31.5.13

 

No artigo deste mês com o tema RISCO, gostaria de falar-vos do meu caso pessoal e de destacar como são ricas e relevantes todas e quaisquer experiências pelas quais, estou certa, cada um passará recorrentemente.

Em meados de 2007, estava eu com 28 anos, decidi concretizar uma ideia antiga – abrir um negócio. A experiência era pouca, o planeamento era pouco, o dinheiro escasso, mas a vontade de ser independente, de fazer algo útil pelo país e o otimismo eram grandes. Assim, procurei uma ideia de negócio “fácil” de aplicar, pedi dinheiro emprestado, organizei as questões burocráticas e logísticas necessárias e comecei, então, o tal afamado business.

Os especialistas em negócios e gestão dizem que os anos mais críticos estão entre os dois e os cinco primeiros anos de atividade. Escusado será dizer que ao fim de um ano, tive que “fechar as portas”. Fechei as portas ao tal mercado tão promissor; a uma vida que se estava a organizar “sustentavelmente” e, confesso-vos, que fechei as portas e janelas também ao sonho.

Consequências desta “atuação arriscada”, ou quem sabe, audaciosa: perdi todo o dinheiro que tinha, perdi casa, perdi toda a capacidade financeira de manter uma vida com alguma dignidade, contraí dívidas, perdi forças, perdi energia…

Depois de uma saída de casa dos meus pais, aos 24 anos, um pouco controversa, volvidos uns anos, ali estava eu a pedir guarida!

Por esta altura, vocês devem estar a perguntar-se por que razão exponho este pedaço da minha vida tão pessoal, e pensando, eventualmente, que o risco imprudente a que me sujeitei, é óbvio, não compensou.

Surpreendam-se… eu tenho uma opinião diferente.

Não procuro encontrar justificações para os passos mal calculados, as precipitações, os erros, o insucesso.

Via recentemente uma jovem de 23 anos a falar num programa de televisão, no qual relatava como tinha superado o cancro com humor (o qual virou o nome de um blogue), cancro esse diagnosticado aos 13 anos, e que hoje em dia é o motivo de apoio a tantas e tantas pessoas padecendo do mesmo mal. A dada altura, ela afirmou: “O cancro tirou-me todas as manias”. E eu senti-me imediatamente conetada com ela, pois considero que a experiência do fracasso de ser empresária fez o mesmo por mim.

Eu considero que tal risco compensou, porque apesar de ter perdido tudo, foi a experiência de vida mais enriquecedora, pedagógica, modesta e, igualmente, motivadora que tive até ao momento!

Para fazer jus ao seu elemento educativo, eis o que aprendi:

1. Agir é sempre melhor do que não agir. Consigo suportar melhor a dor do erro do que a dor da oportunidade perdida;

2. Só porque houve precipitação (com todas aquelas consequências), não significa que as motivações estivessem erradas;

3. A preparação é o melhor antídoto do insucesso;

4. Antes de tomarmos uma decisão que vai impactar toda a nossa vida, temos de refletir bastante, avaliar os prós e contras, e colocar as seguintes questões:

  • Qual a minha real intenção?
  • Está enquadrado com os meus valores e com a minha missão (visão) de vida?
  • Há algo que preciso aprender primeiro?
  • Poderá repercutir negativamente em alguém?
  • Há alguém com quem posso contar?
  • Tenho toda a informação de que preciso?
  • Há coerência entre o que desejo, o que já posso disponibilizar e a meta a que me proponho?
  • Vai ajudar alguém?
  • É a forma certa?
  • É o momento oportuno?

