31.12.13

 

- Senhor, peço desculpa, mas quero pedir-Vos uma coisa.

- Pois pede; sou todo ouvidos.

- Quero ser livre.

- Queres ser livre!?

- Sim, Senhor, quero ser livre. Concedeis-me a minha liberdade?

- Mas como será essa a tua liberdade? Como queres que ela seja?

- Quero poder agir de acordo com os meus sentimentos e desejos, de acordo com o amor e a obediência que Vos devo, de acordo com o respeito e o amor que tenho a todas as outras pessoas. Quero ser respeitado na pessoa que sou e pela pessoa que sou, na forma como ajo, naquilo que faço, na forma como conduzo a minha vida. Quero poder dizer sim e poder dizer não, de acordo com a minha vontade e com aquilo que, em cada momento entendo como adequado e razoável para o bem de todos. Quero poder afastar-me de pessoas e de lugares, e aproximar-me de outros, e aos primeiros voltar, e sentir o prazer de ir e de voltar e de estar. Quero gostar de quem gostar. Quero que gostem de mim. Quero amar quem amar. Quero que haja alguns que me amem. Quero ser de Vós e do mundo e das pessoas. Quero poder dar-me sem medos, sem limites, senão os da minha vontade e da minha capacidade. E se num momento não tiver vontade, quero ficar apenas em mim e na companhia de Vós. Compreendeis. Senhor?

- Sim, compreendo-te.

- Então, Senhor, poderei ter a minha liberdade? O que é necessário para que eu possa ter a minha liberdade, para que eu possa ser livre?

- Mas tu és livre! Eu libertei-te, há muito tempo, desde sempre, de tal modo que já nasceste livre.

- Mas sou livre como, Senhor? Não sou entendido, nem aceite, nem respeitado. Parece que por mais que faça, mais longe estou dos outros e da minha liberdade. Estou sempre a ser observado e analisado e criticado. Esperam coisas de mim às quais nunca corresponderei pois não sei o que querem; e mesmo se soubesse, não sei se seriam também da minha vontade. Falam de mim como se eu espalhasse o mal por todos, devagarinho. Exigem sempre que faça isto e que diga aquilo e que esteja calado face a aqueloutro. E eu tenho medo, medo de dizer, do que digo, de como digo, e do que não digo. Medo de fazer, do que faço, de como faço e do que não faço. Contrapõem o que digo com coisas que entendem que eu quero dizer. E eu tenho medo desse confronto, pois eu apenas digo e não quero nunca dar outros sentidos ao que digo. Tenho medo da perda de dignidade sempre que há um desacerto destes; e eu vivo nestes desacertos. Senhor, como é que eu sou livre?

- Entendo a tua angústia. Suponho que em diversos momentos ela se transforme em desespero. Mas tu és livre! E do que acabaste de dizer, eu confirmo que és um Homem livre! Como poderias ser tu mais livre? Como poderia a tua liberdade ser diferente?

- Não sei, Senhor… Mas eu necessito de ser livre.

- Para um pouco. Pensa comigo. Quem é que não é livre? És tu que não és livre, ou são essas pessoas com as quais te debates que não são livres? Será livre aquele que tira a liberdade ao outro?

 

Fernando Couto

 

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29.12.13

 

Associamos o conceito de liberdade à vontade, à espontaneidade e à autonomia, dentro de determinados limites, por exemplo da lei. Podemos estar a referirmo-nos à liberdade de expressão, de pensamento, à liberdade de escolha e também à liberdade física.

Falemos brevemente da liberdade de escolha. Por exemplo ao direito de uma mulher escolher o parceiro, ou até parceira, com quem partilhar uma vida.

É interessante pensarmos que nos dias que vivemos, na Europa ocidental, há uma certa liberdade ao nível das escolhas. Apesar de, numa outra escala, podermos discutir os riscos decorrentes do controlo das comunicações por determinadas potencias mundiais.

E se de repente, literalmente de repente, quando uma mulher passeia na rua é raptada e se, mesmo que esse rapto seja ilegal, como seria de esperar, é socialmente aceite? E se, imediatamente após o rapto, a mulher fosse conduzida para o seu próprio casamento não consentido? Será que isso abalaria o nosso conceito de liberdade? Poder-se-ia encaixar este comportamento neste nosso século, nos nossos dias? No nosso conceito de liberdade?

Pois bem, curiosamente esta prática acontece hoje na Ásia, no Quirguistão com cerca de cinco milhões e trezentos mil habitantes (estimativa de 2005).

