A Arrogância corrompe quem vem por Bem. A tal Vaidade e Petulância vêm todas da mesma Origem. De uma nascente que verte lama disfarçada, mas que se penetra em todos os cantos deste Mundo, desde o amor à Arte, Religião, Política, até à própria Vida.
Olhar para atrás e encontrar o parasita não serve para seguir o caminho de Hoje. Mas permite, muitas vezes, refletir no que não fazer daqui para a frente. Assim a vejo e assim a entendo.
Ela, a Arrogância, já esteve presente em Mim.
E agora, olhando para a estrada que se inicia a minha frente, acedi a uma portagem que outrora já tinha visitado; desta vez a minha companhia é a… talvez a Ternura?
Enquanto viajo, ela conversa comigo. Obriga-me a observar a paisagem.
Ontem, vi luxúria e gozo e o caminho era iluminado por lampiões de luzes psicadélicas, onde dancei nua, no meio da multidão. Era quase sempre noite, havia sempre gargalhadas e gritos e fumo… Recordo-me dos meus olhos brilhantes e da minha boca carnuda a perder-se por visões de perfeição e por aromas de absinto. Tudo era perfeito no turbilhão desse mesmo caminho; fiz dele minha Casa. A minha viagem, incrivelmente, seguia com o prazenteiro sentido de encontrar rigorosamente Nada. Como quando se entra num labirinto de mil cores, caminhos e destinos, terminando no ponto de partida. E ainda assim, corri pela estrada sempre vestida de vermelho, trajes curtos e êxtases transversais. Plenamente, divertida, atraindo outros caminhantes, seduzindo-os com a minha vontade imensa de voar dali para fora, sorrindo como uma puta no meio de um engate, puxando pela mão quem não quisesse fazer-me companhia.
Nessa altura, a minha mãe chamava-me de Cavalo do Monte. O sábio que sempre me acompanhava, Gata Alada. Com as minhas asas percorria o meu destino levitando. Planando. Completava-me carnalmente, deitava-me no cimento frio fazendo-o explodir quando era possuída.
Até que ela, a Arrogância, quebrou o meu percurso. Alguém me disse “ Vem comigo”. E a Arrogância ali estava, sorrindo para mim, quase tão sedutora como Eu. Piscou-me o olho e disse “ Tens a certeza?” O pedido foi de um companheiro de viagem, tão igual a mim no desejo de se fundir numa mistura de sonhos agridoces – ilusões, não é assim que se chama? E ela, de olhar de boneca: “ Tens a certeza?”. E eu respondi ao convite: e disse que não queria para mim quem era igual a mim. A Arrogância pôs o braço em cima do meu ombro e disse, fraternalmente: “ Mereces melhor.” E a minha viagem continuou.
E trouxe-me até aqui através desta Roda da Fortuna, que não é mais que a rotação do nosso Mundo. Segui viagem. Regressei.
Os anos que me acompanharam fundiram a outra companheira de viagem num passado irreversível. Hoje, caminho com a Ternura que detalha ao pormenor a estrada percorrida. É como uma estrada ainda fechada, sem nada a crescer no seu meio, na paisagem adjacente. O Silêncio reconfortante acompanha-nos. Observo apenas o branco supremo do céu, como quando se fixa o olhar demoradamente no sol e no piscar de olhos seguinte não se vê nada. Só uma luz quente.
E uma voz. A única no meio desta viagem onde nada existe e onde tudo se pode construir. Ou viver. Ou apenas Amar. A visão é invadida pelo companheiro de quem fugi Ontem. Diz-me “ Vem.”. Igual a ele mesmo. Sempre igual a ele mesmo. Olhando e sorrindo para mim. Olá.
Deito-me no chão que cheira agora a mel e deixo que ele me cubra com o seu corpo moreno e me possua em abraços, toques, desejos recônditos, prazeres repetidos e repartidos, copulando até cheirar a corpo. Corpo e Alma? Fazemos amor até o Sono me levar para o lado de lá do Atlas.
Lá ao fundo, bem lá fundo, num inimaginável horizonte, vejo uma árvore. De frutos ou não, já não sei dizer.
Sofia Cruz