27.2.17

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Foto: Kettle - KenBoyd

 

Está no ponto. Percebe-se à distância que está na hora de colocar o chá na água fervente. Não precisamos de nos queimar nem de estar longos e pasmados minutos a olhar para a chaleira. Ela avisa-nos.

À distância sabemos, como ao longe o farol grita para o marinheiro, dá- lhe referências, orienta- o e permite-lhe evitar os perigos daquela costa.

Bons gritos.

 

Um berreiro, alarido, discussão descontrolada, feroz, animalesca, é sinal de má educação, falta de respeito, mais que descontrolo, tentativa de, pela força da voz ameaçadora, dominar, subjugar os outros.

Maus, péssimos, gritos.

 

Não devo, não posso ordenar, nem discutir à base do grito. O grito é estúpido, impede-me de ouvir, sequer de compreender o outro. Estou a ferver água e não tenho mesmo chá nenhum. Nem de pequenino, nem de crescidinho!

 

Sou confrontado pela tragédia pessoal, que cai sobre mim sem aviso, sem preparação, tem uma dimensão medonha, descomunal, desumana, impossível. Perco o chão, falham-me as referências. A dor é imensa, insuportável, terrível, funestíssima... Grito!

Grito humanamente, seja ou não em surdina. Choro e grito. Preciso de dar liberdade à dor insuportável e sem controlo.

Preciso de escape, para conseguir serenar e poder, depois, sofrer de forma socialmente aceitável. Pessoalmente aceitável.

 

Jorge Saraiva

 

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24.2.17

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Foto: Pissed-off - Macmao

 

Os gritos podem ser emitidos por razões diferentes, sendo certo que contêm sempre um fundo de sobrecarga emocional. Não será excessivo afirmar que há gritos para todos os gostos e desgostos, como se apercebe no dia-a-dia. Em gritos exprimimos muitas das nossas emoções positivas ou negativas; com gritos espantamos as nossas sensações; em gritos evitamos que o silêncio nos consuma; com gritos podemos afastar certos perigos. O grito pode afinal ter um efeito libertador do espírito e da mente. Mesmo nos animais, também eles, irracionais como são, perante um perigo iminente e quando vítimas de sofrimento físico, emitem gritos dilacerantes. Mas o grito é da essência do ser humano, pois só ele, ao emitir gritos, desabafa as suas emoções de medo, de angústia, de pânico e frustração em certos momentos da sua vida.

 

Nem sempre, porém, o grito encerrará uma carga negativa, como acontece em momentos de alegria, de euforia e de contentamento ou deslumbramento, com significado de vitória, cujas emoções excessivas e incontidas, desencadeiam gritos de gáudio e de satisfação desmedida. Com o grito se descarrega, pois, toda a carga emotiva perturbadora que provém do fundo da alma, cujo movimento interior nos pode levar a fazer ou deixar de fazer algo de importante como sinal de vida intensa.

 

José Azevedo

 

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22.2.17

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Foto: Summer - Pro File

 

Ontem apetecia-me gritar, gritar até não ter mais voz. Talvez porque estou farta de estar farta de tanta coisa há tanto tempo.

Se estou farta há tanto tempo, porque é que ainda não me habituei? Serei eu, afinal, uma pessoa intolerante? Terei eu levado a sério demais a teoria do conformismo que aprendi durante o ensino secundário na disciplina de Psicologia?

Sim, desde essa altura faço questão de tentar seguir as minhas ideias e não as ideias dos outros só porque sim. Penso, reflito, pondero, e escolho o caminho que pretendo seguir, mesmo que esse caminho seja o contrário do que os outros seguem.

Isto é bastante difícil… Mas deito-me todos os dias a pensar que este é o meu caminho e sei porque o escolhi.

 

Mas estou farta de tanta coisa… Mesmo do que escolhi… Ou do que acontece colateralmente ao que escolhi. Daí apetecer-me gritar, como que para aliviar o desagrado do que vou encontrando pelo trajeto.