Localizado na Ásia central, entre o Uzbequistão a oeste, Cazaquistão ao norte, Tajiquistão a sudoeste e China a leste, parece ser que metade dos casamentos resultam deste tipo de tradição.

Quando um homem decide casar escolhe a noiva e organiza o seu rapto. Os homens amigos e familiares do noivo preparam e concretizam o rapto e a “noiva” é conduzida para a casa dos familiares do noivo, onde as mulheres mais velhas, familiares do noivo, tratam de convencê-la a aceitar o casamento que se realiza rapidamente. É o destino da noiva e é a tradição!

Apesar da lei prever uma pena de sete a dez de anos de prisão (se a vítima tiver idade inferior a dezassete anos) para os sequestradores, a prática parece manter-se.

Claramente a sociedade, nesse fim de mundo, não trata as mulheres quirguizes com o mínimo de liberdade. Os direitos das mulheres nessa sociedade não têm qualquer significado.

Sartre refere que o homem é livre por si mesmo, independentemente dos fatores do mundo. Onde e de que forma?

 

Ana Teixeira

 

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27.12.13

 

Vivo-a e vivo em… mas não a ganhei.

 

Tenho 37 anos e sempre ouvi falar de outro tempo. Tempo em que não a viveria. Ouvi falar em repressão, em perseguição e em tortura. Em controlo, punição e ditadura. Ouvi falar em legalidades espantosas, tais como reuniões até x pessoas. Da PIDE, do Salazar e de uma cadeira. Dos cravos, de um Abril e dos capitães. De colónias e ex-colónias. De retornados, e de mãos à frente e outras atrás.

 

Ouvi, também, falar de respeito. Respeito pelas figuras da autoridade, da educação, da cultura e da ciência. De ordem e de segurança. De se poder passear pelo Porto a que horas fosse e por onde fosse. E em que todas as suas casas estavam habitadas. Ouvi falar de lisura e bons costumes. Um tempo em que o professor era professor. Um tempo em que o padre era insuspeito. Um tempo em que se cortejava e escreviam-se poemas de amor. 

 

Agora, o tempo leva-me a recordar o que significavam certas coisas. Não o que significavam, mas O que significavam. Classe média. Trabalho. Autorização para sair da mesa. Emprego. Agricultura. Pesca. Lavar o carro ao domingo. Subsídio. Vencimento. Poupança. Crédito. Férias. Escudo. Almoço de família… Vou parar por aqui. Recordar é viver e voltar ao passado não é possível.

 

Agora, o tempo leva-me a aprender o que significam certas coisas. Não o que significam, mas O que significam. Resgate. Troika. Crise. Restruturação. Aguenta. RSI. Desemprego. Desespero. Emigração. Desertificação. Submarinos. Offshore. BPN. Política. Soberania. Euro. Compadrio. Corrupção… Vou parar por aqui. Aprender isto é castigo e voltar atrás começa a não ser possível.

 

“A liberdade é uma prisão da qual não conseguirás escapar” (Rui Duarte, 2008)

 

Rui Duarte

 

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24.12.13

 

Sobre a liberdade, muito se apregoa, pouco se sente. A que chamo eu liberdade? Em que grilhões termina? Em que esquina se faz minha? A liberdade começa aqui, neste limite invisível que reconheço em mim e que por vezes me cega ao que está ao alcance do meu braço. Liberdade é eu saber que sou do tamanho daquilo que sinto, por mais que a vida se encarregue de me toldar o pensamento. A liberdade cabe em quartos diferentes, do hostel ao topo de gama. No entanto, leio-a à luz de que razão, meço-a em que escala? Escolho, realmente, ou seleciono apenas uma opção predefinida que eu, tal rato de laboratório, penso ter escolhido na íntegra? Seja lá o que for, algo me impele na busca dessa liberdade. A dá-la e a recebê-la. A alternativa: morrer em vida. E, quanto mais o digo, mais me perco nos meandros deste sentimento. Dentro de mim, a liberdade veste-se de cores diferentes, de sentidos distintos, de cheiros exóticos, de olhares múltiplos.

