30.1.15

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CTV News

 

Naquele dia sairam de casa para irem trabalhar. Estavam num país onde se pode escrever sobre quase tudo e brincar com tudo. Há quem concorde com isso e há quem não concorde. Mas chama-se um dos preços a pagar pela democracia e eu, por acaso, gosto disso. Gosto de países em que se podem dizer e pensar dislates e barbaridades e podemos todos pensar sobre isso e até discutir sobre isso durante horas e discordar. E detestava nascer e viver num daqueles sítios onde as mulheres não podem votar nem vestirem-se como querem; ou num daqueles países onde ninguém pode ter opiniões a não ser o ditador lá do sítio; ou onde crianças de tenra idade são postas com uma arma maior do que elas nas mãos e aprendem a degolar quem é diferente em cor, religião, ou ideias. Ou onde pessoas são torturadas ou violadas para corrigir diferentes estilos de vida.

A Europa não é perfeita. Nenhum país no Planeta é perfeito. Mas há locais onde somos mais livres e mais felizes, e muita gente sai dos seus países para vir viver melhor para estes locais. E podem. E devem. E por mim, são bem-vindos.

Mas eu não quero que a Europa seja muçulmana. E quem ache que devia ser, em vez de vir para cá usufruir de uma vida melhor e depois, querer destuir a essência dos locais onde foram recebidos, bem que podia ficar na sua terra, não é? Se lá está tudo tão bem, saíram porquê?

Doze pessoas saíram de casa naquele dia para irem trabalhar e voltaram para as famílias em sacos, em pedaços. Estavam em Paris e pelos vistos, agora em Paris já se tem que ter cuidado com a liberdade de expressão. Porque há franceses que só são franceses porque os seus pais foram acolhidos mas, agora, têm filhos que acham que está tudo mal nos locais que os receberam. A mim parece-me mal, muito mal e muito grave. Novamente, podem sempre ir embora, para o fundamentalismo que tanto lhes agrada, não é? E muitos vão, só para voltarem armados e perigosos e vingativos.

Há mais casos, muitos mesmo, a virem-me à cabeça. Este é só o mais recente. Eu não tomo a parte pelo todo, mas também já tenho medo e já olho por cima do ombro. Já não me sinto descansada. Sinto-me inquieta, por mim e pelos meus amigos e familiares espalhados por países supostamente livres, onde foram recebidos imigrantes que, agora, dez, vinte, trinta anos depois, cospem na mão que os alimentou.

Não são todos, nem sequer a maior parte, mas nunca se sabe de onde vai surgir o próximo. E já não são só os africanos ou os asiáticos ou quaisquer outras minorias a ter medo, somos todos porque pelos vistos já não somos livres de viver pelas nossas próprias regras. 

O Racismo nasce da falta de respeito por aqueles que são diferentes de nós. E do Medo dessa diferença.

Eu só queria paz e amor e respeito por todos. Já sei, é um clichê. Mas é também verdade.

Perceções sociais e diferenças biológicas hão de existir sempre. O que era excecional era vermos o fim das convicções de superioridade de uns em relação aos outros.

Podemos ser todos diferentes e aceitar isso, brindar a isso, aproveitar as mais-valias, as trocas de ideias. Podemos todos, apenas e só, aceitar-nos uns aos outros e, se formos ousados, aprender coisas novas.

Rematando assim à John Lennon, que era casado com a Yoko Ono:

 “Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace...

 

You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you will join us
And the world will be as one.”

 

Laura Palmer

 

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28.1.15

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A história do planeta está pautada por múltiplos conflitos de base discriminatória, em que o racismo é um deles, extremamente significativo por sinal.

É incrível como o homem pode usar a sua inteligência para destruir e segregar. Na base de qualquer discriminação, seja ideológica, social, ou étnica, está o preconceito e a incompetência empática, alimentadas pela supremacia de interesses políticos e económicos, que originam as justificações simbólicas das diferenças entre povos. Veja-se a ridicularização propagandista acometida contra os judeus, na época do Holocausto, o desarraigar de direitos no Apartheid, a desumanização imposta a escravos e prisioneiros de guerra, ao longo dos séculos e épocas históricas.

As diferenças culturais são ótimos estimuladores ao desenvolvimento humano e, por isso, na minha opinião, a miscigenação e o diálogo intercultural são muito bem-vindos.

Cabe a cada um perceber a manipulação que está por detrás de qualquer movimento discriminatório e encetar medidas de eliminação do preconceito, através, por exemplo, da aproximação deliberada e sistemática a pessoas e grupos diferentes de si. Teremos, certamente, muito a aprender e notaremos que, por dentro, somos todos iguais, e que é muito mais o que nos une, do que o que nos separa.

 

Marta Silva

 

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26.1.15

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Certo dia a professora chega à sala e, seguindo uma nova resolução no âmbito da promoção da igualdade, determina: “Aqui não há pretos nem brancos – são todos azuis!” Assim concluindo: “Azul-claros, cá para a frente; azul-escuros, lá para trás.” – E todos riem da piada, talvez pelo ridículo deste comportamento altamente retrógrado ou, quiçá, por um sinistro reconhecimento inconsciente com a sua própria pessoa. Então, seguem as suas vidas alegando que o racismo é incorreto e, se acaso viram costas a um negro que vagueia nas ruas, é somente porque os pretos são perigosos; se não evitam uma cara de repulsa ao aproximar-se de um bairro de ciganos, ninguém negue que aquela gente vai vivendo à nossa custa sem trabalhar; se, numa distração momentânea em que a mente foge ao corpo, saem da loja dos chineses com uma caneta a mais no bolso, então nada fazem que não seja bem merecido para os que arruínam o comércio local. E o mundo vai andando.

