Numa manhã, igual a todas as outras, apanhei o autocarro para ir para a escola, andava eu no 10º ano. Quando cheguei, vários autocarros chegaram ao mesmo tempo, descendo deles muitos dos meus colegas de escola e de turma.
O pátio de entrada estava cheio de pessoas, cruzando-se os vários olhares de sempre. Mas, naquele dia, os meus olhos cruzaram-se com dois olhos azuis que me deixaram presa por algum motivo que não entendi. Depois de uns minutos conseguimos desviar o olhar um do outro e seguir os nossos caminhos.
Passei as aulas desse dia a pensar se voltaria a cruzar-me com aquele rapaz que me encantou apenas com o olhar.
À medida que os dias foram passando, o objetivo dos intervalos era fazer com que o meu grupo de amigas preferisse sentar-se num local onde eu pudesse ver aqueles olhos novamente, mesmo sem elas se aperceberem.
Passaram-se meses até que elas percebessem que eu comunicava daquela maneira com aquele rapaz. Quando esse dia chegou, porque eu já não me esforçava para o esconder, uma delas insistiu tanto para explicar o que ali se passava que eu acabei por desvendar todo o mistério desta relação quase utópica.
Digo quase, porque não era apenas eu que olhava. Era também olhada nos meus olhos, sentindo-me invadida por ele de alguma forma que não conseguia descrever.
Várias semanas se passaram, deixando as minhas amigas cada vez mais impacientes e sem saber por que razão não nos apresentávamos um ao outro, quebrando esta barreira.
Como as amigas fazem tudo por nós, até mesmo o que não queremos, um dia montaram um esquema e fomos realmente apresentados, tendo até feito uma conversa onde trocamos apenas os nomes e um sorriso tímido, sem jeito e até de desilusão.
Depois deste dia, depois da suposta barreira ser quebrada, deixei de procurar o olhar e, quando por acaso nos cruzávamos, era agora bem mais fácil de explicar o sentimento que carregava: desilusão de ambos.
Pensar naqueles olhos, olhar para eles como algo misterioso e fora do meu alcance, tornava toda a situação apetecível, com vontade de ter mais. Depois de dar apenas mais um passo, ou seja, acrescentado palavras, todo o desejo se desmoronou, deitando fora toda a beleza e sexualidade da relação diária que criámos de forma espontânea, natural e sem compromissos.
O mistério do desconhecido tornava o desejo monstruoso, quebrado com um simples olá e com a intenção de tornar os sentimentos e vontades verbalizados.
Sónia Abrantes