14.6.13

 

Numa época dominada pelo imediatismo, pela tecnologia de ponta, pela rapidez de processamento, pela facilidade de troca, pela ausência de emoções fecundas e de laços duradouros, passou a cultivar-se o efémero como se nada fosse feito para durar; de forma particularmente insidiosa, no que toca ao amor e aos relacionamentos (que se caraterizam por ser de curta duração nos tempos “líquidos”, como afirma Bauman, criador dos conceitos de Amor Líquido e Modernidade Líquida). Os seres humanos, “analfabetos emocionais” em clara expansão (expressão do Dr. Manuel Damas, referindo-se aos portugueses – “analfabetos sexuais e emocionais” - mas que eu aplico à população a um nível mais macro), receiam a dor e, na impossibilidade de com ela lidarem, assumem que, evitando uma relação estável e duradoura (trocando de parceiros, namorados, amigos, amantes, noivos) estarão a salvo dessa dor. O sofrimento e a solidão tornam-se os grandes “alvos a abater”. Formatam-se seres humanos, usando o mantra do “para não te sentires só, não te ligues a nada. Não te vincules, não te apegues. Não deixes que respirem (n)o teu metro quadrado de oxigénio”. Apregoa-se a necessidade de estar só, o direito à liberdade quando, no fundo, queremos pertencer. Precisamos dessa pertença para estruturar sentimentos e, afinal, só assim sermos realmente livres. No entanto, numa sociedade que preconiza ligações entre as pessoas cada vez mais frágeis e desumanas, as relações terminam tão meteoricamente como começaram. As pessoas separam-se sem terem realmente chegado a “estar juntas”, na verdadeira aceção da expressão. Deseja-se um grau de “segurança” que nunca permita um terramoto na nossa estrutura interna. Por isso, são preferidos os relacionamentos virtuais: pode-se ser quem se quiser ser, viver ao sabor da brisa emocional (formatada), desejar qualquer outra criatura, num espaço cibernético que permite, num único clique, apagar o que se havia escrito, “desamigar” um contacto, “lavar roupa suja” ou dizer simplesmente adeus. Se alguém não me dá a segurança de que eu preciso, esse alguém é facilmente esquecido e substituído. Os avanços tecnológicos que nos remetem para a “modernidade líquida” tornam-se virais para cada indivíduo na gestão das suas relações e dos seus afetos, dotando o conceito de amor da mesma “liquidez” que fragiliza os laços humanos; amor, esse, totalmente diferente do seu verdadeiro significado: forte, estruturante, perene.

Surgem, então, novos modelos de intimidade: o sexo virtual, casual, os “amigos com benefícios” e o “sexo sem compromisso”. O Amor torna-se líquido, sem consistência, sem forma, evidenciando, nesse sentido, a falência emocional humana. A definição romântica do amor está fora de moda. O amor verdadeiro, na sua vertente enaltecida ao longo dos tempos por poetas e artistas, foi reduzido a um conjunto de experiências vividas pelas pessoas, nas quais se passou a banalizar a palavra amor. Noites fortuitas de sexo são chamadas de “fazer amor”. Da mesma forma se diz hoje, com relativa facilidade, “ amo-te”; dizê-lo não implica a responsabilidade de realmente amar. Do amor conhecemos apenas a sinopse e, sem nunca chegarmos a ver o filme (porque abandonamos a sala de cinema logo a seguir à publicidade), colocamos-lhe um rótulo tão redutor e insípido que, na verdade, nunca poderá chegar a ser um “êxito de bilheteira”. A necessidade premente do “prático, fácil e descartável” não é compatível com todos os anseios provocados pelo Amor. Sentir o coração bater, descompassado, ao ritmo de uma paixão pode doer, pode assustar visceralmente. Querer mergulhar nessa paixão para estruturar um futuro mais abrangente, mais rico, mais profundo, assemelha-se a um salto olímpico (com vário mortais encarpados e “flick flacks” à retaguarda), uma vez que é “comercializado” num pacote promocional que inclui incerteza, ansiedade, insegurança e um profundo medo da rejeição. No entanto, tal como nos diz Bauman, “…não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da génese dessas coisas. O amor é afim à transcendência…”.

Em face deste fenómeno, urge que questionemos as nossas representações, a forma como nos ligamos, como amamos, como existimos. Corremos seriamente o risco de passar pela existência absolutamente vazios, “abrindo mão” de viver um dos sentimentos mais nobres da humanidade, permitindo que essa liquidez se propague de forma virtual e real. Para Bauman, ter consciência deste processo é algo valioso que pode gerar menos lamentações, menos stress, menos imaturidade perante o fracasso nas relações, mais resiliência, mais capacidade de acreditar, menos clivagens nos relacionamentos íntimos. Reforça o sociólogo: “A árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos”. O Amor exige esforço, empenho e dedicação. O Amor é verbo, é acção. Para o perceber é preciso pensar “fora da caixa”. Num tempo em que não se pode contar com nenhuma instituição de longa duração, mas em que a vida individual está cada vez mais longa, talvez valesse a pena investir no amor durável, constante e assente num compromisso. Afinal, o Amor não tem o poder de nos conceder a imortalidade mas será, no último dos dias, a única razão porque a viagem valeu a pena.

 

Alexandra Vaz

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