5. Tenho uma motivação, hoje, muito mais madura e firme para arriscar em novos projetos;

6. Aprimorei a minha capacidade de ver e distinguir aquilo que quero, daquilo que não me é útil;

7. As melhores estratégias de negócio baseiam-se nos seguintes princípios: conhecimento profundo da realidade onde queremos atuar; planeamento; previsão - plano B, C e, se necessário, D; integridade; organização; risco mínimo; total interesse pela área de atuação; trabalho árduo; colmatar necessidades reais do mercado (melhorar, de algum modo, a vida dos clientes); sentido de propósito;

8. Perder tudo pode, de facto, ser a melhor forma de crescermos e adquirirmos um equilíbrio íntimo corajoso para enfrentarmos desafios ainda maiores – desenvolvimento da resiliência;

9. Mais vale um realismo cauteloso do que um otimismo cego.

10. As experiências de vida podem ser altamente egoístas, se nos entregarmos às emoções negativas, às desculpas, às culpabilizações; ou altamente altruístas, se as usarmos como um trampolim para ajudar os outros.

Eu diria que arriscar não compensa quando está em causa a nossa própria vida e a de outros, quando a relação custo-benefício não compensa, ou quando somos motivados, essencialmente, pela emocionalidade. De resto, vale a pena!

 

Marta Silva (articulista convidada)


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28.5.13

 


I Walk the Line

I keep a close watch on this heart of mine

I keep my eyes wide open all the time

I keep the ends out for the tie that binds

Because you’re mine, I walk the line

(Johnny Cash)

 

Ando na Linha

Fico de olho neste meu coração

Mantenho os olhos bem abertos o tempo todo

Procuro não arrumar confusão

Porque tu és minha, ando na linha

 

Viver é um constante – umas vezes calmo, outras vertiginoso – tomar de opções.

Viver é, a um tempo, um aceitar e tirar partido do que a vida nos vai proporcionando, para logo ser uma luta por algo que perseguimos para nós e para os nossos. É uma luta duradoura, demorada para atingirmos momentos fugazes de felicidade.

 

Viver é pisar o risco. Tomar opções.

 

Qualquer pessoa tem o direito, quase que a obrigação, a lutar pela sua felicidade, pela conquista dos seus objetivos, que lhe tragam sensações de plenitude.

 

E quando a vida nos põe perante dilemas insolúveis? Na realidade talvez os problemas tenham soluções, talvez qualquer das opções que uma bifurcação nos apresenta seja um caminho correto, mas qualquer delas irá magoar, ofender, prejudicar alguém.

 

O que fazer? Ficamos imóveis? Desistimos? Apagamo-nos em benefício de outros? Abdicamos do que para nós é o caminho da felicidade, que nos preenche?

 

Temos direito ao egoísmo? A conquista dos nossos anseios, por honestos, bons que sejam, vistos individualmente, podem ser prejudiciais para outros, mesmo para pessoas próximas, das nossas relações, do nosso coração.

 

Há sempre soluções! Só que elas não são inócuas, terão consequências, espalham ao mesmo tempo graça e desgraça, plenitude e esvaziamento.

 

É verdade, e a tentação de julgarmos o outro ou de nos culparmos a nós, espreita a mínima brecha.

 

Mas, há que pisar o risco… que optar, seguir o nosso caminho. Por vezes dói. Pode doer mesmo muito.

 

Jorge Saraiva


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24.5.13

 

Recordo o prazer que sentia, em criança, a andar em cima do risco. Não, não é em sentido figurado, andava mesmo em cima de um risco. Com um pau desenhava um risco no chão, colocava-me numa extremidade, abria os braços, procurava o equilíbrio do corpo e, com o olhar em frente, começava a andar em cima do risco. A ideia era não colocar os pés fora do risco: um passo, dois passos, três passos, e o quarto passo, já ao lado, obrigava-me a recomeçar. Recomeçava tantas vezes quantas fossem necessárias para conseguir ir até ao fim sempre em cima do risco. Era muito honesta no jogo, não tinha que provar a minha proeza a ninguém, era um desafio meu e para mim, enganar-me não me ajudava a aperfeiçoar a técnica de andar em cima do risco. A brincadeira inofensiva adquiria contornos mais perigosos quando trocava o risco no chão pela beira do passeio, ou por um muro, e era tanto mais empolgante quanto mais alto e estreito fosse esse muro. Quando um determinado lugar já não era suficientemente atrativo do ponto de vista da dificuldade, introduzia elementos novos: andava ao pé-coxinho ou caminhava de olhos fechados. Traçava os meus desafios, imprimia-lhes dificuldades, esforçava-me para sentir a grata satisfação de conseguir. Ralhetes, entorses nos pés, tombos e quedas daquelas que põem o cóccix a falar connosco durante dias, não eram suficientes para pôr de lado essa brincadeira - na primeira oportunidade deixava a segurança do chão, desafiava a paciência dos meus cuidadores e corria riscos desnecessários. Desnecessários, seriam?

