É OFICIAL: os adolescentes portugueses são utilizadores cada vez mais assíduos do Facebook. Consultam a página várias vezes por dia, partilham textos e fotografias – quer a partir do PC, quer a partir do telemóvel ou de outros gadgets – e são particularmente sensíveis às reações dos amigos. Mais: em muitos casos, há praticamente uma dependência dessas reações. A cada post surgem níveis de ansiedade mais ou menos elevados, relacionados com a necessidade de obter feedback do grupo de pares, tal como acontece noutras formas de dependência. Os “gostos” e os comentários positivos acarretam picos de bem-estar que são naturalmente muito transitórios (ainda que viciantes) e a ausência de reações e os comentários negativos implicam um vazio muito semelhante ao que os aditos sentem na ausência do seu vício. Pontualmente há até situações de aparente desespero.
Na medida em que esta é a rede social mais utilizada em Portugal, o Facebook pode servir – e serve, infelizmente – como plataforma para a disseminação de boatos e/ou para algumas formas de bullying. Como a adolescência é a fase do ciclo de vida em que aquilo que os outros pensam ou dizem de nós tem maior peso, qualquer rumor ou falsa acusação se transforma rapidamente num “facto” difícil de desmentir. Nessas alturas é provável que o adolescente atingido se sinta profundamente desesperado e procure fazer o que estiver ao seu alcance para repor a verdade – ainda que isso implique duplicar ou triplicar o tempo em frente ao ecrã e haja perdas em termos da concentração que os afazeres académicos exigem.
Para a generalidade dos pais os problemas
prendem-se maioritariamente com o
TEMPO QUE O FACEBOOK ROUBA ÀS RESPONSABILIDADES ESTUDANTIS.
E como a maioria das famílias portuguesas é composta por casais de dupla carreira que dificilmente têm tempo para acompanhar os filhos tanto quanto gostariam, a monitorização resume-se muitas vezes à avaliação escolar. Por outras palavras, ainda que haja algum desacordo em relação ao tempo gasto no Facebook, se as notas se mantiverem estáveis, a tolerância é normalmente grande. Pelo contrário, se as notas baixarem o Facebook surge como oportunidade de castigo - “Olha que te tiro o computador!”…
Tal como tenho referido aqui algumas vezes, as crianças e os adolescentes aprendem e mudam maioritariamente incentivados por esquemas de recompensas, mais do que com ameaças de castigos, e é fundamental que cresçam capazes de valorizar os benefícios que tantas vezes são dados como adquiridos. Se a utilização do Facebook é um bem adquirido, que sentido fará ameaçar o seu filho com a retirada do computador? Pelo contrário, parece muito mais razoável a ideia de cada benefício constituir uma conquista. Isto é, compete aos adultos (interiorizarem e) transmitirem a mensagem de que este benefício (tal como outros) só existe(m) na condição de as responsabilidades serem cumpridas. Aí sim, fará sentido retirar o benefício em caso de incumprimento. Parece complicado mas não é. Afinal, a maior parte dos pais só acede ao seu ordenado (benefício) na medida em que trabalhar para isso (responsabilidade) e a regra pode e deve vigorar também em termos familiares.
Independente disso, não será razoável esperar que um adolescente seja sempre capaz de dosear a atenção que é dada ao Facebook. A verdade é que até para nós, adultos, é muitas vezes mais fácil cair na tentação de ir espreitando os respetivos murais e, sem darmos conta, prejudicarmos os nossos deveres profissionais.
Quantas vezes deu por si a pensar
“É só mais esta vez. Vou ver se tenho alguma notificação e fecho logo a janela.”?
E, entretanto, passa uma hora até que volte ao que estava a fazer…
A maior parte dos adolescentes já passou pelo mesmo. Perante a necessidade de elaborar um trabalho para a escola, abre o Word, atribui um título ao documento, escolhe o tipo de letra e… faz uma pausa para “espreitar” o seu mural. Uma hora depois volta ao documento de Word e escreve qualquer coisa. Mas bastar-lhe-á a necessidade de pesquisar alguma informação na Wikipedia ou noutra página qualquer para voltar a sentir o apelo do Facebook. Além das dificuldades óbvias de concentração, pode ser difícil retomar o trabalho académico se houver algum retorno negativo. Nenhum adolescente será capaz de continuar a estudar ou a concretizar um trabalho se estiver preocupado com o que está a ser dito sobre si na rede social do momento.
A estas dificuldades acrescem outras, relacionadas com a DICOTOMIA PRIVACIDADE/ EXPOSIÇÃO.
Se é verdade que muitos adultos fazem escolhas conscientes que traduzem as suas próprias convicções em relação ao que deve ser partilhado online e ao que deve manter-se privado, também é um facto que a maior parte dos adolescentes não tem ferramentas que permitam que o discernimento se sobreponha ao impulso. Nesse sentido, existem demasiados exemplos dos riscos, desnecessários, que decorrem de algumas escolhas.
Por exemplo, a maior parte dos pais desconhece
as definições de privacidade associadas à utilização
que os filhos fazem do Facebook.
Alguns têm a preocupação de, aquando da criação da conta no Facebook, reivindicar que aquilo que é publicado no mural dos filhos seja partilhado apenas com os amigos. Ora, isso é nivelar por baixo, na medida em que, por exemplo, somos confrontados diariamente com a possibilidade de os nossos adolescentes aceitarem amigos que, na realidade, não conhecem (e que podem não ser propriamente adolescentes como se apresentam). Além disso, o próprio Facebook está constantemente a mudar e com ele mudam as definições de privacidade. Infelizmente, é muito fácil para um adulto mal-intencionado aceder a informações tão específicas quanto o nome da escola ou a turma em que um adolescente estuda, os seus hábitos, as suas rotinas, os seus interesses ou os lugares por que habitualmente circula.
