De uma forma anormal e sem que o despertador tivesse sequer a possibilidade de dar os bons dias, vejo a minha filha a levantar-se rapidamente e vestir a roupa que cuidadosamente escolheu na noite anterior. Pena que esta, e para a sua infelicidade, já não lhe sirva há muitos verões. Hoje é o seu dia, o Dia Mundial da Criança, e tinha de estar a preceito. Foi com alguma dificuldade que a vi a reescolher e remexer as gavetas à procura daquele conjunto, ou daquele vestido que estivesse à altura do dia.
No caminho para a escola, o rádio anuncia, pela milésima vez, que hoje é o grande e esperado dia. Solta semelhante grito que quase me faz bater no carro da frente, simplesmente para anunciar, também pela milésima vez: “Vês mamã, hoje é o Dia Mundial da Criança… e sabes o que isso significa?!!!” Referia-se obviamente à prenda que terei de lhe dar por ela ser criança. Uma boneca para ela e um carrinho para ele!!! E pronto, ficará assim celebrado o dia.
Mas será que fica mesmo? Pelo menos, para as minhas crianças fica; são sem dúvida, no meu ponto de vista, umas felizardas na sociedade e no mundo actual.
O Dia Mundial da Criança… parece irónico ter de haver um dia em que o Mundo inteiro celebra e se recorda das crianças, dos seus direitos… os direitos que nunca, mas nunca, deveriam ter de ser relembrados.
Festejamos um dia em que enchemos as crianças de atenções, de guloseimas e por um dia (talvez) deixamos a nossas crianças ser aquilo que elas de facto são: crianças travessas e barulhentas. Por um dia não lhes é incutido o ritmo desenfreado que cada vez mais lhes exigimos: o de ter de ir para a escola, para as aulas de inglês, ter de complementar a informática, frequentar a natação dia sim, dia não... e esquecer, por mais um dia, a brincadeira.
Queremos que as nossas crianças sejam as melhores e as mais bem preparadas para enfrentarem as adversidades da vida. E o nosso querer sobrepõe-se às suas inocentes vontades. Fechamos as nossas crianças em redomas “esterilizadas”, em teorias psicológicas e supervisionamos tudo com muito cuidado. Pena que acabemos por esquecer o fundamental: deixar as crianças serem crianças, sujarem-se, caírem, enfurecerem-nos por deixar a casa cheia de bolinhas reprodutoras, por gostarem e quererem berrar por tudo e por nada.
Se queremos celebrar o Dia Mundial da Criança, devemo-lo fazer diariamente, tendo sempre em atenção o que é uma criança e nunca esquecer do que elas realmente precisam.
Susana Cabral
Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 20:53  Comentar