Racistas de peito cheio vão diminuindo a cada dia – de facto, quem levantaria o braço quando chamados aqueles de ideias estereotipadas, atitudes irracionais e comportamentos emotivos? Não poderá ser o racismo, no fundo, a isto resumido? Há, sem dúvida, algo que para ele são essenciais: os estereótipos que a humanidade foi criando e que, aos poucos, subtilmente, em cada homem se foram incrustando. Os estereótipos são simplesmente fáceis; são como que a categorização já feita acerca de quem se cruze no nosso caminho, são a palavra já escrita sobre quem essa pessoa é. Eventualmente, estas ideias preformadas tomam-se pela classificação já dada, pela decisão já tomada de como proceder perante alguém. Classificações fáceis e trabalho adiantado – não é tanto o que se procura nestes dias? Põem-se, no entanto, as seguintes questões: quando a nossa mente tão livremente recolhe estereótipos e assim a nossa ação toma por tão forte base o preconceito, o que é que, ali, é a nossa individualidade a ganhar vida? Que parte, efetivamente, do outro, é que vemos à nossa frente?

Todo o estereótipo tem por base preconceito, e este, como qualquer outro conceito que da consciência nasça, tem motivos que à vida o trouxeram. Não terá sido ao acaso que se formularam as ideias que cada comunidade partilha acerca dos que vêm de fora. Todavia, aí está um ponto importante – os que vêm de fora. Todos os preconceitos se desenrolam em volta de algo que é exterior e, portanto, estranho. Ora, se o que é estranho ao homem sempre causou medo ou aversão, também do que é desconhecido brotará a mais autêntica beleza da singularidade. Ao categorizarmos um grupo de determinada maneira e afastarmos cada um que a ele pertence, perdemos não somente um todo diferente que uma nova cultura nos pode ensinar, mas, mais que isso, rejeitamos indivíduos que, sendo nada mais que eles próprios, são no fundo tão únicos como nós.

Quando a nossa mente tão livremente recolhe estereótipos e assim a nossa ação toma por base o preconceito, que parte do que é verdadeiramente o outro é que vemos à nossa frente? Se percecionamos um grupo somente, perdemos o espetáculo que em frente de nós brilha. Porque mesmo que as estatísticas mostrem uma relação entre os negros e a criminalidade, mesmo que os ciganos não descontem para os impostos ou mesmo que tanta gente escolha as lojas do chinês por escassas posses e possibilidades financeiras, ao virar costas a alguém só por fazer parte desses grupos, é pura e simplesmente a um ser humano, com toda a sua unicidade, que viramos costas. Se maltratamos alguém, é a uma pessoa que nos dirigimos – sangue vermelho, emoções próprias, complexidade pura como em qualquer outro. Serão eles algo assim tão estranho?

Um dia a professora chegará à escola e dirá que cada menino azul-escuro se deve sentar ao lado de um menino azul-claro e então cada um deles verá que andou a empurrar uma grande parte da vida para o lado. Um dia, quando a lógica, o bom senso e a compaixão se entranharem no âmago destas almas que vagueiam pelo mundo, talvez os homens deixem de agir sobre estes preconceitos racistas, impulsiva e irracionalmente. Afinal, dizer que não gostamos de algo nunca é tão saboroso como tentar compreendê-lo.

 

Isabel Pinto

 

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23.1.15

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Amei-te assim que te vi.

O teu olhar doce e vivo.

O teu sorriso branco e sincero.

A forma como escutas todos os que precisam de atenção.

Os abraços que distribuis indiscriminadamente.

O amor que transmites a todos os seres,

A tua infinita paciência.

A compaixão que demonstras pelos que têm a alma tão ferida.

O tempo que dedicas a tocar os milhares de almas que se inspiram em ti.

Porque passas horas e horas a abraçar pessoas que sofrem, que vêm daqui e dali, que rezam a deuses diferentes dos teus e não são da tua cor. Mas não é isso que importa. São seres. E são seres humanos. É quanto basta para lhes dares a tua força. E nem deverias ser amada por tudo isto, porque o que fazes todos deveriam fazer também. Afinal, amar o próximo é que devia fazer de nós Humanos!

(este texto refere-se a Amma, a santa dos abraços)

 

Sara Almeida

 

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21.1.15

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Na aldeia onde nasci, cada nascimento era celebrado durante vários dias. As famílias rejubilavam em uníssono, como se a criança nascida pertencesse visceralmente a toda a comunidade. Sentiam, sobre ela, uma quota-parte de amor e responsabilidade e, com ela, esperança renovada no futuro. Morriam muitas crianças naquela época, cada nado morto cobria a aldeia com um pesado manto de desalento e dor. A perda era chorada durante semanas, em absoluto silêncio, e genuinamente sentida em todos os lares. As crianças que vingavam eram acarinhadas e protegidas por todos, conscientes da preciosidade daquelas vidas; mas no dia em que eu nasci, não houve festa na aldeia. Chegaram a pensar que eu tinha morrido mas, rapidamente, os ventos da informação confirmaram um destino pior que a morte. Houve até quem comentasse que, uma criança nascida no seio de um casamento não abençoado, só podia ser uma aberração. Com toda a certeza eu era o castigo enviado pelos deuses, pelo dia em que “o meu pai ousou gritar aos céus e desafia-los”.

