
Estou de férias. Consigo distanciar-me e ver tudo em perspetiva. O mundo real está suspenso, por agora. Os assuntos que, de momento, me ocupam e consomem não vão além das horas de digestão para me fazer à água e dos lugares que me apetece visitar.
A beleza das férias está nisto: na nobre habilidade para me reduzir às funções de um protozoário. Eu faria disto o meu modo de vida, faria. Agora que reflito nisto - assunto sobre o qual, aliás, jamais me ocorrera reflectir - dou por mim a ambicionar uma vida simples, desprovida dos afazeres, dos horários e dos demais grilhões que condicionam a liberdade. Podia ser uma pedra da calçada ou um prato de macarrão frito, tanto me dava, desde que não tivesse que fazer nada. Podia viver assim, podia. Nem teria necessidade de investir em léxico: usaria o verbo "vegetar" em tudo o que fizesse, se fizesse alguma coisa, claro.
Já havia dado por mim a admirar e a respeitar a bondade de um navio que passa ao longe, lenta, lentamente. Imaginava os tripulantes ao fim do dia, reclinados sobre o mar, mirando o horizonte, o ocaso, escutando parcimoniosamente o burburinho roliço e ondulante da água que se vai encostando lenta, lentamente ao casco. E queria ir ali também, para longe da azáfama dos meus dias.
Passo pelos artistas de rua e olho. Que desperdício de talento, meu Deus! Gente tão válida, vendida ao turismo. Bom, aparece de tudo: uns seguram o pincel como quem segura um machado, outros desenham retratos de gente à beira de um ataque epilético. Mas noutro dia vi um que desenhava como se fosse fácil desenhar, sem esforço, perfeito. Que fazes aqui? - Perguntei-lhe. Olha, pago as contas. E não lhe perguntei mais nada.
As viagens permitem-me sair de mim, ver-me de fora. Como se a rotina do resto do ano me impedisse de fazer balanços tão acertados. Regresso habitualmente cheio de ideias, renovado, energizado, com uma perspetiva revigorada do mundo e com horizontes mais largos. Venho inspirado, contagiado pelos artistas de rua, pelas paisagens, pelo mar, monumentos, projetos arquitetónicos, pelos cheiros, pelas pessoas e, acima de tudo, pelos momentos de convívio com os amigos.
As férias são, para além de tudo, uma aprendizagem mais rica e valiosa sobre a condição humana. Consigo ver tudo de cima, como se não fizesse parte daquilo, porque de passagem estou e ali não pertenço. Mas levo pedaços comigo que jamais me largarão. A lição que retiro das férias remete a minha existência quotidiana para um lugar bem pequenino, despertando-me para aquilo que estou, todos os dias, a perder.
Tal como aquela viagem paciente do navio, que leva a minha imaginação para lugares distantes e tranquilos, as férias transportam-me de volta para mim, permitindo-me conhecer melhor e colocando-me no lugar a que pertenço: aqui.
Joel Cunha