29.10.13

 

A Arrogância corrompe quem vem por Bem. A tal Vaidade e Petulância vêm todas da mesma Origem. De uma nascente que verte lama disfarçada, mas que se penetra em todos os cantos deste Mundo, desde o amor à Arte, Religião, Política, até à própria Vida.

Olhar para atrás e encontrar o parasita não serve para seguir o caminho de Hoje. Mas permite, muitas vezes, refletir no que não fazer daqui para a frente. Assim a vejo e assim a entendo.

Ela, a Arrogância, já esteve presente em Mim.

E agora, olhando para a estrada que se inicia a minha frente, acedi a uma portagem que outrora já tinha visitado; desta vez a minha companhia é a… talvez a Ternura?

Enquanto viajo, ela conversa comigo. Obriga-me a observar a paisagem.

Ontem, vi luxúria e gozo e o caminho era iluminado por lampiões de luzes psicadélicas, onde dancei nua, no meio da multidão. Era quase sempre noite, havia sempre gargalhadas e gritos e fumo… Recordo-me dos meus olhos brilhantes e da minha boca carnuda a perder-se por visões de perfeição e por aromas de absinto. Tudo era perfeito no turbilhão desse mesmo caminho; fiz dele minha Casa. A minha viagem, incrivelmente, seguia com o prazenteiro sentido de encontrar rigorosamente Nada. Como quando se entra num labirinto de mil cores, caminhos e destinos, terminando no ponto de partida. E ainda assim, corri pela estrada sempre vestida de vermelho, trajes curtos e êxtases transversais. Plenamente, divertida, atraindo outros caminhantes, seduzindo-os com a minha vontade imensa de voar dali para fora, sorrindo como uma puta no meio de um engate, puxando pela mão quem não quisesse fazer-me companhia.

Nessa altura, a minha mãe chamava-me de Cavalo do Monte. O sábio que sempre me acompanhava, Gata Alada. Com as minhas asas percorria o meu destino levitando. Planando. Completava-me carnalmente, deitava-me no cimento frio fazendo-o explodir quando era possuída.

Até que ela, a Arrogância, quebrou o meu percurso. Alguém me disse “ Vem comigo”. E a Arrogância ali estava, sorrindo para mim, quase tão sedutora como Eu. Piscou-me o olho e disse “ Tens a certeza?” O pedido foi de um companheiro de viagem, tão igual a mim no desejo de se fundir numa mistura de sonhos agridoces – ilusões, não é assim que se chama? E ela, de olhar de boneca: “ Tens a certeza?”. E eu respondi ao convite: e disse que não queria para mim quem era igual a mim. A Arrogância pôs o braço em cima do meu ombro e disse, fraternalmente: “ Mereces melhor.” E a minha viagem continuou.

E trouxe-me até aqui através desta Roda da Fortuna, que não é mais que a rotação do nosso Mundo. Segui viagem. Regressei.

Os anos que me acompanharam fundiram a outra companheira de viagem num passado irreversível. Hoje, caminho com a Ternura que detalha ao pormenor a estrada percorrida. É como uma estrada ainda fechada, sem nada a crescer no seu meio, na paisagem adjacente. O Silêncio reconfortante acompanha-nos. Observo apenas o branco supremo do céu, como quando se fixa o olhar demoradamente no sol e no piscar de olhos seguinte não se vê nada. Só uma luz quente.

E uma voz. A única no meio desta viagem onde nada existe e onde tudo se pode construir. Ou viver. Ou apenas Amar. A visão é invadida pelo companheiro de quem fugi Ontem. Diz-me “ Vem.”. Igual a ele mesmo. Sempre igual a ele mesmo. Olhando e sorrindo para mim. Olá.

Deito-me no chão que cheira agora a mel e deixo que ele me cubra com o seu corpo moreno e me possua em abraços, toques, desejos recônditos, prazeres repetidos e repartidos, copulando até cheirar a corpo. Corpo e Alma? Fazemos amor até o Sono me levar para o lado de lá do Atlas.

Lá ao fundo, bem lá fundo, num inimaginável horizonte, vejo uma árvore. De frutos ou não, já não sei dizer.

 

Sofia Cruz


Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 07:00  Comentar

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