Ser livre é saber viver o que é único, ainda que atravessando o pior dos desertos. É aceitar a tremenda tarefa de dar tudo por tudo. De acreditar, de lutar, de viver em paz e sentir que nada, absolutamente nada, pode ser mais libertador. A liberdade é saber que já estamos em casa e que esse lugar, afinal, não é um sítio, é uma pessoa ou um sentimento. É descobrir um oásis de liberdade dentro de um par de braços, enquanto o mundo lá fora colapsa. Ou então, não preencher a outra metade da cama, mas estar em casa dentro de si, sem vazios nem suplícios. Liberdade é não ter frio, nem fome, nem maleitas e, ainda que seja mais o que mina do que aquilo que estrutura, e se acabe a ter isso tudo, caminhar sem grilhões permanentes. As crenças e as vontades que condicionam são mutáveis, sensíveis ao que em torno de si gravita. Significa que é (quase) sempre possível inverter o sentido de uma história que começou mal, mas significa também que não há enzima que nos valha se a alimentarmos de uma paranóia gourmet. Quando se diz que um momento pode mudar uma vida é mesmo verdade. Out of the blue, uma parcela de um único dia pode alterar completamente a rota. E nada mais será igual. Parece coisa de filme, mas não é. As coisas mais incríveis acontecem em pequenas brisas do quotidiano, roubando por completo a liberdade ou dando-a de forma miraculosa. Na vida de todos nós, na vida que se espera diária e longa, desejamos “antes” bem resolvidos e arquivados (ou incinerados, depende muito da natureza do “antes”, claro está…) e um “agora mesmo” que não permita uma única brecha na alma. O sentimento de pertença (não de posse) que se faz num tempo comum pode iniciar a jornada. E começa a verdadeira liberdade. Desempacotar a bagagem, sobretudo aquela que tresanda, com alguém que se sente mais fundo, e não ser apelidado com nomes pré-históricos é algo de uma beleza incrível. A verdadeira liberdade é ser-se de alguém quando só isso faz sentido. Se tudo corre bem, a confiança e a reciprocidade validam essa liberdade todos os dias. Acredito que nas histórias de uma vida inteira, as que são feitas de várias camadas de pele e afetos (e não de resignações comuns, de males “menores”, ou interesses desinteressantes), a liberdade terá sempre existido e, só por essa razão, as pessoas escolheram ficar lado a lado. Porque mais nada faria sentido. É muito bonito de se ver. Quem carrega grilhões: o all in one ou o “dividir para reinar”? O tipo que faz a aposta da sua vida ou aquele que tem várias apólices de seguros, com nomes singelos como Gertrudes, Hortência ou Tânia Vanessa; Zeca, Asdrúbal ou Fábio Igor?

A minha liberdade começa em mim e não pode acabar no outro ou eu estaria, para sempre, à sua mercê. Da mesma forma, não quero o outro ao sabor dos meus caprichos. A minha verdade não é a verdade do outro, não é a verdade do mundo. Gosto de pensar que é possível coexistir sem atropelos. E ainda que, na vida social e profissional, esteja condicionada por múltiplas variáveis e hierarquias, dentro de mim, a minha liberdade não tem mais fim porque não existe finitude na estratosfera da minha alma. Nela percorro uma estrada que condiciona, cada vez mais, a circulação de azedumes, histórias macabras e memórias de arrepiar, mas na qual circulam em via verde os meus sonhos e os meus desejos, sem limite de velocidade. Resgatando a liberdade, quilómetro a quilómetro, todos os dias da minha vida. Só assim me sinto verdadeiramente livre.  

 

Alexandra Vaz

 

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22.12.13

 

Sozinhos…

A vida é isto! Nascemos e morremos sós. Nos entretantos tentamos fazer-nos acompanhados. Primeiro por dependência de alguém que nos mantenha vivos. Depois por dependência de alguém que nos mantenha… acompanhados. Procuramos incessantemente a companhia de alguém, como se não fosse natural estarmos sós. Como se a companhia de nós mesmos não fosse suficiente companhia ou a mais desejada das companhias. Fugimos à solidão desde sempre, desde que descobrimos que combatemos melhor os medos quando inseridos num grupo. O gregarismo é um instrumento da segurança e do conforto… Que tem o seu preço.

