2.4.13

 

Ao pensar hoje em violência não pensamos só em agressões físicas pois já sabemos que a nível psicológico também se pode agredir e de forma muito violenta. Mais do que a violência visível, quer seja física ou psicológica, penso que o que me assusta mais são os aspetos que não se veem. Aqueles que ninguém sabe que estão a acontecer mas que corroem lentamente, deixando marcas por vezes irreparáveis.

Penso, por exemplo, no dia-a-dia sem afeto e cada vez mais frio. Quando vamos a um qualquer serviço público e somos tratados como algo que veio atrapalhar o sossego de alguém, vistos como alguém que não sabe o que quer, que só vem mesmo ao serviço porque deve alguma coisa, porque é inimigo do sistema (aquele ser invisível mas sempre presente).

Será que estou a ser romântica demais?

Pensemos na violência que é acordar bem-disposto e ir até um serviço público e ao falar com a primeira pessoa com quem nos cruzamos, o segurança, ele olha para nós como se fossemos intrusos e nem bom dia deseja. Mesmo assim, nós entramos e dizemos “Bom dia”, podendo receber resposta ou não. Ao chegar à máquina das senhas que marcam a vez, somos fulminados por olhares atentos para ver se iremos passar à frente ou não, reparando em todos os nossos passos e, caso tenhamos alguma dúvida que nos leve ao balcão antes de tirar a senha… Nem quero pensar! Chegada a hora de ser atendidos ao balcão por uma pessoa que está ali única e exclusivamente para fazer atendimento ao público, não recebemos o bom dia, fazem-nos perguntas como resposta às nossas perguntas, transparecendo que nós já deveríamos saber “combater” aquele assunto. Para terminar, com sorte temos o assunto resolvido ou então “fique a aguardar”. Se não tivermos sorte, o assunto é remetido para outro balcão ou adiado por falta de documentos. Lá voltamos para a rotina diária já sem a boa disposição, porque fomos bombardeados por coisas nada boas.

Quando isto me acontece, quando sinto que estou a ser alvo de má educação e falta de civismo que a mim me soa a violência psicológica porque cada vez mais há assuntos pendentes com finanças, segurança social e outros serviços públicos, eu penso num e-mail que recebi há tempos de um autor desconhecido, que dizia “não temos que ser o caixote do lixo de ninguém”, ou seja, a nossa mente não tem que suportar a forma mal educada e sem sensibilidade de outras pessoas. Desde esse e-mail, penso sempre em algumas piadas e situações engraçadas que acontecem quando alguém é mal educado comigo, sem saber como me corre a mim o dia ou em que fase da vida (menos boa ou melhor) me encontro.

Da minha parte passa a existir um vazio por essas pessoas e isso é muito triste, pois somos humanos e somos feitos de relações sociais que se pretendem agradáveis.

Sinto o vazio por parte do segurança, pois já deve ter sido alvo de violências de várias formas, por parte das pessoas que estão à minha frente, pois já passaram pelo segurança e sofreram alguma injustiça por parte de outros utentes, por parte da senhora do balcão, pois já vai preparada para o ataque aos utentes que vêm com más intenções.

Sinto vazio e frio quando vou a certos locais públicos, pois cada um no seu dia-a-dia arranja defesas para se proteger de violências psicológicas vindas dos sítios menos esperados, apesar de eu aqui abordar apenas os serviços públicos.

 

Sónia Abrantes


Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 06:00  Comentar

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