Atrás da cortina, com uma mão fechada sobre o peito e outra agarrada à cortina, observa o carro virar a esquina e desparecer. Partia naquele momento a sua vida, como se a arrancassem de si mesma. Mais uma vez chegara aquela altura terrível do ano em que, quase durante um mês, não o veria olhos nos olhos, nem sequer um beijo de boa noite lhe poderia dar. Estava longe, livre e divertido, como ela o quisera, enquanto ela sentia um aperto no peito. Chegara as férias e com elas, a saudade.
Mãe a tempo inteiro, desde que o sonhara e carregara, até o trazer à vida, até hoje. Todos os dias, desde sempre. E agora, lá ia ele, acenando e sorrindo, como se o que ficava para trás fosse apenas o de sempre.
Olhou em volta e sentiu um vazio. Desde o divórcio que o seu preenchimento se resumira ao abraço do seu filho. Quebrada e fustigada, só aquele calor a fazia sentir-se viva. E agora tinha de suportar o silêncio. Aquele maldito silêncio! Aquele maldito espelho que a olhava, e a julgava, e a torturava.
Recostou-se no sofá e perdeu-se na televisão, enquanto as imagens e os sons davam à casa a sensação de movimento. Estava ausente, como estivera durante tanto tempo. Ausente de si, para si, para o mundo. Apenas aquele pequeno Ser a fazia retornar. E agora, mais uma vez, partira. Assim, seria sempre, enquanto a custódia assim obrigasse à partilha. Até que um dia, a partida seria mais prolongada, muito mais. Quando o passarinho quisesse voar derradeiramente.
Fechou os olhos. Deixava a dor dilacerar as entranhas. Como se tornara tão diferente de quem fora? Como se tinha dissipado dentro de tantas perdas? Quem era aquela mulher agora? Não se reconhecia, mas não sentia forças para se recuperar. Tudo era em prol de se manter à tona, somente para que aquele pequeno passarinho pudesse ter todas as capacidades para um dia desbravar todas as batalhas, mesmo que a mãe não estivesse por perto. E sobretudo, para que nunca se perdesse de si próprio, como ela o fizera. Mas poderia ela controlar isso? Bem sabia que não. Como sabia que por mais que parecesse fazer crer junto do seu filho, a sua plenitude, ele o sentia não ser. A única coisa verdadeiramente feliz era aquele amor incondicional.
Adormecera, com o peito esmagado de dor e saudade, de memórias e pensamentos atordoantes. Sonhou, toda a noite, com a família que fora. Sorrisos, brincadeiras, momentos emocionantes. Seu filho corria para os seus braços e segredava que jamais iria embora. Estaria ali, sempre ali!
Acordou com os raios de sol a acariciarem-lhe o rosto. Quentes, como as mãos meigas do seu pequeno. Ao abrir os olhos, o rosto do seu filho fora o primeiro pensamento. Sorriu. Pouco depois, já levantada e preparada para um novo dia, o telefone tocou.
Do outro lado, uma voz estridente de vida exclamou:
- Olá mamã! Estou na piscina!
- Olá meu amor! Estás a gostar das férias?!
- Sim, mamã!
- Que bom, filho!!! Brinca muito, mas porta-te bem, sim?
- Sim, mamã!
- Beijinhos!! A mãe ama-te muito!
- Eu também! Beijinhos!
Num ápice, sentiu um calor no coração e um aperto. Que fugaz aquele contacto. Reconfortante a voz do filho, mas ao mesmo tempo uma saudade maior.
Olhou pela janela, como quem espera a chegada de alguém querido.
- Como é que uma mãe pode tirar férias de um filho? - pensou.
- Impossível! Sorriu…
De férias, já bastava as que tirara de si própria, há muito. Estava na hora de regressar…
Cecília Pinto