Digo-vos que o termo “vencedor”, em clara contraposição com “vencido”, me causa arrepios. Mas nem sempre foi assim, confesso. Quando somos pequenos temos a tendência para o gosto da vitória, seja ela nossa, ou então, de algo ou de alguém significante. Curiosamente, estas últimas vão mantendo uma certa coerência. Enche-me de felicidade ver um familiar ou um bom amigo ser vencedor, ter sucesso. Adoro quando o meu clube ganha, por exemplo... Mas e em relação às vitórias pessoais? Acredito que a experiência da vida modifica o fulcro do constructo. Na escola ser vencedor começa por significar ser melhor do que os outros a jogar à bola ou a subir às árvores. Depois, significa outras coisas: ter as melhores notas, ter a miúda mais cobiçada, ter a melhor mota, etc., etc.. Atenção que não é preciso ter o conjunto destas situações! Ao longo desta mutável perceção de vitória entendemos que não podemos ser vitoriosos em tudo. Não tendo a miúda mais gira, ter a melhor mota não lhe fica atrás.
E depois perde-se a inocência.
A vitória pessoal torna-se complexa, ganha outra dimensão. Que interessa agora a mota quando tenho de encontrar um meio de subsistência? Que interessa agora a miúda quando tenho de cumprir os objetivos da empresa? Que interessam agora as notas quando a minha relação está em risco? Chega-se então a um ponto em que, infelizmente, já não posso responder que sou um vencedor porque ganhei 3-0 ao 4º ano B. Já não posso responder que sou um vencedor porque a minha mota chegou mais depressa ao semáforo da rotunda da Boavista. E aqui encontramos uma questão pertinente. A quem respondemos nós se somos, ou não, vitoriosos? O difícil da questão é que já não prestamos contas aos nossos cuidadores. A pergunta já não é “tiraste positiva a tudo?”, ou “ganhaste o concurso da escola?”. O difícil da questão é que agora perguntamos a nós próprios pelas nossas vitórias. O difícil da questão é que por vezes não temos resposta.
Quem são então os “vencedores” e quem são então os “vencidos”? Sou-vos honesto quando vos digo que quis evitar arrepios e não entrei em análises profundas à questão. A experiência profissional fez-me acreditar que este universo não tem de ser assim tão polarizado, frio, penalizador. Acredito que somos todos vencedores, assim como vencidos somos todos. E com base nessa premissa pedi segunda opinião a um amigo. Pedi-lhe então que escrevesse sob o lema deste texto – “Sou um vencedor como tu”. Aqui ficam os seus pensamentos e as suas conclusões:
“A unicidade é o maior trunfo. Tendemos a perseguir e a idolatrar os objetivos dos outros, pelo receio de trilhar um caminho que perspetivamos solitário e de não lhe resistirmos; Se deixarmos “fluir” o nosso eu surpreendemo-nos com as virtudes e encaramos / aceitamos de frente as fraquezas.
Não há vencedores, nem vencidos. A alternativa a lutar é perecer. E todos, todos, somos vencedores em algum momento e domínio da vida.
“Nasci para ser...”. É uma máxima mentirosa e injusta. Somos o que a vida nos permite. O segredo reside em jogar com o que nos permite. Porém, o destino não é tirano, é plural. Acreditar que nos reduzimos a uma só vocação seria fazer tábua rasa da plasticidade e génio humano.
Os “fracos” são os fortes que recusam ser fracos. Tratar por tu o sofrimento tem a perversão de ora municiar o encontro connosco mesmos, ora obliterar-nos a necessidade de realização com o outro. Ser vencedor assenta no pragmatismo e valentia entre escolher um ou outro. Temos que saber ser sós com o outro.”
Rui Duarte e Pedro Bártolo