 

Incapaz de falar, a minha mãe desejou que as horas seguintes ao meu nascimento fizessem o milagre que o parto havia falhado. Assustado pelo relato inflamado das tias da minha mãe, ou do que foi possível perceber entre gritos e lágrimas que duraram horas, o meu pai não me quis ver. O tempo também não ajudou pois, passadas três semanas da minha chegada ao mundo, todos tinham finalmente percebido que eu era “uma coisa estranha e deslavada”. Nessa altura, curiosamente, o meu progenitor deu de marcha e abandonou-nos aos dois, em casa dos meus avós. Uma semana depois, os meus avós paternos puseram a minha mãe na rua e, apenas por caridade, deixaram-me ficar. Sabiam que a minha mãe não tinha como sobreviver sem meios, sem marido e com uma criança pequena e tão diferente. Os anos seguintes foram tudo menos infância: nunca brinquei com outras crianças, nunca fui à escola; nunca tive um vestido novo, um beijo de boas noites, um abraço que não doesse. Nunca soube o que era sentar-me e jantar em família, com um prato farto, só meu. Eu comia o que sobrava dos pratos de todos, no final das refeições. Esperava até que me chamassem, comia o que tivesse restado e arrumava a cozinha. Ficava feliz quando conseguia dormir sem ninguém me bater. Quis tanto pertencer. Quis tanto entender porque não me amavam. Cheguei a pedir que alguém me explicasse porque havia sido amaldiçoada com esta cor horrível que me fazia tão diferente de todos. A simples menção do tema chegou a valer-me algumas tareias, vezes suficientes para ter deixado de perguntar – mas nunca de querer saber.

 

Quando fiz 15 anos a minha avó pôs-me na rua. Disse-me que eu já era adulta e que estava na altura de “tratar da minha vida”. Estava tão assustada. Se a minha família não me aceitava, como poderia o resto do mundo gostar de mim?

Sai da aldeia, andei perdida. Vivi os três anos seguintes, completamente sozinha, sem um teto, sem um prato de comida, sem dinheiro, sem nunca me ter sentido pessoa. Num dia cinzento, em que a fome era tanta que dei por mim a sentir ternura pela minha família, decidi pôr fim à vida, certa de que o resto da minha existência seria um sofrimento pegado. Estava cansada de ter medo e de ser diferente. Queria saltar para o desfiladeiro e desaparecer, sem deixar rasto. No dia em que subi à montanha para o fazer, algo extraordinário aconteceu. Uma rapariga aproximou-se, agarrou-me os ombros e fez-me voltar com violência. O que vi deixou-me perplexa: ela era como eu. Nunca tinha visto ninguém igual a mim. Disparei: “mas tu és amaldiçoada como eu... Como podes sorrir dessa maneira? És parva ou quê?” Desta vez, foi ela que se surpreendeu. Lenta mas firmemente, foi-me afastando do precipício enquanto me falava da sua família. Disse que vivia ali perto e que sempre tinha conhecido gente igual a nós. Mais? Havia mais pessoas como nós no mundo?!

A partir deste ponto da história, a narrativa seria longa e até um pouco confusa mas na verdade, tudo o que importa dizer é que, naquele dia, a Isabel salvou- me a vida.

Aquela miúda levou-me para sua casa e conduziu-me a uma sala em que, pela primeira vez, ninguém me cuspiu na cara ou desviou os olhos quando eu entrei. De repente ser branca não era um castigo. Era apenas ser eu própria. Sem medo. Sem vergonha. A primeira vez que estive no meio de uma multidão e ninguém me viu, foi a coisa mais extraordinária que alguma vez tinha sentido. No entanto, apesar de tantas bênçãos, de tanta partilha, senti-me muito revoltada. Quanto mais aprendia sobre a tolerância, o amor, a dádiva e o respeito; mais me doíam as coisas passadas. Quanto mais aquela família maravilhosa me amava, mais eu percebia o quanto a minha própria família me tinha desprezado. E doeu, doeu muito, durante muito tempo, aquilo que me haviam roubado e que eu nem sabia ser um direito meu. Quis grita-lo a todo o mundo para que ninguém passasse pelo que eu havia passado.

Ao longo dos anos a paz foi-me, intermitentemente, visitando. Um dia, senti-a abraçar-me debaixo da pele e, não sei se por isso, se por outra razão qualquer, não voltou a partir. Nos alicerces da pessoa que crescia em mim, foi deixando de haver lugar para dores passadas, gritos ou revolta. Hoje a minha paz não tem cor nem barreiras. Não tem ira nem feridas profundas, exceto quando as reconheço noutro ser humano. Ainda não sou imune à dor que sinto nos outros, não sei se alguma vez serei. A minha serenidade tem cicatrizes que me lembram que fui mais forte do que tudo que já me feriu, mas que não me dilaceram mais. E partilho-a para que outros a sintam também. Para que saibam que o amor vê para lá da cor da nossa pele, do nosso sangue, das nossas crenças, dos nossos bens, dos nossos erros.

