E porquê? Porque fico eu aqui parado todos os dias durante tanto tempo? Se calhar é por causa da chuva… Se chovesse todos os dias, claro. Ou então é porque as estradas são esganadas para tanto trânsito. Com tanta estrada por aí afora tem que entupir sempre aqui? Vai-se a ver e não é nada disso.
Ao longo da vida vamos apanhando pessoas que nos marcam e pessoas que nos deixam indiferentes. No meio ficam todas as outras. De entre as que me marcaram está um professor da faculdade, rude, com os delicados modos de um cavador, austero todos os dias de sol (e de chuva) (e de tempo encoberto) (e de precipitação moderada), que nos dizia, de entre muitas outras tiradas vitais para a formação de gente adulta: "se é possível fazer, é possível fazer bem". Esta máxima foi levada muito a sério, principalmente nos trabalhos da cadeira que ele ministrava. Mas aos poucos tornou-se viral e hoje ainda replico esta mensagem sempre que o contexto me pede para replicá-la, principalmente em causa própria.
E aqui surge o reverso de uma medalha que estava destinada a colher apenas aplausos. Na verdade, nem sempre é possível fazer bem. Ou porque não há tempo, ou porque não me deixam, ou porque não quero, ou mesmo porque não sei o que isso quer dizer. Fazer bem qualquer coisa parece ser um conceito simples de compreender e de aplicar. No entanto a vida é curta demais para se poder adjetivar tudo que se faz. Por exemplo: se é possível amar, é possível amar bem. Mas será possível amar mais ou menos ou até amar mal? Que disparate. Ou se ama ou não se ama, ponto final. Amar é sinónimo de amar bem, então. Tudo que desça abaixo de amar bem é deixar de amar, como na lei do tudo ou nada. Interessante mas impreciso, por dois motivos: amar bem implica estar sempre bem, independentemente de tudo mais; amar bem entra naquele espaço obscuro dos conceitos definíveis apenas por cada um, onde também se encontram o de liberdade, amizade, fidelidade, crença, intenção, civismo, educação, basicamente todos os que não forem física e matematicamente qualificáveis.
E aqui reside a beleza da questão. Fazer qualquer coisa reúne imediata, instintiva e culturalmente, um rol de energias iniciais que, pelo menos em intenção (lá está), propiciarão um resultado satisfatório, bom, que alcance ou supere os objetivos traçados. Assim, sim: fazer bem deve ser isto. Tecnicamente pode ser definido como a tentativa de alcançar ou superar os objetivos traçados. Mas então pergunto: o amor mede-se por objetivos traçados? Há um objetivo no amor? Ama-se em função de um fim? Raios! Que estranho. Talvez amar seja um processo e tenha o seu fim nesse processo. Só assim se explica que tenha tantos altos e baixos, se ame ou se deixe de amar ou, vá lá, se ame bem ou menos bem.
Este trânsito é insuportável. Mas dá-me para isto, para pensar, ou para praguejar baixinho. Se fosse sempre possível fazer bem eu não estaria todos os dias enfiado neste caos. Tanto poderia eu fazer melhor do que estar aqui como poderiam os senhores dos projetos das vias fazer qualquer coisa para pôr os carros a andar.
Fazer bem implica tomar e implementar resoluções. Implica cortar com hábitos, alguns deles velhos e teimosos, e redefinir as linhas de atuação. E coragem. Coragem para mudar e ser melhor. Cá está uma possível resolução de ano novo. Eu subscrevo, pelo menos em intenção.
Joel Cunha