Não é sempre que isto acontece. Ontem sim, mas hoje não. Hoje não, porque está um dia tão cinzento e com uma chuva tão ruidosa… Os pingos gritam mais alto do que eu gritaria. Hoje não, porque o meu pequeno rebento está a sofrer e tenho que me manter forte, desperta e concentrada para ele. Ele sofre mas apenas diz “Olá”, sem chorar nem gritar, quando tem todo o direito de o fazer. Apenas se ouve a sua respiração, apenas se sente a sua deslocação para um local calmo onde possa deitar-se e descansar.

 

Hoje, ao contrário de ontem, não me apetece gritar nem ouvir gritos. Só me apetece silêncio para que ele se sinta bem e melhore. Por mais escolhas que façamos, há coisas que simplesmente acontecem e temos que as aguentar sem gritar. Pelo menos hoje… Talvez amanhã, quando passar tudo outra vez, tenha aquela vontade tremenda de gritar em revolta contra a injustiça de um ser tão pequeno se sentir mal. Mas hoje não, hoje só sussurro.

 

Sónia Abrantes

 

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20.2.17

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Foto: Mount-olympus - Unsplash

 

Conta-me, quem assistiu, que o meu primeiro ato de independência, o de respirar, foi assinalado com choro e gritos. Não há aniversário meu sem que a minha mãe e a minha tia não recordem os gritos que arrebataram à calmaria aquela noite fria de janeiro. É redundante dizer que não me lembro, mas não há razão para não acreditar que tudo se terá passado conforme contam. Afinal, ainda que com pequenas variantes, não é assim que todos enfrentamos o mundo, gritando para que nos recebam, reclamando atenção e o direito à vida?

Mas, passado o momento violento da chegada, devo ter confiado rapidamente nos adultos que de mim cuidaram, porque também contam que não fui uma “má bebé” e fui uma criança sossegada.

 

Gritei, e disso já tenho memória, nos intervalos das aulas.

Ao sinal dos professores corríamos para o recreio atropelando-nos uns aos outros e, sem mais demora que o tempo era pouco para a brincadeira, escolhíamos as colegas que queríamos connosco ou contra nós a saltar à corda ou ao jogo das pedrinhas. No extremo do recreio os rapazes organizavam-se e num esfregar de olho lá estavam em grande gritaria a disputar uma partida de futebol. A pacata aldeia ganhava vida com os gritos e as brincadeiras das crianças que apenas as chuvas e os temporais de inverno interrompiam. Na invernia, as encostas dos montes viradas a norte despiam-se para os ventos, ou pelos ventos, e pareciam adormecer. Eu acreditava que descansavam para recuperar forças e exibirem, lá pela primavera, novas searas e novos frutos. Não havia vez que passasse pelo alpendre da casa que não olhasse para essa exibida nudez, tentando vislumbrar o verde, o lilás ou outra qualquer das muitas cores que haveriam de animar novamente o monte e as ruas da aldeia com os gritos da criançada.

Não se distraíam as encostas e, sem atrasos, cumpriam o ciclo. Vestiam-se de verde-claro quando as chuvas medravam as sementes e as obrigavam a rasgar a terra e a mostrarem-se. A semente esvaía-se para dar lugar às plantas que cresciam, e, grávidas de novas sementes trocavam de roupagem e passavam a usar o verde mais carregado. As searas voltavam a ter a minha atenção quando, de amarelo vestidas, ondulavam e sussurravam com a brisa, e aproximava-se junho, época de exames na escola. Mas nem por isso cessavam as correrias e brincadeiras no largo da aldeia.

Do outro lado da rua, por detrás das janelas, as silhuetas da minha mãe e da minha tia movimentavam-se livres e apressadas. Reconhecia as sombras dos meus avós para lá das cortinas por terem movimentos lentos e torpes. Confortava-me esta visão tanto como os gritos de alegria a fingir surpresa por ter sido agarrada no jogo da cabra cega, ou de contentamento por ter ganho o jogo da macaca.

 

Levaram-me um dia à cidade para lá dos montes que rodeavam a aldeia. Subi-os até ao cume e espantei-me por ver que afinal o céu não pousava neles como parecia acontecer a quem olhasse do sopé. Do cimo abriam-se horizontes. Para lá dos meus montes havia outros e muitos, e gentes e outras aldeias e outras escolas e outras crianças a brincar e a gritar nos recreios. Caminhámos durante horas e o mundo pareceu-me imenso. A grandeza da cidade, a pressa das pessoas e o movimento dos automóveis, sufocavam-me e, só por timidez não gritei, sufoquei o meu medo.