 

Encarcerados…

Levamos tão a sério a necessidade de nos fazermos inseridos num grupo que até nos impedimos de existir na ausência de um número que nos identifique. A par deste registo vêm todas as imperiosas formatações a que todos nós, bons cidadãos, "voluntariamente" nos sujeitamos. Compreendemos desde sempre que, por exemplo, somos livres de fazer escolhas, desde que essas escolhas fiquem devidamente confinadas ao conjunto das carinhosamente chamadas escolhas aceitáveis. Compreendemos que, fruto de uma dessas escolhas aceitáveis, vivemos segundo as regras de um mercado que não estabelece tetos mínimos nem máximos para a acumulação de riqueza, o que leva à pacífica convivência entre aqueles que tudo têm e aqueles que se contentam com as sobras desse tudo. Pertencer ao grupo implica estar encarcerado nesse grupo, porque a liberdade de pertença antagoniza-se com a liberdade individual. Doutra forma a convivência entre aqueles que tudo têm e aqueles que se contentam com as sobras desse tudo não seria tão pacífica.

 

e Livres…

A liberdade é um desejo. Não mais do que isso. É um conceito teórico que resulta da vontade de nos demarcarmos dos demais, dos mesmos que nos dão segurança e conforto. É, nas palavras de Spinoza, um ato de identificação com a nossa essência pessoal, com a nossa natureza. É em liberdade, continua Spinoza, que nos exprimimos na totalidade. Situação impossível de alcançar enquanto mantivermos válida a contingência de privilegiarmos a segurança e o conforto que o grupo nos proporciona. Atendendo ao facto do ser humano se definir apenas e só enquanto inserido numa sociedade, sendo que a liberdade individual colide com a liberdade coletiva e esta prevalece sobre a primeira, podemos encará-la como a estrela polar do nosso caminho: não se alcança na sua verdadeira definição mas decide terminantemente a rota a tomarmos na senda da afirmação pessoal e, no limite, na procura da nossa verdadeira identidade. A liberdade é um exercício de solidão. A solidão é um caminho de liberdade. Por vezes damos uma volta tão longa para encontrar o que, afinal, nunca saiu de nós.

 

Joel Cunha


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20.12.13

 

A pior das prisões é uma liberdade que não é aproveitada! E sim, fico perplexa por constatar, todos os dias, aqui e acolá, que a maior parte de nós não exerce o seu poder: ser livre! Porque ser livre, não é estar fora de um cárcere, não é viver num país democrático, não é ter dinheiro para tudo ou até um grande amor. Ser livre é SER. É seguir a Alma!!! É ter a coragem de dizer sim quando quer dizer sim e dizer não quando quer dizer não. Ser livre é tirar a máscara do “bom filho”, “bom pai”, “bom empregado”… Ser livre é ser feliz desafiando todas as amarras, que quase sempre são internas… porque ser livre é ser Uno, é confiar em si, no próximo, no Agora. Ser livre é compreender que cada um tem o seu caminho, que não tem que ser o que os outros querem ou esperam. Ser livre é sentir-se em Paz consigo e com o mundo, é saber que se vive em Verdade. Ser livre é saber o que de facto significa LIBERDADE. Porque até um prisioneiro pode ser mais livre que o peregrino que caminha por aí… Se quer ser livre, por favor, não viva numa liberdade envergonhada!

 

Sara Almeida


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17.12.13

 

Murmura-se e esconde-se tudo aquilo que não podemos, não devemos ou não queremos que os outros ouçam ou saibam, sejam quem esses outros forem, que num momento são uns e noutro são outros.

Deveria ser obrigatório, por momentos, cada um ignorar as convenções, as regras, os dilemas e abrir a goela para vociferar tudo o que vai na alma, mas sem que isso signifique atropelar a liberdade alheia, ferir o espaço dos demais. Como alguém muito sábio disse: “a minha liberdade acaba onde começa a do outro”.

 

Fechar os olhos, apenas libertarmo-nos e dizer:

 

