Foto: Flowers – Jacqueline Macou
Procurando algum repouso sento-me na sala em tons de castanho. Sem dar consciência ao ato, os olhos começam por percorrer o espaço e encontram vários móveis que compõem a divisão, acrescidos de múltiplos elementos decorativos. Um mapa-mundo enorme, por exemplo, preenche as minhas costas. Do lado esquerdo, vários desenhos de Da Vinci, evidentes reproduções do trabalho de um génio ímpar. A riqueza de todo o conjunto do espaço encontra-se, contudo, nos elementos que carregam histórias. Um pequeno rádio que pertenceu ao avô da minha esposa repousa no topo de uma prateleira. Curiosamente, atrás de mim e abaixo do mapa-aguarela, encontra-se um maior que pertenceu ao meu. Dois bons exemplos de objetos tão iguais e com histórias tão diferentes. Que seja do meu conhecimento, um não terá passado do raio geográfico do grande Porto, enquanto o outro conta com uma passagem transoceânica.
A cabeça roda ligeiramente para a esquerda e a consciência súbita da visão assalta-me o espírito. E o corpo. O coração sobressalta-se (o que acontece quase sempre), quando revejo a fotografia dos meus avós.
Numa humilde moldura de uma cadeia sueca de mobiliário, uma magia de 10x15 cm rompe com o tempo e com o espaço. De modo automático e descontrolado algo me acontece no peito e a seguir na garganta. E a seguir nos olhos. Rompe, na maioria das vezes, no meu rosto um sorriso tímido e molhado, banhados que são meus lábios pelas lágrimas que agora caem. São estados mistos, confesso. A primeira vaga é a da tristeza. De já não os ter. De não os poder beijar e dizer que os amo. A segunda vaga é a da saudade. Da falta que me fazem e que me continuarão a fazer. A terceira vaga, a tal do sorriso torcido, é a do conforto e da felicidade. Conforta-me saber do papel que tiveram no meu crescimento e educação. Conforta-me relembrar o que fizemos juntos e a felicidade desses tempos e momentos. Momentos que já não temos. Momentos que foram momentos e que agora já não são. E que nunca mais serão. A irreversibilidade do tempo é isto mesmo. Se de alguma forma conseguíssemos repetir os momentos do passado, a sua riqueza nunca assim existiria. Por muito dano que nos cause no presente.
Na fotografia estou com eles. Tenho um de cada lado, com o meu avô à esquerda. O meu braço esquerdo repousa no seu ombro e o direito segura na pasta da universidade. A foto pretendeu ser uma recordação de quando vesti o traje académico pelas primeiras vezes. Os três sorrimos, desafiantes que fomos do tempo e do que ele nos ia roubar. Atrás de nós está uma camélia. Aquela onde eu e meu irmão íamos arrancar botões, antes de serem flores, apenas para ouvir a minha avó gritar connosco.
Rui Duarte