As pessoas, assim que dominam o raciocínio abstrato, filosófico, político e crítico, entram na vida adulta. Para trás fica um percurso tortuoso, muito dependente da quantidade e da qualidade dos estímulos recebidos, em que os primeiros quatro, cinco, vá lá, seis anos de vida são de formação e os restantes de informação. Por outras palavras, neste início de existência fica determinada, grosso modo e à parte a herança genética, a forma como cada um será em termos de extroversão, liderança, perseverança e demais traços que constituem a personalidade, principalmente na sua vertente afetiva. Daí em diante a informação será acolhida numa estrutura identitária que a processa e acondiciona devidamente, à maneira de cada um.
Apesar de estarmos em constante formação, à medida que crescemos, vamo-nos tornando cada vez menos permeáveis a alterações de fundo e o mundo vai-se-nos afigurando como um lugar cada vez mais conhecido e controlável: já não encontramos surpresas em cada canto. Vamos diminuindo o tamanho do ponto de interrogação que paira sobre as nossas cabeças.
Este conhecimento do mundo pode construir-se de duas maneiras: ou aceitando pacificamente e como verdadeira a informação que nos vai chegando, ou assumindo uma postura questionadora sobre a forma como esse conhecimento do mundo nos é transmitida. A primeira é perigosa, porque depende muito da credibilidade das fontes de informação. A segunda é cautelosa, trabalhosa e progressiva, mas confere uma sabedoria mais abrangente.
No entanto, será que interessa conhecer os assuntos em profundidade? A resposta a esta pergunta remete-nos para o conforto e a segurança: há certos temas cujo conhecimento convém ficar pela rama para conferir conforto, segurança e ausência de conflito. Assumir posições ou ideias implica o dispêndio de energia que nem sempre estamos dispostos a empenhar. A quantidade de informação que ultrapasse certos limites, prejudica a nossa tranquilidade. Afinal somos apenas humanos. Exemplos disso encontram-se facilmente em torno de conceitos subjetivos ou relativos à crença. Não é fácil definir a felicidade à medida que se aprofunda esse conceito. Não é fácil falar de cristianismo quando a conversa resvala para os tempos da Inquisição.
A formação de cada um faz-se na direta proporção entre aquilo que se recebe do mundo e aquilo que se aceita. Uma postura acrítica é capaz de gerar mais "felicidade" do que uma postura cética. Mas também gera maior vulnerabilidade e dependência, na medida em que a informação utilizada é quase exclusivamente produzida no exterior da pessoa. Uma postura crítica constrói opiniões próprias, cria responsabilidades e dores de alma. Compromete a "felicidade" e a crença, ao mesmo tempo que protege de influências intencionadas. Discutir a política do país, o funcionamento das instituições, a organização e o funcionamento da sociedade pode ser arriscado, mesmo nos dias de "liberdade" que correm e, acima de tudo, pressupõe um olhar atento sobre o mundo que nos rodeia. Às vezes, é bem mais simples deixarmo-nos ficar no conforto que a ignorância nos dá.
Joel Cunha