Se usasse um letreiro sobre a cabeça quando caminho na rua, gostava que este dissesse, simplesmente:

“Abraço almas, sorrisos e emoções. Não tenha medo. Sofro de daltonismo cutâneo.”

 

Alexandra Vaz

 

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19.1.15

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Num final de tarde abrasador percorria nervosamente umas ruas sujas, virava freneticamente ora para a esquerda ora para a direita, preocupada apenas em permanecer invisível.

Apesar do tempo, vestia um casaco de manga comprida, tinha o capuz enfiado na cabeça, até aos olhos, as calças eram enormes e espessas, e nos pés, uns sapatos que espelhavam os milhares de quilómetros que tinham percorrido. Sentia-me a sufocar com tanto calor, escorria-me o suor pelas costas criando uma sensação de alfinetadas, à medida que me mexia, onde a fazenda roçava. Tinha a perfeita consciência que não poderia expor-me e olhava de soslaio procurando um sítio onde pudesse acalmar a sede que me queimava a boca, e repousar o corpo que começava a exibir sinais de uma rutura iminente. Mas para onde quer que olhasse sentia que havia perigo, tinha de aguentar a sede e o desconforto.

Não levantava os olhos do chão mas sentia o temor do que pudesse ver, seguia por onde me parecia possível, olhando para cada pedra e para cada pedaço de lixo como uma possível ajuda.

O meu coração batia tão depressa que o barulho estava a deixar-me surda e cada vez com menos força para seguir, seguir em frente, onde quer que isso fosse. Estava em pânico, muito perto do abismo, sem opções, encurralada, ali assim, sozinha e desamparada. O sabor a ferro na boca fez-me ganhar um pouco de força, ainda estava viva, o sangue ainda circulava nas veias...

Pensei em correr, mas estava tolhida de medo, não sabia para onde ir, tudo me parecia arriscado, violento. Senti que a dor me trespassa a alma, fugia, tinha de continuar a fugir, estava a ser perseguida há tanto tempo que perdera a noção. Passei a minha vida a fugir!

Tinha a adrenalina a percorrer todo o meu corpo dando-me energia para me esconder, continuar a fugir e, talvez, quem sabe, mais uma vez conseguir sobreviver.

O medo, o temor e o pavor percorriam o meu corpo como um choque elétrico e não aguentava as minhas emoções que explodiam em forma de vómito.

Sentia as lágrimas a escorrerem pelo rosto e, numa derradeira forma de revolta, tentei manter alguma dignidade e gritei, gritei o mais alto que podia. Pedi ajuda, que alguém me ajudasse e me tirasse dos braços daquele terrível pesadelo...

Mas continuarei a fugir, a esconder-me, a viver aterrorizada, por causa da cor errada da minha pele ou por causa da minha religião. Vivo com medo, e continuarei a viver com medo de morrer nas mãos daqueles que se consideram certos. A fugir de um inimigo cruel a quem não conheço o rosto, um inimigo invisível que pode ser qualquer um, basta partilhar os mesmos preconceitos.

Enquanto prevalecer quem julga que uns são e outros não, terei sempre medo e andarei sempre amedrontada, a fugir do racismo dos outros.

 

Susana Cabral

 

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16.1.15

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No princípio, na barriga da mãe, não temos conhecimento de nada, não temos dúvidas, não temos medo de nada. Estamos seguros.

Logo a seguir começamos a experimentar sensações novas, a começar pelo choro inicial, que nem sempre conseguimos enquadrar de imediato ou a prazo. Apanhamos sustos, precisamos do conforto e do aconchego da mãe, dos que nos são próximos, que nós conhecemos e em quem confiamos, para acalmar e nos sentirmos seguros.

Basta, tantas vezes, antes mesmo de uma palavra ou de um gesto de carinho, uma troca de olhares. O que não acontece quando é de noite ou por qualquer motivo está escuro e, por isso, não vemos o que nos rodeia.

Ganhamos medo do escuro. [expressão interessante esta, utilizada no contexto do racismo, quando vinda de um ariano...]

Diria, assim, que o racismo é um pré-conceito ancestral que se instala e cresce com base na incompreensão, na falta de conhecimento, que gera medo ou, pelo menos, insegurança. Pode basear-se em sentimentos de superioridade ou de inferioridade, mas tem como consequência determinante a falta de aceitação da diferença, de tal modo que mesmo quando se conhece e convive dia-a-dia com os diferentes, seja em sociedades resultantes de uma miscigenação secular, seja pela globalização que a facilidade de viajar, a televisão, a Internet proporcionam, mesmo assim continua a existir racismo, xenofobia, discriminação com bases étnicas ou religiosas.

Aparentemente estamos todos em contacto uns com os outros, já não estamos isolados, podemos compreender-nos, aceitando-nos a partir da diferença; na realidade esta será apenas uma camada superficial, translúcida e fina, mas resistente como a casca da cebola, mantendo-se o preconceito nuclear.

