Ao pensar hoje em violência não pensamos só em agressões físicas pois já sabemos que a nível psicológico também se pode agredir e de forma muito violenta. Mais do que a violência visível, quer seja física ou psicológica, penso que o que me assusta mais são os aspetos que não se veem. Aqueles que ninguém sabe que estão a acontecer mas que corroem lentamente, deixando marcas por vezes irreparáveis.
Penso, por exemplo, no dia-a-dia sem afeto e cada vez mais frio. Quando vamos a um qualquer serviço público e somos tratados como algo que veio atrapalhar o sossego de alguém, vistos como alguém que não sabe o que quer, que só vem mesmo ao serviço porque deve alguma coisa, porque é inimigo do sistema (aquele ser invisível mas sempre presente).
Será que estou a ser romântica demais?
Pensemos na violência que é acordar bem-disposto e ir até um serviço público e ao falar com a primeira pessoa com quem nos cruzamos, o segurança, ele olha para nós como se fossemos intrusos e nem bom dia deseja. Mesmo assim, nós entramos e dizemos “Bom dia”, podendo receber resposta ou não. Ao chegar à máquina das senhas que marcam a vez, somos fulminados por olhares atentos para ver se iremos passar à frente ou não, reparando em todos os nossos passos e, caso tenhamos alguma dúvida que nos leve ao balcão antes de tirar a senha… Nem quero pensar! Chegada a hora de ser atendidos ao balcão por uma pessoa que está ali única e exclusivamente para fazer atendimento ao público, não recebemos o bom dia, fazem-nos perguntas como resposta às nossas perguntas, transparecendo que nós já deveríamos saber “combater” aquele assunto. Para terminar, com sorte temos o assunto resolvido ou então “fique a aguardar”. Se não tivermos sorte, o assunto é remetido para outro balcão ou adiado por falta de documentos. Lá voltamos para a rotina diária já sem a boa disposição, porque fomos bombardeados por coisas nada boas.
Quando isto me acontece, quando sinto que estou a ser alvo de má educação e falta de civismo que a mim me soa a violência psicológica porque cada vez mais há assuntos pendentes com finanças, segurança social e outros serviços públicos, eu penso num e-mail que recebi há tempos de um autor desconhecido, que dizia “não temos que ser o caixote do lixo de ninguém”, ou seja, a nossa mente não tem que suportar a forma mal educada e sem sensibilidade de outras pessoas. Desde esse e-mail, penso sempre em algumas piadas e situações engraçadas que acontecem quando alguém é mal educado comigo, sem saber como me corre a mim o dia ou em que fase da vida (menos boa ou melhor) me encontro.
Da minha parte passa a existir um vazio por essas pessoas e isso é muito triste, pois somos humanos e somos feitos de relações sociais que se pretendem agradáveis.
Sinto o vazio por parte do segurança, pois já deve ter sido alvo de violências de várias formas, por parte das pessoas que estão à minha frente, pois já passaram pelo segurança e sofreram alguma injustiça por parte de outros utentes, por parte da senhora do balcão, pois já vai preparada para o ataque aos utentes que vêm com más intenções.
Sinto vazio e frio quando vou a certos locais públicos, pois cada um no seu dia-a-dia arranja defesas para se proteger de violências psicológicas vindas dos sítios menos esperados, apesar de eu aqui abordar apenas os serviços públicos.
Sónia Abrantes