Cresci e deixei de andar em cima do risco ao pé-coxinho e de olhos fechados na beira do passeio e em cima dos muros, mas ficou-me de então esta mania de não virar as costas aos riscos. E como poderia virar se o meu conceito de vida está associado à capacidade de enfrentar desafios e de correr riscos. 

Com a idade e a experiência é verdade que ganhei capacidade de avaliar as consequências de correr certos riscos, tornei-me mais cautelosa e retraída do que era então, mas nem a idade nem a experiência me impedem de arriscar nos desafios que traço para mim. Nunca o medo de enfrentar as consequências ou a possibilidade de perder, determinaram as minhas decisões, ou pelo menos, estes nunca foram o lado forte da balança. Se não sou bem-sucedida, muitas vezes não sou e perco, tenho pena, mas pelo menos tento, não fico na dúvida e na angústia de não saber até onde poderia ir se arriscasse.

Conheci em tempos um colega que se orgulhava de nunca ter tido uma derrota na vida, soube mais tarde que não tinha tirado a carta de condução por ter medo de chumbar no exame. Assim, com tantas cautelas, como poderia ter derrotas? 

 

Cidália Carvalho


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21.5.13

 

Faz tempo que não corro riscos. São coisas da vida que vão acontecendo, mudando. Antes de uma decisão importante, a primeira coisa que fazemos é eliminar os riscos, até que depois de tanto tempo fazendo isso conseguimos chegar a uma zona de conforto, um lugar onde não existem riscos.

Mas é possível viver neste mundo sem riscos? Não. Podemos tentar, mas não controlamos o que acontece ao redor.

E vale a pena correr riscos? Acredito que sim, se apenas envolvem nossas vidas, não a dos outros. Pessoas sem filhos podem se arriscar mais, porque as consequências caem sobre suas cabeças, não sobre as dos seus filhos.

E por aqui, no Brasil, dizem que quem não arrisca não petisca. Outro ponto a considerar, sem arriscar como podemos avançar?

Não tem de outra, a vida em si é um risco. Meu pai gosta de contar a história de um conhecido. Fez toda a sua vida em um quarteirão, morava em um sobrado que também tinha a sua loja e não deixava sua família sair às ruas, com medo dos riscos que corriam. E inacreditavelmente um avião caiu em cima de sua casa, matando a todos. Foi parte de uma porcentagem mínima de acidentes aéreos em zonas residenciais, mas aconteceu.

Nas ruas também se diz, para morrer basta estar vivo. É o risco que corremos desde que chegamos aqui, tudo pode dar errado ou certo, ou viver sempre entre esses dois pólos.

Se arriscar faz parte da alma humana, alguma coisa nos perturba a todos, parece que aquela frase: “E se eu fizer isso ou aquilo?” nos persegue, perguntando na calada da noite se temos ou não coragem de arriscar.

É parte de todos, caso contrário nunca ninguém teria se aventurado ao mar, tão distante, tão desconhecido e sem fim. Mas alguém resolveu arriscar, depois outro e outros tantos vieram para mudar o destino de todos.

Não temos como escapar do risco, apenas porque mesmo sem querer, estamos nos arriscando.