Quantos pais conseguem explicar aos seus filhos como podem alterar as definições de privacidade de modo a impedir que as fotografias em que estes são identificados por amigos (e não apenas aquelas que os próprios publicam no respetivo mural) sejam vistas por desconhecidos?
Quantos pais criaram já regras claras a respeito daquilo que esperam que seja uma utilização responsável do Facebook (por parte dos adolescentes)?
As respostas ajustadas aos desafios identificados até aqui não passam por tentar impedir que os adolescentes utilizem o Facebook. Esta é uma plataforma que faz parte dos dias de hoje e somos nós, adultos, que temos de nos ajustar aos desafios que a modernidade oferece. Não sendo fácil (para ninguém) travar a força associada a tantos estímulos e solicitações, a resposta começa, evidentemente, pela modelagem. “Faz o que eu digo e não o que o que eu faço” pura e simplesmente não funciona, pelo que O EXEMPLO TEM DE PARTIR DOS PAIS. Se um adulto procrastina diariamente à conta da utilização do Facebook ou de outro “vício” qualquer, os riscos são maiores. Depois é preciso que cada pai ou mãe dê o seu melhor no sentido de se inteirar dos recursos que a própria rede social oferece. Isso também passa por mantermo-nos atualizados acerca das regras e das definições do Facebook. E há ainda a necessidade de criar regras que devem ser ajustadas a cada família e que devem ser muito claras. Aos pais não compete serem polícias capazes de controlar cada passo que os filhos dão online. Mas compete serem suficientemente responsáveis para incutir liberdade com responsabilidade – e isso pode implicar, por exemplo, que os pais sejam amigos dos filhos na rede social (sim, os filhos odeiam!), ou que fique claro que, de vez em quando, os pais vão pedir aos filhos para mostrarem os seus murais, ou que os pais conheçam a password dos filhos e que estes saibam que pontualmente os pais farão login em nome dos filhos para fazer a tal monitorização (isso não os autoriza a bisbilhotar sorrateiramente). Na prática, estamos a falar de confiança com supervisão.
Há uns tempos uma mãe mostrava-se preocupada porque entrara no Facebook do filho (sem que este soubesse) e viu uma fotografia publicada por um amigo em que o filho (de 12 anos) aparecia ao lado de um colega com uma cerveja na mão. Alarmada, não sabia como confrontar o filho com esta informação, já que, ainda que a sua preocupação fosse legítima, acedera à tal fotografia de forma ilícita.
A adolescência é a fase em que os filhos lutam arduamente pela definição clara da sua individualidade e isso implica que queiram muitas vezes distanciar-se das convicções e dos hábitos dos pais. Mas há demasiados riscos associados à inexistência de regras claras a propósito daquilo que os pais esperam que sejam comportamentos responsáveis dos filhos. Se as regras forem do conhecimento de todos, se estiver claro o que é que os pais vão fazer para monitorizar esses comportamentos, ninguém se sentirá invadido ou amedrontado e a probabilidade de existirem conflitos sérios diminui.
Apesar de ser crucial que cada família elabore as suas próprias regras, deixo algumas sugestões:
SEJA PROATIVO. Mesmo que as novas tecnologias não o atraiam, é fundamental que dê o seu melhor para conhecer o Facebook e estar a par dos desafios que os seus filhos enfrentam diariamente.
NÃO DÊ LIÇÕES DE MORAL NO FACEBOOK. Deve ser capaz de definir de forma clara aquilo que espera do seu filho mas isso não legitima que as suas chamadas de atenção cheguem ao Facebook. Se o adolescente falhar no que diz respeito aos trabalhos de casa, estudar para os testes ou outra responsabilidade qualquer, a questão deve ser resolvida offline.
DÊ ESPAÇO. O seu filho está na fase da autonomização. Não o “humilhe” publicamente partilhando fotografias dele em bebé nem esteja permanentemente a comentar os seus posts. Os adolescentes não vão ao Facebook para interagir com os pais.
CRIE UMA HORA DE SAÍDA DO FACEBOOK. Os adolescentes precisam de limites muito claros. Sendo cada vez maior o número de menores com acesso permanente ao Facebook através do telemóvel, é crucial que haja um plafond para o acesso às redes sociais (e o plafond deve incluir o tempo passado em frente ao PC, bem como o tempo gasto através da utilização do telemóvel). Além disso, explique em que alturas não é aceitável que o seu filho esteja ligado ao Facebook (nas aulas, por exemplo).
ACEDA, DE VEZ EM QUANDO, AO MURAL DO SEU FILHO. Lembra-se daqueles professores que, no início do ano letivo, avisavam que, de vez em quando, fariam testes surpresa? A ideia é mais ou menos essa. Periodicamente será importante verificar a que páginas é que o seu filho tem feito “Gosto”, com quem tem interagido, o que é que tem apagado… Sempre que for possível, faça-o à frente dele.
VOCÊ É QUE MANDA. Deve estar claro que o seu discernimento é uma mais-valia, pelo que pode acontecer que aquilo que o seu filho identifica como inócuo implique, aos seus olhos, alguns riscos. Não imponha a sua vontade de forma ditatorial – explique, de forma clara, por que considera que é preferível bloquear determinado amigo ou aplicação.
CONVERSE SOBRE O FACEBOOK… FORA DO FACEBOOK. Procure conhecer as preocupações e aquilo que entusiasma o seu filho no Facebook. Não espere muito – os adolescentes não contam quase nada aos pais – mas crie condições para que o seu filho saiba que pode contar consigo. Isso é fundamental para que ele não entre em pânico se alguma coisa correr mal.
Cláudia Morais
www.apsicologa.com