Transpus os montes com frequência e um dia não regressei à aldeia.

Tive sempre esta visão romântica da infância e, muitos anos depois, resolvi satisfazer o desejo de regresso. As pedras envelheceram e as casas tinham mingado, as ruas estavam desertas, a escola estava por terra e o recreio era um campo de ervas tristes, dobradas para a terra, envergonhadas por tamanha falta de beleza. As encostas a norte transformaram-se num matagal desorganizado e sem graça. E, por detrás das cortinas que o tempo escureceu, não se viam as silhuetas da minha mãe nem de qualquer outro ente querido. Partiram. Passaram os montes e não regressaram.

Subi de novo aos montes e o eco no silêncio aumentou o meu grito de solidão.

E, neste texto deixo um grito de saudade.

 

Cidália Carvalho

 

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17.2.17

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Foto: Child-sitting - Hans Kretzmann

 

Há alturas em que as formas da pessoa se alteram na sua essência, as cores da sua vida se transformam em tons alternadamente quentes e frios, e os passos que eram determinados são, agora, dados com muita dúvida, com medo e com esforço. Parece que o caminho é indefinido, o corpo teima em não encontrar as suas formas iniciais; o exterior (o ambiente externo ao corpo) está indefinido, incerto e não transmite confiança. Existem tentativas de reconfortar o corpo de modo a recuperar as suas formas, mas sem muito sucesso porque, as forças externas não ajudam nesse imprescindível trabalho. São forças negativas que não empurram para a frente, no sentido de evitar uma gradação de corres chocante. A vida das pessoas não precisa disto…

 

Quando as coisas nos fazem sofrer, nos causam dor, quer dentro do corpo, quer fora dele, o corpo grita; deixa de existir o silêncio dentro do corpo e fora dele, sem dor, sem sofrimento. O grito a que me refiro é esse grito, aquele que surge quando o corpo deixou de ter forma, quando o exterior empurra para traz depois de várias tentativas falhadas de seguir em frente. Encaro-o como uma forma de exprimir um sentimento; desespero; conflito… Quem o faz, fá-lo com um fim libertador. Eu compreendo assim o grito “gritado” aos ouvidos dos outros, mas os gritos silenciosos existem… Como perceber estes? Talvez também o compreenda; o seu problema é não ter som e isso pode torná-lo mais complexo.

 

Ermelinda Macedo

 

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13.2.17

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Foto: Family – LaterJay Photography

 

- Papá, o que é “experimentar”?

- “Experimentar”, filho, é fazer uma coisa nova para saber como é.

- Então, é como fazer uma pergunta?

- Não é bem isso. É mais fazer uma coisa na prática para saber como resulta, para saberes o que acontece depois dela, para saberes o que sentes. Não é só fazer a pergunta, mas será mais procurar a resposta. Entendes?

- Não.

 

- Papá, o que é “experiência”?

- Bem, quando experimentas, aquilo que fazes chama-se “experiência”. Também se chama “experiência” àquilo que ficas a saber depois de experimentares muitas coisas e saberes como elas são.

- Já fizeste muitas coisas, papá?

- Sim querido, já fiz muitas coisas.

- Então, tens “experiência”?

- Alguma…

- Em quê?

- Em várias coisas. Fui experimentando isto e aquilo, fui adquirindo experiência. Entendes?

- Não.

 

- Papá, o que é “adquirir experiência”?

- Ora, é ir experimentando, é ir fazendo experiências.

- E para que te serve isso?

- Serve para orientar a minha vida, para tomar decisões… Entendes?

- Não.

 

- Papá, temos de experimentar todas as coisas?

- Todas, todas, não, mas é bom ter muita experiência. Se tiveres muita experiência saberás mais, tomarás melhores decisões, não necessitarás de fazer tantas perguntas… E há coisas que será melhor que não experimentes.

- Mas Papá, se não experimentar, não adquiro experiência, pois não?