Eu resolvi não correr riscos, mas isso foi uma decisão de minha mente, minha alma não, continua procurando, olhando em volta, querendo saber onde estão as mudanças, apesar dos riscos que possa correr. Eu até tento controlar, respiro fundo, tomo banho de água quente, leio um livro. Mas não funciona assim, o que nos empurra ao futuro é uma alma inquieta, curiosa, que acredita que riscos são sinônimos de vida, quem arrisca vive, quem não arrisca não vive. E quem está vivo não tem escolha, acaba sempre arriscando.

 

Iara De Dupont (articulista convidada)


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17.5.13

 

Quando era pequenina, sonhava com um mundo de fantasia no qual eu gostaria de viver juntamente com a minha família, todos os meus amigos, os meus periquitos e a minha cadela, para todo o sempre. Cresci um pouquinho mais e ensinaram-me que também é provável a junção com outra pessoa que passa a ser a nossa família para todo o sempre. Ensinaram-me também que continuamos a crescer, estudamos, temos um emprego estável e começamos a constituir família e que tudo fica bem se isto acontecer.

Ora, depois de crescer mais um pouco, já não foram só as pessoas que me ensinaram mas uma outra força, talvez a mais forte: a vida. Esta ensinou-me que, para além do que é confortável, normal, previsto, esperado e desejado pela sociedade em geral, há muito mais vida, muito mais a conhecer. Para isso, e em conjunto com a expressão dita muitas vezes mas não percebida de imediato, “Tens que arriscar!”, há um mundo a explorar, pois cada explorador encontra nele o que de melhor há, e às vezes nem precisamos de navegar muito para este encontro.

Dito desta forma parece fácil e aliciante, mas não é assim tão simples… Depois de perdermos alguns entes queridos, porque envelheceram e a lei da natureza assim o dita, não escapando os periquitos e a cadela também, percebemos que há aspetos que não são eternos. O “para todo o sempre” cai por terra. Perdemos o primeiro príncipe encantado, aquele que pensámos que seria para “todo o sempre”, mudamos de curso porque afinal não era bem aquilo que eu gostava, saltitamos de profissão em profissão porque não encontrámos o local certo ou a melhor oportunidade.

Levantam-se questões, muitas questões… Será que vale a pena arriscar e ir estudar para fora? Ao estudar aqui ganho o mesmo… Será que vale a pena aceitar sair com aquele rapaz e mostrar o meu carinho por ele? Nada é eterno e isto correrá mal outra vez… Será que vale a pena sair da casa dos pais e ir morar sozinha? Eles acabarão por ficar sozinhos também, pois os pais deles envelheceram e no final ficamos todos sozinhos… Será que vale a pena emigrar para ter um emprego supostamente melhor? Afinal, farto-me de trabalhar na mesma e ao final de um tempo terei que trocar novamente…

Arrisco ou não arrisco? Vou ou não vou? Ou melhor, por onde vou? Com quem?

Se alguém tivesse as respostas a estas perguntas seria a pessoa mais popular, pois seria como adivinhar o totoloto.

É certo que podemos traçar o nosso caminho, mas tendo presente estas questões, nunca com certezas que tudo será como esperamos e desejamos, ajuda em muito a não desilusão.

Quando chega mais uma fase da vida em que a pergunta surge, “vou ou não vou?”, eu vou! O corpo humano é feito de movimento. Parar e fechar caminhos é morrer, mesmo que o caminho seja ficar parado, em reflexão para depois seguir em frente. Refletir também é agir e há quem diga que se age muito melhor assim, refletindo.

Utilizando a expressão de alguém, “a vida não é só a nossa bolinha de ténis!”. Se cairmos, levantamo-nos outra vez, regressamos, voltamos atrás, traçamos novos caminhos. Importa ir, sabendo que vamos.

 

Sónia Abrantes


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14.5.13

 

A violência nasce de uma sensação de poder. Uma sensação, note-se, o que não equivale a um facto: podemos sentir-nos poderosos, mais fortes do que outra pessoa, e estar completamente enganados. Mas é assim a natureza. Pensamos: “Sou mais forte e mais esperto, logo posso vencer o fraco e o tolo”.

