Bastou-me sentir o olhar dele, quando abri a porta do gabinete, para perceber logo que não tinha a mínima hipótese, como já era de esperar. Para dizer a verdade, nem sabia como tinha chegado tão longe… será que não se tinham apercebido de que não indicara a data de nascimento, ou que dificilmente uma menina de vinte e cinco anos teria aquela experiência profissional, ou terão gostado assim tanto da minha carta de apresentação?
Tinha-me convencido a mim própria a não desistir, apesar de todas as candidaturas sem resposta e das esperas por conversas infrutíferas com conhecidos mais bem posicionados. Afinal, são quarenta e sete anos e não setenta e quatro, a minha cabeça não só funciona perfeitamente bem como já não se atrapalha com poeiras, e toda eu encaixo no tal perfil pretendido, à excepção da idade, claro, factor que, cada vez mo deixam mais claro, tem mesmo o incompreensível condão de anular todos os outros.
Haverá alguma justiça nisto tudo? Por mais que tenha feito e trabalhado, o meu BI agora dita que já não pertenço ao grupo dos produtivos, que não sirvo para trabalho nenhum, que tenho de me resignar a não ser ninguém? Esta não é a minha história - como é que vim aqui parar? E ainda há o dinheiro. A família aguenta-se, mas eu agora vou depender do marido ou do dinheiro das heranças?
Os velhos a sério, esses sim devem sofrer. Abandonados em algum lar ou na rua, até, a esses foi-lhes deixado bem claro que já não fazem parte do mundo de todos, que não têm nada que esperar coisa alguma da vida, a não ser libertar espaço brevemente.
Mas eu estou apenas farta. Farta de estar em casa sozinha e de ter de esticar as lides que antes me demoravam uma manhã pelos cinco dias da semana útil. Adoro o meu marido, adoro os meus filhos e adorava a minha casa. Mas agora, como toda a gente ou trabalha ou estuda, não tenho ninguém com quem estar durante o dia, e quando eles chegam ainda me sinto mais como se estivesse a cometer um pecado qualquer. Às vezes saio doidinha com um saco das compras que há-de ir e voltar vazio só para ver pessoas. É melhor assim do que estar com conhecidos, que olham para mim ou com indiferença ou com pena, como se tivesse uma deficiência qualquer, lembrando-me, de uma forma ou da outra, de que não faço parte do mundo em que eles seguramente vivem.
Se ao menos eu não acreditasse que isso é verdade.
Ana A
Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 16:56  Comentar