Como habitualmente, Inês chegou cedo à empresa. Gosta de ter tempo para tomar café e dar dois dedos de conversa com os colegas antes de começar a trabalhar. Pousa o saco, tirou o casaco e liga o computador. A atualização das pastas é sempre um processo demorado, aproveita então para se dirigir à copa e tomar café. As conversas, nos últimos tempos, não variam e esgotam-se no processo de reestruturação em curso. Há sempre alguém que conhece alguém que foi contactado para rescindir amigavelmente. Os comentários, os mesmos de sempre mas ainda assim repetidos e enriquecidos com notas pessoais de indignação pela forma como decorre o processo, manifestam pesar e solidariedade para com os colegas atingidos e alívio por os presentes terem sido poupados ao drama do desemprego. Relembram-se os critérios para a seleção dos rescindidos, critérios que ninguém conhece mas que se pensa estarem ligados à antiguidade, às notas de classificação de desempenho e às ausências. Inês dá-os como válidos até porque lhe convém porque não se enquadra em nenhum deles e, com esta confiança, prepara-se para iniciar mais um dia de trabalho.
As pastas do mail já estão actualizadas; o Inbox mostra as novas mensagens por ordem alfabética. A primeira é da Direção dos Recursos Humanos. É tomada por um nervoso miudinho e por um suor frio que a invade e abala a sua confiança. Não quer acreditar. Ela não pode ser apanhada na rede dos desempregados, era demasiado mau. Mas depois de ler o mail, a clareza da convocatória não lhe deixa dúvidas, marcaram-lhe uma reunião para o dia seguinte, para discutir a possibilidade de uma rescisão amigável.
O que fazer? Que decisão tomar? Aceitar o que lhe proporão?
Segundo consta, as condições são muito generosas e muito acima do exigido pela lei. Ainda assim tem medo de encarar o futuro sem emprego.
Não aceitar e permanecer na empresa? Casos houve em que os colegas não aceitaram, mas corre a notícia que, para esses, haverá um novo plano muito mais desfavorável: o despedimento coletivo sem direito a indemnização.
Nada fazia prever que ela tivesse de encarar súbitas alterações na sua vida; não contava com isso. Mais, o que ainda é pior, exigem-lhe que seja ela a decidir como será o seu dia de amanhã, desde que essa decisão vá no sentido da vontade deles e no interesse da viabilização da empresa, claro está. Viabilização da empresa?! Cínicos! A viabilização da empresa está na força do trabalho e ela sempre teve brio profissional, sempre deu o seu melhor. A mágoa dificulta-lhe o raciocínio lógico, o que acabou de ler fragilizou-a demasiado para poder decidir se deve ou não aceitar. Que sabe ela do amanhã para tomar hoje uma boa decisão?
A dor que sente no peito obriga-a a respirar fundo. Controla-se para não gritar a sua indignação. Não sabe o que fazer, sendo certo que não se decidir é uma decisão que não é aceite. Alguma coisa terá que fazer.
Está muito nervosa e sem condições para desempenhar o que se propunha fazer naquela manhã, de resto, como em muitas outras anteriormente, trabalhar com empenho, por isso, e pela primeira vez desde que foi admitida, tomou a decisão de faltar ao trabalho. Encerrou o computador, vestiu o casaco, pegou no saco e saiu, desta vez sem se despedir com o habitual: “Até amanhã”.
Cidália Carvalho