Sozinhos…
A vida é isto! Nascemos e morremos sós. Nos entretantos tentamos fazer-nos acompanhados. Primeiro por dependência de alguém que nos mantenha vivos. Depois por dependência de alguém que nos mantenha… acompanhados. Procuramos incessantemente a companhia de alguém, como se não fosse natural estarmos sós. Como se a companhia de nós mesmos não fosse suficiente companhia ou a mais desejada das companhias. Fugimos à solidão desde sempre, desde que descobrimos que combatemos melhor os medos quando inseridos num grupo. O gregarismo é um instrumento da segurança e do conforto… Que tem o seu preço.
Encarcerados…
Levamos tão a sério a necessidade de nos fazermos inseridos num grupo que até nos impedimos de existir na ausência de um número que nos identifique. A par deste registo vêm todas as imperiosas formatações a que todos nós, bons cidadãos, "voluntariamente" nos sujeitamos. Compreendemos desde sempre que, por exemplo, somos livres de fazer escolhas, desde que essas escolhas fiquem devidamente confinadas ao conjunto das carinhosamente chamadas escolhas aceitáveis. Compreendemos que, fruto de uma dessas escolhas aceitáveis, vivemos segundo as regras de um mercado que não estabelece tetos mínimos nem máximos para a acumulação de riqueza, o que leva à pacífica convivência entre aqueles que tudo têm e aqueles que se contentam com as sobras desse tudo. Pertencer ao grupo implica estar encarcerado nesse grupo, porque a liberdade de pertença antagoniza-se com a liberdade individual. Doutra forma a convivência entre aqueles que tudo têm e aqueles que se contentam com as sobras desse tudo não seria tão pacífica.
e Livres…
A liberdade é um desejo. Não mais do que isso. É um conceito teórico que resulta da vontade de nos demarcarmos dos demais, dos mesmos que nos dão segurança e conforto. É, nas palavras de Spinoza, um ato de identificação com a nossa essência pessoal, com a nossa natureza. É em liberdade, continua Spinoza, que nos exprimimos na totalidade. Situação impossível de alcançar enquanto mantivermos válida a contingência de privilegiarmos a segurança e o conforto que o grupo nos proporciona. Atendendo ao facto do ser humano se definir apenas e só enquanto inserido numa sociedade, sendo que a liberdade individual colide com a liberdade coletiva e esta prevalece sobre a primeira, podemos encará-la como a estrela polar do nosso caminho: não se alcança na sua verdadeira definição mas decide terminantemente a rota a tomarmos na senda da afirmação pessoal e, no limite, na procura da nossa verdadeira identidade. A liberdade é um exercício de solidão. A solidão é um caminho de liberdade. Por vezes damos uma volta tão longa para encontrar o que, afinal, nunca saiu de nós.
Joel Cunha