Continua o desconhecimento, a incompreensão, o medo do escuro, talvez menos disseminado, mas igualmente gerador de conflitos e de afastamentos.

Há que acender a luz de todos os lados, contribuir para erradicar a sombra, onde se instala o preconceito.

 

Jorge Saraiva

 

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14.1.15

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Era uma vez um cão, que nasceu de sua mãe, mas ainda pequeno foi levado para uma casa de seres humanos, que o acolheram como novo elemento da sua família. O cão cresceu no seio desse lar e logo se apercebeu das diferenças que existiam entre si e seus cuidadores. Desde as diferenças físicas, até a maneira de se comunicar, de fazer as coisas, dos gostos e até aquilo a que davam valor. Via que, por exemplo, os seus donos gostavam muito das coisas que possuíam, enquanto ele, adorava aqueles momentos em que lhe afagavam a cabeça, rebolava na relva, e corriam consigo na praia. Embora diferentes, o cão sentia que fazia parte, a seu modo, daquela família. E gostava deles, apesar das diferenças.

O cão foi ensinado que ele era diferente dos outros animais. E ele sabia-o. Era diferente. Ele não era um gato, como a gata da vizinha. Nem um coelho, como o da prima. Nem mesmo um pássaro, como o papagaio do avô. Era um cão. Com necessidades diferentes. E com instintos diferentes. Foi ensinado que o cão caçava gatos e coelhos. E que os gatos, por exemplo, caçavam pássaros. Era assim desde o início dos tempos. Por isso, cada um devia estar no seu canto. Cada um tinha a sua raça. Porque era essa raça que os fazia diferentes. Eram espécies diferentes. Logo, haviam de ter maneiras diferentes de estar e nunca seriam amigos, porque a sua natureza diria o contrário.

Certo dia, a vizinha da sua família humana adoeceu. Foi para o hospital. A vizinha, era uma senhora idosa que nunca tinha tido filhos e tinha uma gata já há bastantes anos, que viera substituir a sua solidão. Mas a gata não podia ir para o hospital com a idosa. Sem familiares próximos, a vizinha pediu à família do cão que ficasse uns tempos com a sua gata, até ela recuperar. A família ficou um pouco nervosa porque tinha medo que o cão e a gata da vizinha não se dessem bem. Afinal, os cães e os gatos não foram feitos para gostarem uns dos outros. Eles são diferentes. Um é o predador e o outro é a presa. Mas, como tinham pena da idosa, lá aceitaram receber a gata dela em casa.

Quando o cão viu a gata, a sua primeira reacção foi ladrar-lhe. E a gata, por sua vez, eriçou o pelo e pôs as garras de fora. Afinal eles eram de raças diferentes e tinham sido ensinados que não deveriam gostar um do outro. Por isso, era normal comportarem-se assim. A família, ao ver esta reação, achou melhor separá-los. Assim evitaria conflitos. Passaram-se então alguns dias e o sossego reinava na casa. O cão continuava no seu espaço e a gata confinada a um quarto. Porém, um dia, distraídos pela pacificidade da casa, os humanos deixaram a porta do quarto da gata aberta. Ora a gata era muito curiosa, como todos os gatos são. E decidiu explorar a casa dos humanos para se distrair das saudades da sua dona. Ao passar num corredor deu de caras com o cão. Tomou tamanho susto que subiu pelas paredes. Sempre ouvira falar que todos os cães eram maus. O cão, que também não esperava este encontro, assustou-se com a agilidade da gata e começou a ladrar, o que chamou a atenção dos humanos. Eles correram e deram com a gata em cima de um dos móveis e o cão a ladrar em baixo do mesmo. Foi então que os humanos decidiram que tinham de fazer alguma coisa. Assim, disseram ao cão que não podia fazer mal à gata e pegaram na gata e disseram-lhe para não ter medo do cão. A partir desse dia nem o cão nem a gata, de cada vez que se viam, faziam qualquer coisa. Ficavam apenas a olhar um para o outro como se estivessem a observar cada movimento. Ainda sentiam um nervosismo mas não se atacavam.

Mais dias passaram, e o cão sentado aos pés da sua família, observava a gata nos seus movimentos felinos, tão diferentes dos seus. Ela passava muito tempo a olhar pela janela, talvez com saudades da dona. Mas o que o cão achava mais curioso era a capacidade da gata de fazer malabarismo. Conseguia andar nos sítios mais estreitos e nunca se magoava quando saltava de sítios altos. Ele nunca seria capaz daquilo. A gata, por sua vez, quando estava na janela a ver os carros passarem lá fora, olhava muitas vezes de esguelha para o cão e via-o sempre deitado aos pés da sua família. Via como as crianças da família lhe puxavam o rabo, saltavam para cima dele, lhe mexiam nas orelhas e ele continuava, ali, pacífico e disponível. Admirava a sua tolerância. Se fosse ela, já teria subido pelas paredes.

Pouco a pouco, quer o cão quer a gata, começaram a descobrir mais coisas um do outro. E, afinal, todas aquelas histórias que se contavam acerca dos cães e gatos não eram assim tão verdadeiras. Claro que eram seres diferentes, mas não eram assim maus como contavam. Quer um quer outro pensavam como seria ser cão ou gato por um dia, respetivamente. Secretamente, até gostariam de ter as capacidades um do outro. Aos poucos foram percebendo, que, afinal, já não tinham razões para desconfiarem um do outro.