É a chamada lei da selva, a qual se torna imediatamente ilegítima a partir do momento em que a luta pela sobrevivência não entra na equação. Ninguém precisa de matar a mulher para que lhe sirva de alimento e assim salvar-se da fome, pois não? O exemplo é absurdo – e exagerado – para que a resposta seja óbvia.

Mas, e se a pergunta for: Tenho de tirar este homem daqui, pois está no meu território? Ou: Depois de me empurrares, que resposta mereces além de uma sova valente? Pior: E se o autor das perguntas estiver na faixa de Gaza? Pois, é fácil a coisa complicar-se...

Tal como deve ter sido complicado para Gandhi trocar o conforto de uma carreira de advogado, para a qual tinha estudado, e dedicar a vida combater a opressão – simplesmente porque um dia foi expulso de um comboio na África do Sul por ter a pele escura.

Por alguma razão foi ele – e não tantos outros que sofreram humilhações semelhantes em lugares dominados por preconceitos raciais e crenças antigas, muitas vezes infelizes e até anti-humanas – que ficou para a História. Sabe porquê? Porque optou por um tipo de luta nunca antes testado. Ou, pelo menos, nunca devidamente fundamentada e exemplarmente exercida, além de divulgada por escrito e oralmente, como ele o fez: a luta não-violenta.

Porém, a motivação para se optar pela não-violência – que deve começar no quotidiano, quando prefere voltar as costas a dar um soco no chefe, fazer greve a partir o escritório, procurar consensos antes de desatar ao pontapé, mas também barricar-se ou distribuir panfletos para marcar uma posição ou denunciar uma injustiça – não pode ser, em circunstância alguma, obter fama ou alcançar um estatuto heróico (querer ser um novo Gandhi), pois a vida não é um reality-show, nem a nossa conduta é um papel teatral.

Portanto, a primeira condição para ter sucesso ao optar pela não-violência é acreditar no que defende, ter um comportamento genuíno, que nasça do coração – tal como é do coração, ou de outra víscera qualquer mas decerto profundamente interior, que a violência costuma nascer. E não há maneira de combatê-la se o fizermos pela rama, à superfície, para outros verem e alcançar a glória.

Assim sendo, a mudança (da resposta violenta a qualquer tipo de opressão para outra, não-violenta) deve vir acompanhada de uma certa fé num mundo melhor, numa humanidade não-violenta.

E isso tem de começar em cada um de nós, sem esperar aplausos ou entrevistas na televisão, de preferência em forma de amor por todos os seres humanos – incluindo os violentos, pelos quais devemos sentir compaixão por não serem capazes de dominar a sua febre de poder em relação ao outro – que é sempre errada quando o alvo da sua ira é da mesma espécie, de carne e ossos e também com sentimentos. Mesmo se está no seu território. Ou lhe seduz a namorada. Ou faz troça de si. A resposta, para um coração à Gandhi – que em alastrando poderia dar origem à paz mundial – deve ser sempre não-violenta. E quem a escolhe deve sentir-se orgulhoso e fazer ouvidos moucos aos que o espicaçam, dizendo disparates como: “Bateu-te? Bate-lhe também!”

É verdade que “comer e calar” pode baixar a auto-estima... Mas só se a vítima aceitar que o agressor é, de facto, mais forte ou melhor – coisa que a nossa sociedade, na cegueira do sucesso e da competitividade, alimenta. É urgente mudar mentalidades e mostrar que forte e inteligente é aquele que consegue dominar os impulsos e nunca desce ao nível das bestas, cujo lugar é na selva, à mercê dos leões esfaimados, que não têm outro remédio senão matar para comer.

 

Berta Cem Mil (articulista convidada)


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10.5.13

 

O mais perto que estive de um ambiente violento foi há uns anos, quando uns amigos me convidaram a assistir a um jogo da Liga entre o Sporting e o Benfica, e a caminho do estádio fomos surpreendidos pelas claques benfiquistas escoltadas pela polícia.