“Quero ter a liberdade de ser gorda... de ter medo... de ser chata... de ser negra... de ser cigana... de ser parola... de berrar... de dizer palavrões... de amar animais como gente... de ser lésbica... de ser diferente de ti!... de ser asiática... de usar decotes e saias curtas... de ser muçulmana... de ser atrasada mental... de ser louca... de usar burka... de rezar de pé... de acreditar em Deus... de dizer que não gosto... de ser feia... de salvar quem eu gosto... esquecer quem me magoa... mostrar-me ofendida... amar incondicionalmente... de apontar os erros... fazer avaliações... beber quando me apetece... brincar e rir à gargalhada... ser feliz!... de chorar... de ficar deprimida... de ter expetativas... de desistir... perder ou ganhar confiança... de defender a terra... de morrer por uma causa... de abortar... de votar... de dar a minha opinião... de ser controversa... de não querer o que os outros querem... de querer tudo só para mim... de partilhar... de ter saudades... de dar tudo o que é meu... de acreditar em extraterrestres... de me considerar fantástica!... de ser cobarde... de não gostar de pão com manteiga... de não querer ter filhos... não querer casar... de usar piercings... de ter tatuagens... de ouvir vozes... de me zangar... de tomar antidepressivos... de gostar de dançar... de ouvir música em altos berros... de ver filmes pornográficos... de gostar de sexo... de sonhar com o impossível... de odiar... de perder... de ser indiana... ser inocente... ser perversa... introvertida... picuinhas... de ser barulhenta... de gostar do silêncio... de não querer a tua companhia... de achar bonito o que os outros acham horrível... de estar triste... de preferir estar sozinha... de adorar multidões... de ser vegetariana... de ser mãe... quero ter a liberdade de poder ser quem sou e que os outros entendam as minhas liberdades e as respeitem mesmo que não gostem ou entendam!”

 

Susana Cabral


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15.12.13

 

Liberdade? Ah, tão nobre conceito! Qual liberdade? A que aspiramos ou a que nos aspiram? Liberdade é um mito. Uma ilusão que nos faz correr atrás. O mais livre que concebo é o chamado desapego. Tão na moda! Deve ser coisa dos Universos! Mais parecido com liberdade só conheço as escolhas de não ter preso a mim o que me faz mal. E o preço a pagar por essa liberdade são os olhares incompreensíveis dos outros, que se apeguem a isso tudo. Pois fiquem com os vossos apegos. Adoro desapegar-me, porque me faz sentir livre, mas sei que totalmente livre jamais serei. É o jogo da consequência. Queres liberdade? Tudo bem! Pega lá! Para logo depois ver que essa liberdade nunca é incondicional. É puramente ilusória. Que seja! Pelo menos tento sempre chegar mais longe no espetro da Liberdade. E, sinceramente, não há nada mais libertador que deixar cair o peso dos ombros, muitas vezes camuflados em medos, outras tantas em responsabilidades, culpas, ou até em conceitos convencionais de Ser. Liberdade também é quebrar com tudo isso e ousar. Mas ousar em nós próprios! Virados para dentro! Não só gritar para fora pedidos gastos de Liberdade.

Estás pronto para a Liberdade? Estás pronto para abdicar? Ah, é verdade! Abdicar… Não, deixa estar! Fica para depois a Liberdade!

Estás pronto para mudar de direção? Pronto para deixar cair a máscara a que te apegas tão vincadamente? Pronto para seres verdadeiramente o que anseias ser? Ou preferes o conforto desconfortável do conhecido? Queres ser Livre? Então o que te prende?

 

Cecília Pinto


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13.12.13

 

São exatamente seis da manhã. A neblina matinal entranha-se pelo top de Carmo e arrepia a pele do decote. Pedro repara imediatamente nesse pormenor, na entrada da namorada na sua carrinha. Se pudesse, neste preciso momento, deitava-se com ela no meio da rua ainda deserta.

– Não tens frio?

Silêncio. Óculos de sol a caírem pelo nariz, cabelo ainda húmido da sua saída do banho da manhã – manhã ou madrugada? A rapariga encosta a cabeça para trás. Olha para ele, sentado ao volante. Sorri.

– Se vamos para a praia, não vou de camisola, certo?

Não se recorda de ver Carmo a horas de alvorada; afinal, nem uma noite de comunhão partilhada em lençóis brancos de hotéis: as únicas oportunidades encontradas surgem quando o irmão mais velho dele se lembra de passar fins de semana fora “Juras? E não vai aparecer ninguém? E podemos lá ficar as horas que nos apetecer?”, às vezes, muito raramente, na casa de um ou de outro. Normalmente, nessas noites, o amor deles é como que sumo: quanto mais condensado, mais doce.

Pedro liga a ignição. Aumenta ligeiramente o volume de som do autorrádio, que lança para o ar fresco um som qualquer de batuque: como que um ritual, a viagem exige uma banda sonora, por enquanto apenas em surdina. O primeiro dia exclusivamente para eles. O Primeiro Dia. Ela e ele. Ambos. Os dois e uma carrinha. E o sol a benzer em lanços fugazes de luz que encadearão o caminho até ao Destino dos namorados, que apenas querem ser felizes até ao cair da noite porque, quando esta vier, eles já dormirão no leito deles. Nessa noite, Deles. Sem caminho planeado, mapa fechado em seis, duas mochilas no banco de trás, água mineral próximo ao travão de mão, os calções de Pedro a apertarem as pernas lisas e perfeitamente definidas, ainda brancas, aguardando um escaldão.