Assim, passaram a reunir-se junto dos humanos no sofá e lá ficavam juntos, pacíficos, a ver televisão.

Certo dia, antes da gata regressar a sua casa, estavam os dois a ver as notícias e a ouvir os humanos, quando um deles diz: Aqueles homens são mesmo racistas! Os dois ficaram atentos à palavra racista. Comentaram um para o outro:

Devem ser como nós, há uns tempos atrás! Racistas que éramos! Eu defendia a minha raça felina, dizia a gata, e tu, a tua canina! Qual será a raça que aqueles humanos da televisão não gostarão? Perguntou o cão. De repente ouviram os humanos lá da casa comentar: Já viste o que eles disseram e fizeram àquelas pessoas, só por causa da cor da pele? A gata e o cão entreolharam-se admirados! Pessoas?! Exclamaram ao mesmo tempo! Mas eles não são todos humanos? Ficou surpresa a gata. Pensava que estavam a falar de espécies diferentes, mas afinal falam da mesma raça! O cão, admirado também, exclamou: imagina que eu não me dava bem com os meus amigos cães, só porque uns têm o pelo claro, outros curto, outros preto, e tantas outras formas diferentes que temos! E, soltou um riso ao pensar o quão estúpidos os humanos podiam ser! A gata olhou para ele e disse: pelo menos tivemos sorte de sermos acolhidos pelos nossos donos, que embora humanos, nos acolheram a nós, tão diferentes deles, como família!

 

Cecília Pinto

 

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12.1.15

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Racismo consiste no preconceito e na discriminação com base em perceções sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos. Muitas vezes toma a forma de ações sociais, práticas ou crenças, ou sistemas políticos que consideram que diferentes raças devem ser classificadas como inerentemente superiores ou inferiores com base em caraterísticas, habilidades ou qualidades comuns herdadas. Também pode afirmar que os membros de diferentes raças devem ser tratados de forma distinta.

Racism Oxford Dictionaries,"Racism" in R. Schaefer. 2008 Encyclopedia of Race, Ethnicity and Society. SAGE. p. 1113, Newman, D. M.. Sociology : exploring the architecture of everyday life. 9th. ed. Los Angeles: SAGE, 2012. p. 405. ISBN 9781412987295.

 

E o racismo existente dentro da mesma raça?

Extremamente subtil e traiçoeiro...

Num dos meus passeios pela famosa rede social tive a oportunidade de ler um artigo intitulado de "Vampiros Energéticos". Palavras aparentemente com bastante assertividade e de real valor para muito do público que comentou e para mim, há uns anos atrás. Basicamente esta crónica sugeria que nos afastássemos de pessoas que nos sugavam a energia e nos deixavam num estado depressivo pela sua negatividade perante a vida. E automaticamente meditei sobre esta postura, se correta ou não, no meu ponto de vista... Ninguém gosta de estar ao lado de pessoas com um registo energético negativo, óbvio. Mas pergunto, onde está o Amor, sim o verdadeiro Amor pelo nosso amigo, colega ou mesmo um desconhecido que se cruzou connosco? Não será mais humano e compassivo aprendermos a proteger-nos deste tipo de energias do que fugir do nosso "irmão"? Claro que sim! Uma boa energia, amigável, carinhosa, atenciosa, pacífica, de bem com a vida, derrete qualquer coração.

Esta é a chave para mudarmos o Mundo, trabalhando o nosso corpo energético, purificando os pontos negativos em nós próprios para desta forma contagiar-mos aqueles que, por diversas razões, espalham negativismo. E desta forma temos a capacidade de abrir os nossos braços a todos que estão tristes, depressivos, que inconscientemente se queixam de tudo...

O processo de purificação não é fácil, estamos constantemente a ser postos à prova com diferentes provações, onde respondemos muitas das vezes sem refletir, nublados em nervosismo, desmotivação, ansiedade, stress, medo, anos e anos no mesmo registo. As técnicas para purificar existem e funcionam, se for essa a nossa real vontade. E se o fizermos com a consciência do Todo, mais rapidamente podemos descobrir que somos capazes de realmente viver a espalhar Purpurinas de Paz.

 

Joana Pereira

 

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9.1.15

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Era uma vez uma menina branca, que vivia num bairro multicultural, onde co-habitavam pessoas vindas dos mais variados locais e de diferentes etnias: cabo-verdianos, angolanos, ciganos, portugueses, guineenses ou gui-guis, …

Esta menina era portuguesa, filha de pais angolanos mas mandados embora de Angola por lá dizerem que não eram angolanos. Pessoas da terra de ninguém, portanto, como milhares de outros que na década de 70 vieram para Portugal como retornados, mesmo nunca tendo pisado o solo português.

Nesse bairro todas as crianças aprenderam a viver nesta multiculturalidade, mas era mais fácil quando ainda não percebiam algumas conversas de adolescentes e adultos, quando ainda estavam na inocência da infância.