Mesmo sem termos qualquer elemento exterior que nos identificasse como adeptos de futebol, foi-nos pedido, por alguns agentes policiais, que nos recolhêssemos na entrada de um dos prédios da rua perpendicular à que seguíamos e por onde passariam as claques, cujas vozes se ouviam a aproximar.

Disseram-nos que era para evitar confusões. Fizemos o que nos pediram, tendo optado por um prédio com uma entrada mais recolhida, mas de onde podíamos assistir à passagem de uma multidão compacta que desfilava gritando palavras de ordem (leia-se palavrões contra tudo e contra todos) e entoando cânticos de apoio ao clube.

O meu coração que em criança se tornou vermelho apenas para “provocar” o meu pai que era sportinguista ferrenho, batia aceleradamente enquanto eu murmurava: “Será que vou ser “chacinada” aqui? Por causa do futebol e por aqueles que supostamente deveriam estar do meu lado?”

Os meus amigos riam-se de mim, mas nesse dia tive a certeza de que não fui feita para estas aventuras.

Durante a infância não tive qualquer contacto com a violência, embora tenha brincado com uma mini-pistola e umas algemas, ambas prateadas, que eu tirava ao meu irmão sempre que me ele não via. Nunca as usei para brincadeiras agressivas, pelo contrário, usava a mini-pistola como adorno feminino em brincadeiras de fazer toiletes e as algemas, que tinham um fecho de segurança bem forte, serviam de jogo que era ganho por quem as conseguisse tirar mais rapidamente.

Hoje em dia, as coisas estão diferentes e é impossível dizer que a violência não faz parte das nossas vidas.

Se não o faz diretamente, a verdade é que indiretamente convivemos com ela.

As notícias que vimos ou lemos falam-nos de guerras, ataques terroristas, homicídios, assaltos, violência doméstica, abusos a menores, maus-tratos a animais, crimes contra o meio ambiente, bullying, raptos, torturas, pressões psicológicas, violações… já para não falar da violência das palavras.

E mesmo que nos recusemos a seguir as notícias, basta-nos sair à rua para sermos confrontados com as mais diversas formas de violência.

Entro no café e ouço as histórias mais mirabolantes de violência: o M é um malandro, chegou a casa com os copos e a pobre da V é que levou… o pior é que ela não quer fazer queixa dele… ou a Sra. G, coitadinha, fez tudo pelos filhos e agora aquele malandro do filho mais velho rouba-lhe tudo e ainda a anda a ameaçar que a vai pôr na rua…

Saio do café, entro no carro e lembro-me do comentário de um amigo que é enfermeiro, quando assistiu à valente buzinadela que dei a um condutor que desrespeitando um stop quase nos abalroou. Na altura, ele referiu que o número de entradas nas urgências devido a discussões relacionadas com o trânsito tem aumentado significativamente, aconselhando-me a moderar o ímpeto de utilizar a buzina.

De carro, chego ao centro da cidade e procuro estacionamento. Dois arrumadores correm na minha direção aparentemente exaltados a reclamarem para si o lugar e a eventual moeda que raramente dou. Enquanto eles discutem entre si, ameaçando-se mutuamente, estaciono, saio do carro e afasto-me a pensar se o meu carro estará intacto quando voltar.

Enquanto caminho, passo à porta de um talho e vejo algum aparato policial e não resisto a cuscar. O que se passou? Veja bem filha, – relata-me uma senhora de preto que por ali andava - a mulher pediu um quilo de carne e o vigarista pesou-lhe menos, mas queria que ela pagasse o quilo. Começaram a trocar palavras e o dono do talho que estava lá dentro a desmanchar um porco, veio perguntar o que se passava e a mulher começou a chamar-lhe nomes, daqueles nomes que não se chamam a ninguém… o homem não aguentou e atirou-lhe com o lombo que tinha na mão! A mulher pegou no telemóvel e ligou para o marido que estava no café da esquina a tomar um aperitivo… e lá veio o marido com os amigos… entretanto, tinham chamado a polícia… a esquadra é mesmo ali… e agora estão a resolver as coisas…

