22.10.13

 

Bate a chuva cinzenta de um dia molhado na janela respirada de desejo. Amarfanhados, os lençóis brancos, denunciam a dança de dois corpos, envolvidos na loucura consentida de um amor não correspondido. Fixam o teto, enquanto as bocas ainda expiram ao som de um coração potente de sangue jorrado em êxtase. Branco é o silêncio, do corpo leve, mas de alma pregada à cama.

São dois os corpos, com suas peles, há instantes unidas como uma só, mas não num só corpo. Muito menos, numa só alma!

Mesmo ainda com toda a vibração presente, afastam-se lentamente. Não, não conseguem sentir a tal união que o sexo, supostamente, traz a um casal. Estão ali, tal instrumentos necessários a uma tarefa quotidiana, mas que depois da função exercida, quase se abandonam como se nunca tivessem existido ou alguém reparado sequer que existiam.

Nu, segue ele, encostando a cabeça à janela, desejando ser chuva que escorre vidro fora. Engole em seco. Seca está já a sua alma diante tamanho dilúvio.

Na cama, ela recolhe-se, abraçando os joelhos, outrora abertos de prazer, para fechar-se em si.

Fora tamanha a humidade que povoara aquele quarto. Ninguém o pode negar. Porém, tal como um aguaceiro, rápida foi a passagem da sua intensa presença. Ficou apenas a densidade que acompanha os dias de chuva, como um nevoeiro pesado. Que não deixa ver mais além. Aquele nevoeiro que traz incerteza. Que não deixa prosseguir. Só com apalpadelas. E por mais desejo que haja de saber o que vai para lá, cega os olhos de quem tenta conhecer mais e mais. E paira. Sem desaparecer, o nevoeiro.

Viam-se assim, envoltos, num nevoeiro sem igual. Partilhavam a mesma angústia de não serem mais do que uma cama em comum.

Perdidos, revestiram a pele e fugiram-se dos olhos. Mesmo que se olhassem, não veriam mais que o nevoeiro. Preferiram admirar o que os olhos não podiam contestar. Aqueles corpos apetecíveis, aqueles desenvoltos movimentos, sexuais sem intenção. Era tudo o que lhes restava.

Despediram-se, como quem já sai da festa mais desgastado que a euforia.

E, enquanto isso, a intimidade, essa, fazia fronteira, sem visto de entrada. Só de saída.

 

Cecília Pinto


Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 06:00  Comentar

Pesquisar
 
Destaque

 

Porque às vezes é bom falar.

Equipa

> Alexandra Vaz

> Cidália Carvalho

> Ermelinda Macedo

> Fernando Couto

> Inês Ramos

> Jorge Saraiva

> José Azevedo

> Maria João Enes

> Marisa Fernandes

> Rui Duarte

> Sara Silva

> Sónia Abrantes

> Teresa Teixeira

Outubro 2013
D
S
T
Q
Q
S
S

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
12

13
14
16
17
19

20
21
23
24
26

28
30
31


Arquivo
2019:

 J F M A M J J A S O N D


2018:

 J F M A M J J A S O N D


2017:

 J F M A M J J A S O N D


2016:

 J F M A M J J A S O N D


2015:

 J F M A M J J A S O N D


2014:

 J F M A M J J A S O N D


2013:

 J F M A M J J A S O N D


2012:

 J F M A M J J A S O N D


2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D


2008:

 J F M A M J J A S O N D


Comentários recentes
Entendi a exposição, conforme foi abordada mas, cr...
Muito obrigada por ter respondido ao meu comentári...
Obrigado Teresa por me ler e muito obrigado por se...
Apesar de compreender o seu ponto de vista, como p...
Muito agradecemos o seu comentário e as suas propo...
Presenças
Ligações