Uma noite destas tive um sonho estranho. Os meus sonhos são sempre muito estranhos e sem sentido, pelo menos à luz do meu entendimento, mas este era diferente, era absurdo. Caminhava, acompanhada, numa rua muito movimentada, ia conversando enquanto observava a pessoa que caminhava à minha frente. Quanto mais a observava mais familiar essa pessoa se tornava. Reconheci-lhe o andar apressado, reconheci-lhe os gestos e maneirismos, reconheci-lhe as mãos que num gesto para levantar o cabelo da nuca a deixaram desprotegida e reconhecível. Admirei o corte de cabelo, era um corte bem definido e que assentava muito bem. Dei por mim a pensar, ainda dentro do meu sonho, que não tinha ideia nenhuma como era o meu cabelo visto de trás, gostei do que vi. Gostei de me ver ali mesmo à minha frente. Reconhecer-me na pessoa que caminhava à minha frente não foi assustador e tão pouco intrigante. Como era possível isso acontecer, foi questão que não me coloquei, vi e senti aquela duplicidade com naturalidade.
Absurdo! Foi tudo o que me ocorreu dizer quando acordei, mas de imediato refleti sobre as vantagens de eu ser, ou ter, uma segunda pessoa. Que desafogo sentiria se um duplo meu acarretasse com as minhas preocupações, deixando-me livre e leve para prosseguir com a minha vida! Entendo a vida como uma missão que aceito e que quero cumprir, no entanto, quando tudo à volta parece desmoronar-se, quando o dia-a-dia nos esgota e gritamos por descanso, que jeito dava podermos descansar entregando a nossa existência a alguém da nossa inteira confiança e que a devolvesse quando voltássemos a querer ser donos dela! E, quem melhor do que nós mesmos para essa função desde que desprovidos das emoções e dos sentimentos que nos atrapalham?
Tiramos férias e deixamo-nos resgatar ao esgotante rodopio que nos arrasta, mas de volta aos nossos rituais facilmente nos deixamos envolver pelas situações e de novo o mesmo desejo de fugir da rotina, de fugir das pessoas, de fugir de nós. Desejos de nos escondermos num lugar onde não sejamos notados, onde possamos observar sem sermos observados, onde possamos esquecer quem somos e de onde vimos. Mas, para onde quer que vamos, levamos connosco o que somos, ou não somos e queremos ser, o que temos, ou não temos e queremos ter, as nossas alegrias e tristezas, as nossas certezas e inseguranças, enfim, levamo-nos por inteiro. As férias apenas atrasaram processos e, na melhor das hipóteses, deixaram-nos ver à distância a dimensão das nossas envolvências, relativizando a gravidade e a importância das mesmas.
Divagações minhas em vésperas de ir de férias comigo mesma e por inteiro.
Cidália Carvalho