- Não; sim! Quer dizer… Há coisas que são perigosas de experimentar. Entendes?

- Não.

 

- Papá, sabes porque faço estas perguntas?

- Não. Olha, vem ali a Mamã.

- Que bom! Vou experimentar fazer estar perguntas a ela. Entendes papá?

- Não; quer dizer, sim! Bem, vamos ter com a Mamã.

 

Fernando Couto

 

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10.2.17

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Foto: Woman – Dieter Robbins

 

Uma querida professora minha de Yoga, uma senhora já de idade avançada, muito vivida, diz constantemente nas aulas que só quem experimenta é que SABE. Tudo o resto é apenas conhecimento, na mesma muito válido, mas um conhecimento incompleto. Ou seja, por mais que se leia sobre o Yoga e as suas posturas, efeitos, filosofias, só experimentando é que se sabe verdadeiramente o que é. A minha avó, da mesma geração, dizia o mesmo… Hoje, eu sei que é verdade.

Então deixo no ar, assim como uma pequena névoa, algumas questões; e que tal experimentar:

 

Estar deitado no chão, a olhar para o céu, durante a noite mirando intensamente as estrelas, experimentando a força do Universo?

 

Ajudar um estranho, experimentando a força da partilha?

 

Dar o que não usa mais, ou até o que usa mas não precisa, experimentando o desapego?

Tomar uma iniciativa, por mais difícil que seja, experimentado a coragem?

 

Iniciar uma atividade física, experimentando o limite e a evolução que o corpo pode ter?

 

A experiência é a um Ser Humano a viver a sua humanidade. Experimentar a vida, aprender com a experiência, é evolução.

 

Sara Almeida

 

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6.2.17

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Foto: Girl - Unsplash

 

Como já diz o ditado popular: “Se conselho fosse bom, não se dava, se vendia”. Quantas vezes deixamos de ouvir os conselhos de nossos pais ou avós, por considera-los antiquados e desnecessários? E talvez eles realmente fossem em dada altura. É com a nossa própria experiência que aprendemos. Não é por acaso que experiência deriva de experimentação, de conhecer algo novo. Vivenciar, experimentar... É com os riscos da vida e tentativas que acumulamos conhecimento.

É normal um estudante de línguas sentir-se frustrado após estudar alguns anos e quando vai usar seus conhecimentos linguísticos pela primeira vez, sente-se inseguro ou julga não saber nada. A linguagem é um aprendizado dinâmico e somente com prática, com erros e acertos, desenvolvemos as nossas capacidades, também é assim na vida.

 

Ouvir a experiência do outro também faz parte do aprendizado, mesmo que seja para fazer as coisas de uma forma totalmente diferente. No entanto a experiência, como tudo, tem um lado negativo. Quando deixamos de tentar arriscar a fazer algo por conta de uma experiência negativa vivida anteriormente. Temos que aprender com os nossos erros e não simplesmente deixar de arriscar e aprender.

Se algo correu mal, usaremos a nossa experiência para refletir e identificar o motivo. Para que uma experiência seja realmente válida ela deverá ensinar algo, ainda que seja: não se deve fazer assim, procure outro caminho.

 

Leticia Silva

 

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3.2.17

Attractive-Pexels.jpg

Foto: Attractive - Pexels

 

Já não devia acontecer. Porque, ao longo dos anos, vai-se ganhando resiliência, capacidade de encaixe, ou até uma certa indiferença perante determinadas realidades.

E, no entanto, continua a repetir-se: as palavras vêm, inesperadas (a sério que não as esperavas?!), e ferem lá no fundo da alma. Ridículo!

E, apesar da experiência vaticinar que é mesmo assim e que não se pode esperar que seja diferente, lá vem o aperto no peito. E a seguir uma lágrima a querer romper, tonta.

Mas porque razão dar tanta importância às palavras? Afinal, se a importância que tem para uns não tem para outros…

 

De que servem os ensinamentos da vida se permanecemos na ingenuidade de imaginar que vivemos num conto de fadas, em que todos são simpáticos, preocupados em agradar os outros, promovendo a felicidade do próximo só porque sim?

 

Sandrapep

 

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