Vou à escola buscar os meus filhos e fico a saber a história do miúdo que bateu no outro porque se julga o maior… a direção da escola chamou os pais que não aceitaram as críticas ao filho, porque o outro miúdo é que era um provocador… os pais do outro contestaram, até porque toda a escola sabe que o filho nunca se mete em confusões... discutiram, mas depois concluíram que afinal a culpa era da professora que se julgava uma iluminada e foram procurá-la para a ameaçar… e no final disto tudo, um dos pais, muito arreliado por ter sido chamado à escola em vão, dá um estalo a um dos miúdos mais crescidos, porque o ouviu comentar que o filho era muito provocador, mesmo para os colegas mais velhos… chamaram os pais do miúdo agredido, que entretanto chamaram a polícia, acabando tudo na esquadra.

E poderia continuar a narrar outros episódios do dia-a-dia, alguns mais castiços, outros nem tanto, mas todos marcados por traços de violência.

É impossível dizer que a violência não faz parte das nossas vidas!

Ela existe e encontramo-la um pouco por todo o lado.

A violência foi banalizada ao ponto de, por vezes, lhe sermos indiferentes!

Numa crónica intitulada “Reportagem dos Suicídios”, publicada no Diário de Notícias de 17 de Julho de 1903, assinada por L. Mano (Cousas&Lousas) pode ler-se o seguinte: “A profilaxia do suicídio por contágio está evidentemente na ocultação do facto. A imprensa diária é incontestavelmente o veículo mais importante para a sua propagação.”

Fazendo uma analogia talvez forçada entre o suicídio e a violência, fiquei a pensar ao ponto de me questionar sobre se a violência se pode propagar por contágio.

Estando expostos a diversas formas de violência, não será possível tornarmo-nos nós próprios pessoas violentas?

E no caso de a violência ser efetivamente contagiosa, será possível falar de uma profilaxia da violência?

Estas questões incomodam-me bastante, particularmente numa altura em que os especialistas afirmam, cada vez com mais certezas, que todos, mesmo os que dizem não o ser, somos “homicidas” em potência, bastando sermos colocados perante determinadas circunstâncias e sujeitos a fatores específicos para nos tornarmos homicidas de facto.

Durante a adolescência fui coleccionando frases que guardava num pequeno caderno e me serviam de inspiração para o dia-a-dia. Mantive o hábito de o abrir em momentos distintos da vida. Ultimamente, dou por mim a abri-lo com mais frequência e a demorar-me em algumas frases como esta, de Martin Luther King: “Uma das coisas importantes da não-violência é que não busca destruir a pessoa, mas transformá-la.” Noutro dia, acrescentei a lápis uma frase de Dalai Lama, retirada de um site da Internet: “Violência não é um sinal de força, a violência é um sinal de desespero e fraqueza.”

Será a violência realmente contagiosa?

Sendo-o, será possível uma profilaxia da violência?

Não sei!

Sei que vou continuar a abrir o meu livrinho, inspirar-me nas palavras que ele guardou todos estes anos e sorrir à vida, na esperança de nunca me ver perante as tais circunstâncias que os peritos dizem poderem levar qualquer homem à violência!

 

Cristina Vieira (articulista convidada)


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7.5.13

 

Não me recordo de um único dia em que a violência não tenha estado presente na minha vida. Eu sei... Escrito assim pode causar algum espanto e até indignação. Contudo estou convicto que não falho na memória. Para mim a violência é algo global, comum, mas também pessoal. Não me refiro ao objeto da violência, mas sim à violência como objeto. O que eu considero como violento poderá não o ser para outro. Sendo assim, o que considero eu, então, violento? Simplesmente algo que me cause dano. Em qualquer dimensão da vida.