Com a idade a aumentar, começaram a ouvir falar da Geração Rasca, à qual pelos vistos pertenciam. Começaram a estar envolvidos em Projetos Escola com temas como Todos diferentes, todos iguais. E ouviram, pela primeira vez, o termo racismo.

A menina, agora rapariga, começou a perceber que o seu bairro era diferente de todos os outros bairros e percebeu que, quando saiam do bairro, os seus amigos com pele mais escura não eram olhados da mesma forma que olhavam para ela.

Chegou a idade dos primeiros namoros e o seu primeiro namorado foi um rapaz negro ou preto ou… como se queira chamar, pois muitas são as teorias sobre o termo que só serve para caraterizar fisicamente uma pessoa.

Quando contou aos pais brancos, mas vindos de África e angolanos de nacionalidade, com um dos ascendentes preto também, a reação não foi a melhor… Agora, adulta, longe de toda aquela confusão de sentimentos, a rapariga percebe que os seus pais estariam magoados com a cor do povo que os expulsou da sua terra, mas na altura, só pensava “racistas! Os meus pais são racistas!”, como se isso fosse a pior coisa que lhe tinha acontecido.

Agora a questão é: quem é racista afinal?

O tempo foi passando e, naturalmente, a vida afastou-a daquele bairro. Começou a dedicar-se à escola e a dar importância ao futuro, afastando-a dos amigos da infância e da adolescência. Por algum motivo os membros daquele grupo multicultural de amigos, foram seguindo caminhos distintos, alguns menos positivos: mães aos 13 anos, presos aos 15 anos, …

Seria um rótulo pré-definido à nascença pela cor da pele?

A menina branca e os seus amigos que ainda hoje respeita e adora, cresceram no mesmo ambiente de rua, no bairro.

Porque motivo ela seguiu um caminho com mais oportunidades que eles?

Ainda hoje ela não percebe isso, mas tem a certeza que viveu a amizade em pleno e que aquelas crianças, e depois adolescentes, o viveram também, e eram todas iguais.

 

Sónia Abrantes

 

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7.1.15

Capulanas.jpg

 

Juntei-me ao grupo no preciso momento em que António acusava um dos amigos de ser racista por se opor ao casamento da filha com um homem de outra raça.

O outro defendia-se dizendo que isso não era racismo, era evitar um final infeliz porque ao putativo noivo ser-lhe-ia muito difícil aprender a cultura e o modo de viver da filha e da sua família.

- Mas, porque é que há de ser ele a ajustar-se à cultura dela e não ela à cultura dele? Perguntava António.

- Porque ela pertence a uma sociedade mais desenvolvida e o nivelamento deve ser feito por cima e nunca por baixo. Respondia o outro.

As considerações à volta do tema prosseguiam com um a defender-se das acusações do outro, e este outro, a defender o noivo com tanto paternalismo que, não deixava margem para dúvidas, revelava não lhe reconhecer capacidade para resolver os seus próprios problemas.

Percebi da discussão que, no imediato, os jovens de que falavam, para poderem ser um casal, teriam que matar o passado de um deles. Um deles, o mais fraco aos olhos da sociedade, teria que renunciar a tudo o que foi no passado e recomeçar numa nova comunidade sem história pessoal, familiar e cultural. Mas se no imediato essa seria a solução, por quanto tempo ela serviria? Quanto tempo levaria para que o amputado de identidade e referências se revoltasse e exigisse a reparação dos danos?

Fujo de discussões inflamadas. Os contendores não ouvem nem se fazem ouvir. Não pretendem aprender mais do que já sabem, se é que sabem alguma coisa, e todo o esforço é para que no final da discussão o adversário acabe vergado. As discussões acabam no ponto onde começaram, nas certezas inabaláveis de um conhecimento acima da normalidade. Não há vencedores nem vencidos, apenas intolerantes travestidos de grandes conhecedores de causas e efeitos.

Mas esta discussão teve a particularidade de me transportar até Moçambique, onde vivi há cerca de 30 anos. Perdi-me nas minhas memórias e revivi a chegada a um país recém saído de um sistema colonial. Fui para lá com um objetivo diferente do dos meus antepassados, estava empenhada no processo de renascimento de um novo país e era importante mostrar essa diferença. A minha empregada foi convidada a comer à mesa mas, o que para mim era natural, a ela causava-lhe um enorme constrangimento, de tal forma que não conseguia comer. Quando as refeições terminavam sentava-se no chão da cozinha e comia a dose de arroz como sabia, com as mãos. Lembro-me de que decorei o chão da minha casa com esteiras. Mais ou menos coloridas, simples ou trabalhadas, cumpriam na perfeição a função de tapetes. O problema é que a Laurinda, assim se chamava a minha empregada, não passava por cima delas. Só percebi porquê quando soube que a cama dela era uma esteira, naturalmente que ela não pisava em cima da cama, eu também não ando em cima da minha. Com o tempo deixei de estranhar e aprendi a gostar do pano que a envolvia e que dava pelo nome de capulana. Admirava as figuras geométricas feitas na carapinha e não lhe criticava os sulcos feitos no rosto tão usuais na sua tribo de origem.

A esta altura das minhas recordações já os meus amigos se espumam de ira e paixão na defesa dos seus pontos de vista que, no meu entender, não são muito diferentes. Se não estivessem tão exaltados já teriam percebido que estão muito próximos um do outro na reação às diferenças, um declara abertamente que quer distância dos que são diferentes, o outro defende-os com tal fundamentalismo que é tão triste e assustador como o primeiro.