– Ora bem, querido namorado… Para onde vamos?

– Vamos procurar a nossa cama.

A autoestrada é o caminho mais rápido para todos os locais; não é exceção neste passeio; a diferença das outras viagens é que não sabe qual saída escolher. Até lá, percorrem quilómetros de eucaliptos que emolduram o trajeto, algumas zonas industriais, uma vivenda de imigrantes.

– Não sejas preconceituosa, Carmo. Pode ser simplesmente uma casa de alguém com muito mau gosto.

A rapariga abre a janela e deixa a sua mão sentir o ar que se pressiona contra ela. Abre-a como se de uma asa se tratasse e deixa-se estar assim, cantarolando com o CD. Pedro dá-lhe um estalo, aqueles estalos de ternura como se desse a uma criança, o mimo de quem olha para quem ama. Ela sacode a face, ri-se.

- Está quieto.

São ultrapassados por um furgão que carrega flores, trazendo cor à vista. Pedro abre a sua janela como se procurasse o aroma primaveril – ele, claramente, é Verão, mas com ela aprendeu a gostar as flores. Como a ela. O cabelo cai-lhe pelos olhos; puxa-o para trás com aquele tique tão habitual nele, tão bonito para Carmo. Olha-o como se nunca o tivesse visto.

- De manhã és giro na mesma.

- E não tomei café, senão ver-me-ias mais luminoso.

- És tão vaidoso! – A gargalhada de quem ama, como uma mãe que admira o filho em todos os seus ângulos. Se pudesse, fundia-se com ele. 

E de repente, a música Deles.

- Espera, Carmo! Vou pôr mais alto. Esta é para ti.

Um atrelado de cavalos e uma mota que corta o horizonte à velocidade da luz. A carrinha ultrapassa várias indicações, inúmeros acessos, mas mantém-se permanentemente na autoestrada que os irá levar à paixão que chama por eles há tanto tempo – uma eternidade! Um grito de liberdade sem que eles sequer percebam.

- Saímos nesta?

- Sempre apressada. Temos tempo.

- Quero praia, Pedro…

- E eu quero-te a ti.

Carmo encosta a cabeça no ombro dele que, qual adolescente que quer ser homem, opta por conduzir apenas com uma mão e agarra a perna da namorada com a outra. Se assim pudessem, viveriam este momento de uma forma quase que eterna. Quem sabe, depois desta viagem, nem regressem.

O pico do calor no final da manhã despe o top de Carmo, que, sem pudor, se assume como ela mesma é: naturalmente bonita.

- A tua pele estava arrepiada quando entraste aqui.

- Agora estou com calor.

- Também eu. Segura aí o volante que eu vou tirar a t-shirt.

Uma viatura da manutenção pisca em tons laranja que se misturam com prados de cor agreste. Uma vaca pasta por ali, na rapidez de um olhar. Um aqueduto ao fundo e vontade de molharem os seus corpos em uníssono.

- Vira, Pedro. Vamos tomar banho.

Estacionam num descampado de terra batida que lembra um antigo campo de secagem de roupa lavada. E o rio ao fundo. A tabuleta indicando “Água Imprópria para Banhos” é como que transparente para os seus olhos. Correm como se fossem perder o autocarro, como se encontrassem o amante numa estação de comboios, como se tudo secasse à sua volta no segundo seguinte. Mergulham num batismo comum, soltando amarras, expulsando tensões, na superfície a libido e a ânsia de viver, os seus corpos pulando num ápice, respirando a pureza a quem nada devem, apenas a eles mesmos e à sua vontade. Flutuam durante minutos largos naquele pedaço de céu, que cheira a verde e a Liberdade. Ou Felicidade.

- Anda. Vamos lá sair daqui e secar ao sol.

 

Sofia Cruz


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10.12.13

 

A LIBERDADE é um estado transitório que medeia o indivíduo e suas necessidades face ao quadro de soluções acessíveis no contexto, mediante regras instaladas para regular a sua inserção e atuação. Impera que, sendo a liberdade uma dádiva de Deus, em condições normais adquire-se com a vida e abandona-se com a morte.