 

Posso dizer-vos que tenho preferências quanto à violência. Prefiro a violência psicológica à física, no sentido em que a primeira pode ser experimentada oniricamente ou em fantasia. A segunda já não. Contudo, é por demais aceite que as marcas mais profundas são causadas pela primeira. Mas a categorização da violência não se fica por aqui. Existem ainda a auto e hetero violência, elas próprias que também podem ser psicológicas ou físicas. Também aqui confesso que tenho as minhas preferências. “Apenas” pelo facto de ter o lócus de controlo, ou a ilusão de tal, inclino-me mais para a “autoviolência”. E talvez, pensando bem, até seja esta mesma a que mais afincadamente praticamos.

 

E por falar em prática da violência... Não acham que se um dia fosse possível erradicar a violência do ser humano, não estaríamos a erradicar “o” ser humano? E isso para a nossa espécie não seria uma violência? Atenção que não estou a advogar a perpetuação da violência ou a desadequação do conceito do aprimorar civilizacional. Limito-me a argumentar que a violência é em parte a base do que somos e do que nos constitui. Enquanto povos e enquanto indivíduos. E isso parece-me ser inegável.

 

Voltando à violência na minha vida: remetendo apenas para acontecimentos recentes, digo-vos que não quis ver imagens do atentado de Boston, onde, pelo que me foi relatado, foi possível observar corpos mutilados e membros decepados. E afastando do pensamento o consciente que medeia a realidade da ficção, cuidando apenas da violência pela violência, digo-vos que ontem me deu certo prazer em ver ser decepada a mão do Jaime Lannister no Game of Thrones. É... a violência tem destas coisas.

 

Rui Duarte


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3.5.13

 

Muitas das vezes o nosso principal agressor, o nosso inimigo número um, está dentro da nossa mente. A maior violência é a que muitas das vezes autoinfligimos.

Especialmente quando temos um trajeto de vida algo difícil, com algumas experiências negativas e, adicionalmente, se a nossa natureza é de alguma forma suscetível ao meio circundante e aos outros, então, diariamente e constantemente, através do nosso diálogo interior, podemos cometer as maiores atrocidades ao nosso ego.

Este diálogo interno pode ser positivo e neste caso terá consequências fabulosas, ou pode ser negativo e causador de um sofrimento incomensurável.

“Não valho nada! Sou horrível! Só faço asneiras! Ninguém gosta de mim! Não faço nada de jeito! O meu futuro é negro!” Este tipo de generalizações e inferências arbitrárias muitas das vezes, neste diálogo interno, é o maior causador de violência para nós mesmos, Pior do que isto, é que podemos assistir ao que se designa de self-fulfilling prophecy.

A profecia autorealizável é um conceito que se refere a como as crenças de um sujeito tendem a condicionar o seu comportamento e este, de seguida, vai confirmar a crença e fortalecê-la.

As profecias autorealizáveis não se referem a esforços conscientes. Habitualmente a maioria de nós está consciente das suas crenças, no entanto, muitos não têm consciência de que o seu comportamento serve para confirmar essas crenças negativas ou autodestrutivas.

Esta voz interna pode seguir-nos ao longo da vida e iluminar cada experiência como um raio de sol, ou toldar, através de uma nuvem escura, a visão de tudo o que nos rodeia e condicionar o julgamento de forma muito prejudicial. Assim, facilmente atribuímos uma intenção malévola aos outros, quando não existe nenhuma e interpretamos acontecimentos potencialmente positivos como negativos.

Este inimigo interior pode, com algum esforço, tornar-se no maior aliado e no melhor amigo do nosso ego. É possível aprender e treinar e sistematizar um diálogo interno mais assertivo e positivo. Importante é, antes de mais, tomar consciência das caraterísticas do nosso diálogo interior. Tomemos como exemplo a atitude.

A atitude pessoal é tão visível como a roupa que vestimos O tratamento que recebemos é um reflexo do tipo de atitude que adotamos. Assim, as pessoas com uma atitude positiva e uma maneira otimista de pensar obtêm um feedback positivo. As pessoas que habitualmente veem tudo de forma negativa e agem de forma pessimista, são tratadas como tal. A nossa atitude é uma profecia autorealizável.

 

Ana Teixeira


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