As diferenças provocam-nos curiosidade, mas na hora da decisão, optamos por favorece o que nos é próximo e semelhante, mas isso não deve diminuir ninguém. Por mais beleza que visse nas trancinhas e nas capulanas da Laurinda, optei por me manter fiel aos meus cabelos lisos e a usar calças e saias; na época, como agora, não me imagino a comer arroz com as mãos, sentada no chão da cozinha. A minha curiosidade pela cultura e tradições da Laurinda nunca passou de observação, admiração em alguns casos, mas em todos, muito respeito. E foi assim que viver em Moçambique resultou numa sã convivência e numa experiência gratificante.

Não contei aos meus amigos as minhas recordações, são apenas pequenas experiências sem significado nem importância para a resolução do racismo no mundo.

 

Cidália Carvalho

 

 

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5.1.15

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Racismo é palavra que me soa a arcaísmo, palavra em desuso que nunca deveria ter sido inventada. Mas é ingenuidade minha pensar assim, uma vez que é um tema que continua a passar nos telejornais (e um pouco por todo o mundo, sem que o Mundo saiba).

Fui saber: no dicionário, racismo é definido como uma teoria que defende que uma raça é superior às outras e, por isso, julga ter o direito de oprimir, inferiorizar ou até mesmo dizimar as outras.

Para quem, como eu, abomina a ideia de que alguém seja capaz de discriminar outrem pelo seu tom de pele, pela sua etnia, pelas suas diferenças físicas ou culturais, não há nada de novo que eu possa acrescentar.

Mas, para quem persiste neste pensamento (e possível comportamento), eu convido a realizar o seguinte exercício:

Pensa nalguém que amas muito. O teu pai ou a tua mãe. O teu filho ou filha. O teu namorado(a) ou esposo. A noite termina com um beijo de despedida e um “até amanhã”. Dormes. Acordas e vais rever essa pessoa, dar-lhe “os bons dias”. E quando a encontras, vês que a pessoa que amas amanheceu com a pele castanha. Ou com os olhos rasgados. Ou com uma indumentária nada caraterística. Ou com um novo sotaque.

O que acontece ao amor que tens por ela? Como a vais tratar daqui por diante? É a pessoa que tu amas, é a mesma pessoa de sempre, só que está diferente.

E, terminado o exercício, talvez percebas (como eu gostaria!) que ser diferente por fora não muda o quanto nos parecemos todos por dentro. E que ser diferente não é ser inferior ou menos válido. E que todos pertencemos à mesma raça: a humana.

 

Sandrapep

 

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2.1.15

JovensDoMundo.jpg

 

Historicamente o termo estigma, criado na Antiga Grécia, refere-se a marcas físicas aplicadas no corpo, com as quais se pretendia evidenciar alguma coisa negativa sobre o estatuto moral de quem as possuía. Goffman (1988) diz-nos que estas marcas eram feitas com cortes ou com fogo e atestavam que o portador era escravo, criminoso ou traidor, indicando grupos excluídos socialmente com um status social desfavorecido e “avisavam” a existência de um escravo, de um criminoso, de uma pessoa cujo contacto deveria ser evitado.

Atualmente o termo estigma é usado com o sentido original, porém, de uma forma mais ampla, marcando a própria existência de uma forma pejorativa. É uma combinação de opiniões estereotipadas, atitudes prejudiciais e comportamentos discriminatórios em relação a outros grupos, resultando na redução de oportunidades de vida para aqueles que são desvalorizados.

Goffman (1988) explica que a sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas, ao mesmo tempo que determina quais os atributos considerados comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias, formando ambientes sociais que determinam as categorias das pessoas a eles pertencentes. Quando um estranho é apresentado a essas pessoas, podem surgir evidências de que ele tem um atributo ou característica que o torna diferente (estigma) que constitui uma discrepância entre a identidade social virtual e a identidade social real, deixando de se considerar um elemento comum para ser considerado uma pessoa diminuída. Embora o estranho possa apresentar atributos diferentes, o termo estigma só é usado para referir um atributo profundamente negativo, depreciativo.

Ainda Goffman (1988) categoriza o estigma em três grupos: i) as abominações do corpo - as várias deformidades físicas; ii) os defeitos de carácter individual (entendidos como vontade fraca, crenças falsas e rígidas, desonestidade, doença mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualidade, desemprego, tentativas de suicídio e comportamento político radical) e; iii) os estigmas tribais de raça, nação e religião. Todos estes atributos são uma caraterística diferente e podem impor-se à atenção e afastar ou destruir a possibilidade de dirigir a mesma atenção para outros atributos.

Atitudes negativas dirigidas a algumas (muitas) pessoas são muito comuns e constituem a maior barreira ao contacto e convívio sociais.

Mas…

Todos os dias me encontro com pessoas cuja vida tem uma “banda sonora diferente”. A banda sonora é, com certeza, também diferente da minha. O que nos une é o facto de sermos humanos; humanos com marcas diferentes. A diferença (marca) é “apenas” a riqueza do nosso mundo!

 

Ermelinda Macedo

 

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