Ser livre é ter a oportunidade de se libertar da dependência ideológica que o funcionalismo sistémico impõe de forma rotineira em sistema de vasos comunicantes, quando o indivíduo encontra-se privado de ser ou de estar independente para agir em sua livre consciência e espontânea consciência.

No plano operacional, a liberdade é um instrumento bélico que de acordo com o seu uso pode contribuir para a geração de valor e benefícios próprios, a liberdade marginal gera externalidades sempre que a liberdade de uns afeta a dos outros numa vivência em sociedade.

O elemento crítico que contribui para a convivência de liberdades individuais sem criar interferência no equilíbrio relacional, diminutiva ou aumentativa, é o bom senso, que sugere o respeito mútuo, aceitação das diferenças, autodomínio e auto-superação.

A liberdade é assim um bem em constante mutação, no ciclo de vida do Homem, ocorre uma sucessão de liberdades que se abdicam para delas conquistarem-se outras. A liberdade elementar trazida pela vida é um bem inalienável, um ativo em estado bruto, a sua aplicação criteriosa e em condições favoráveis na satisfação de necessidades e consecução de objetivos próprios pode torná-lo um ativo único.

Das várias privações que se podem arrolar, eventualmente, a ideológica e de expressão, sejam as mais incisivas. Se o pressuposto primário da filosofia é a capacidade cognitiva do Homem, René Descartes na sua célere aceção Cogito, ergo sum, lançava as bases para o papel da filosofia enquanto ciência mãe, a necessidade da crítica e autocrítica, o questionamento contínuo como primazia para a renovação do Homem. O saber pelo saber e pelo questionamento são métodos científicos válidos para a aprendizagem contínua, um verdadeiro bem ou recurso livre.

Apesar da virilidade do conhecimento percecionada pela rigidez das fontes de acesso a informação serem limitadas e nem sempre acessíveis, entenda-se que a privação do conhecimento não é em si um destino do Homem, este pode e deve-se valer de sua humildade e sede do saber para superar barreiras impostas ao alcance de sua própria liberdade. A luta pela independência é secular e legitima a reivindicação dos direitos que a subjugação pode condicionar.

 

António Sendi


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8.12.13

 A Persistência da Memória – Salvador Dali

 

A minha perceção relativamente ao tempo alterou.

Em vez de dias…

Vivo um único dia sem fim!

Em vez de horas…

Vivo sem controlo de tempo cronometrado!

Vivo tanto e tão intensamente que não há lugar a calendários nem a relógios.

É uma liberdade infinita sem início e sem fim.

Tudo dentro de um único tempo no mesmo pensamento.

Uma continuidade sem início e sem fim.

 

Joana Pereira


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6.12.13

 

Os noivos estavam vestidos a rigor e contrastavam com os tons cinza dos convidados.

Foi João quem decidiu a cor das roupas que iriam usar: vermelho escarlate. Foi João quem escolheu as flores: cravos vermelhos. E foi ainda João quem descobriu o local onde se iria realizar a cerimónia: uma velha ponte abandonada que outrora ligara dois caminhos improváveis. A música e o texto que todos ouviriam no final foi objeto de prolongadas e animadas discussões entre os dois. Todas as escolhas, até ao ínfimo pormenor, continham elementos simbólicos fortes, como se cada opção exigisse a reafirmação inequívoca de que o futuro daquela união, desde há muito traçado, seria trilhado sem hesitações.

Como tinham sido difíceis os caminhos percorridos até àquela ponte! As duas famílias tinham-se oposto ao casamento e tudo fizeram para que ele não se realizasse. Até os amigos mais próximos se comportaram de forma ambígua, e a amizade franca e antiga que os unia foi abalada por desconfortáveis interpretações das palavras, dos gestos e dos olhares que trocaram nos últimos tempos. Havia, por isso, uma tensão latente, quase insuportável, que atravessava todos, porque a todos atingia. Mas quando a cerimónia se aproximou do final e uma criança vestida de branco citou Brecht ao som de Freedom, e os noivos se beijaram, como por encanto mágico, irresistível, todos se abraçaram emocionados e uma corrente de paz e felicidade a todos uniu.

“… criar uma situação que a todos liberte / E o amor da liberdade faça supérfluo.”

João e Manuel não podiam estar mais felizes.

 

José Quelhas Lima

* Nelson Mandela


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3.12.13

 

O conceito de liberdade é relativo e há quem diga que é também mitológico. Concordas?

