mesmo que cheguei a deixar de ver.
Após a adaptação tentei começar a fazer o meu trabalho e sensibilizar os alunos à necessidade, por exemplo, de lavar as mãos antes das refeições. Por momentos pensei que estaria a falar mandarim e que seria uma extraterrestre. Olharam-me de tal forma que imediatamente comecei a procura do terceiro braço que parecia ter-me nascido espontaneamente.
Desde uma passagem de um segundo por baixo da água, a um acenar tangente sobre a minha cara de mãos molhadas e “badalhocas”, pois vos digo, eu assisti a tudo! A confusão das pequenas e joviais criancinhas, de que o cesto dos papéis era todo o chão envolvente aos lavatórios, a dizerem-me, inocentemente, que já tinham lavados as mãos de manhã antes de vir para aulas, ou até mesmo, coitadinhas, que não precisavam mesmo daquilo que eu estava a solicitar, tudo isto com uma “carinha” laroca e um sorriso que em nada indicava de estarem a chamar-me de louca ou de chata. Como disse, vi e ouvi de tudo mas com traços muito, mas mesmo muito, ligeiros daquilo que eu pensei ser educação. Isto já para não falar nos gestos graciosos que faziam com os dedos e braços mal eu me virava de costas.
Com todo o carinho olhava para aqueles pequenos seres tão absorventes do meio ambiente, aqueles que vão perpetuar a nossa espécie, carregando já consigo o essencial da educação, sem uma única vez sentir uma vontade secreta de dar um ternurento e pequenininho corretivo.
Apanhei um verdadeiro susto, mas não foi de todo por causa da linda menina que, após ter interagido com ela, deu um passo atrás, olhou-me de cima a baixo com todo o respeito e, em seguida, com umas frases que nem entendi muito bem devido à sua delicadeza, parecia que me oferecia festinhas e carinhos.
Após ter assistido a uma mãe, voluntária como eu, a ser insultada, via telemóvel, por uma outra mãe de uma criatura que não aceitou de todo o conselho e decidiu telefonar à sua mamã para que esta ajustasse contas assim mesmo, pensei: neste momento, trabalhar de perto com adolescentes e pré-adolescentes deve ser uma profissão de risco. Mas o pior é que ainda hoje, passado largos meses, continuo com medo, não dos meninos e das meninas, mas da educação que eu vi ali espelhada naquelas poucas horas junto de tão lindas criaturas.
Susana Cabral