26.10.12

 

Desde miúdo que ouço a expressão “sonhar acordado”. Confesso que em muitos momentos escolares este estado era prazenteiro, apetecível, e surgia invariavelmente em inversa proporção ao estímulo provocado pela matéria em estudo. Ao sonhar acordado o tempo fluía descompassadamente do relógio e a realidade abatia sob a capa da imaginação.

Mais tarde percebi que a existência do sonho acordado não se devia unicamente à matemática, ou a qualquer outra disciplina chata. Era algo nosso. Humano. Percebi igualmente que a outrora desejada fuga ao real tinha de ser objeto de recusa por se mostrar inadequada à situação. Como pessoa grande que já era devia prezar a atenção e a concentração, e agora, sem a ajuda de um berro ou de uma régua à mão de semear.

Muito mais tarde aprendi a controlar o sonho acordado. Este já não estava tão liberto do tempo como dantes, e eu, por vezes de forma mais ou menos difícil, dominava a sua duração. Estes pequenos “episódios” serviam frequentemente para dar cor e vida a pensamentos que não deveriam caber em palavras exprimidas. O sonhar acordado passou da dependência das matérias chatas e aborrecidas para se alimentar de pessoas e situações igualmente chatas e aborrecidas.

Hoje em dia não me apetece sonhar o sonho acordado. Hoje em dia o meu sonho acordado é um sonho coletivo e eu não gosto particularmente de sonhar o que os outros sonham. Neste momento quase toda a gente que conheço sonha com a melhoria da qualidade de vida penosamente perdida, logo, com o euromilhões. E eu não quero sonhar acordado com o euromilhões. Principalmente porque quase só sonhando se consegue compreender a probabilidade estatística de ser um dos premiados. Para vos dizer a verdade, por estes dias faço o esforço para não sonhar o sonho acordado. Eu sei, eu sei… “O homem sonha e a obra nasce” e coisas assim do género, mas tenham paciência, existem momentos na vida em que a realidade é o que nos permite avançar…

Muito recentemente fui confrontado com dois tristes episódios. Daqueles que abalam as estruturas da vida quotidiana, por vezes monótona, mas quase sempre estável. Em momentos semelhantes, digo-vos, optem pelo pragmatismo e pela realidade. Deixem lá de parte o sonho acordado e temam o “sonho dormido” pois este pode trazer o dissabor do pesadelo, filho das construções imagéticas de um cérebro desperto e atormentado. Contudo, resta-nos um conforto. Se surgir a desilusão do sonho não concretizado na realidade objetiva, pelo menos essa será sempre da nossa responsabilidade.

 

Rui Duarte


Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 17:05  Comentar

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