A relatividade da liberdade mostra a impossibilidade da vivência total da própria liberdade. Mas, por exemplo, um louco pode, à partida, realizar qualquer ação danosa, tanto para outros, como para si, revelando, assim, a evidência da liberdade de ação. Então, talvez a inexequibilidade não esteja na capacidade de manifestação plena da liberdade, quando o indivíduo, por momentos, executa uma ação, mas na incapacidade de se soltar das consequências reais e intransferíveis dos feitos da própria ação.

Na história jurídica há quem já se tenha safado, ou mais apropriadamente, visto sua pena de prisão ser reduzida, por alegar que seu ato transviado, de por termo à vida de outra pessoa, havia sido motivado por sua hipoglicemia, uma vez que estudos indicam que pessoas que tenham baixos níveis de glicose apresentam dificuldade no autocontrolo.

A tão procurada, desejada e proclamada liberdade, na maior parte das vezes, ainda é muito egoísta, porque se prestarmos atenção, quando cogitamos sobre a ideia de liberdade ainda se faz uma associação muito estreita entre o conceito de liberdade e quão livre o Homem se sente. Ainda se pensa muito na liberdade como um direito e uma vontade, e não como um dever maior e uma responsabilidade.

A liberdade é tão mais necessária de ser vivida quando na sua base está uma defesa justa e igualitária de considerar que alguém ou algum grupo merece não sofrer opressão, pelo próprio facto de existir, contrariando as mentalidades, atos e injunções tiranas de uns que não concebem as diferenças individuais, sejam elas ideológicas, de orientação sexual, sociais, étnicas ou de género.

Talvez nos devêssemos preocupar mais com a liberalidade do que propriamente a liberdade, visto que o preceito de A minha liberdade termina quando começa a liberdade do outro, ideia atribuída a Herbert Spencer, filósofo inglês (27 de abril de 1820 a 8 de dezembro de 1903) poderá revelar que a natureza da evolução sociocultural do Homem assenta numa ideologia de serviço ao outro e não na defesa e busca da liberdade individual, ideia que aliás está expressa na própria condição biológica do Homem. Mas isso não deve indicar que o Homem não faça uso do seu livre-arbítrio ou que abdique da sua capacidade de refletir e escolher o que possa, de forma lúcida e discernida, ser o melhor para si, ainda que isso signifique ir contra as ideias e comportamentos do grupo.

 

Marta Silva


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1.12.13

 

“Liberdade, liberdade, quem a tem chama-lhe sua.”

Proferidas estas palavras, quase um aforismo, sem me deter muito nelas, são uma frase feita que, de tantas vezes repetida, é aceite sem mais.

Mas, e se parar para pensar um bocadinho? Hum…, pois é.

 

Temos no Porto uma como que sala de estar dos portuenses, sala de visitas principal para quem nos visita, turistas ou pessoas em negócios, portugueses e estrangeiros, cada vez mais. É a Praça. Ponto.

 

Nela passamos de carro, a pé, de autocarro, até de elétrico. A correr para o comboio. Nela paro e converso, paro e olho para a monumentalidade granítica dos Aliados. Aqui estou à vontade, no meio do grande movimento, com tantas pessoas e veículos, que não se atropelam, sabem que devem parar no semáforo; sabem que têm direito a avançar no semáforo. Todos têm condições para se entender. E entendem-se.

 

Vamos para lá tantos, todos, festejar o S. João, mas também é para lá que vão muitos protestar contra aquilo de que não gostamos ou apelando para que se corrija o que se acha que está mal. Nestas ocasiões não há semáforos. Depois volta a haver.

 

É a Praça. A nossa Praça!

 

Por vezes passam-se tempos sem que precisemos de lá passar, parece que nem nos lembramos dela. Mas se e quando nós não a percorremos, há sempre, todos os dias, milhares de pessoas a utilizá-la, que usufruem da Praça. Ela está disponível, acessível e a servir de placa giratória para tantos destinos. Tem sido estimada, embelezada, modernizada, atualizada. Não é sempre a mesma, mas está lá.

Ai de quem nos tire a Praça da Liberdade, é a nossa Praça. Sem ela, o Porto continuará a ser o Porto, mas diferente, amputado, menos livre.

 

Eu tenho liberdade e devo chamar-lhe minha, é a base, o fundamento da minha maneira de viver. Sem liberdade não sou inteiro. Sem liberdade sou menos íntegro.

 

Adaptando: a liberdade é a minha praça.

 

Jorge Saraiva


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