25.11.09


  


O domínio da incapacidade de escutar não é o mesmo do da incapacidade de ouvir: aceitamos que alguém não é capaz de ouvir, porque o seu organismo não lho permite, mas é difícil aceitar que outra pessoa não seja capaz de escutar (especialmente se queremos ser escutados) – afinal, o que a impede?

 

É frequente ouvirmos que hoje em dia as pessoas são incapazes de escutar, ou que fulano ou sicrana não me compreende (logo, não me escuta). Como se escutar fosse tão natural como ouvir. Sabemos que não é.

 

Escutar outra pessoa pressupõe dar-lhe atenção (“Escuta com atenção” é um pleonasmo!): pelo menos ao que diz, como diz e como encadeia o seu discurso; e para fazer isso, é necessário que o pensamento de quem escuta não divague para outras paragens, nem esteja ocupado com concordar, discordar, refutar, comparar, interpretar, julgar, etc.. Difícil, não é, descentrarmo-nos do nosso umbigo? Quantas vezes já nos apanhámos a descarrilar mesmo estando a fazer um louvável esforço?

 

Sim, porque escutar exige um esforço da vontade - é preciso querermos escutar para nos dispormos a fazê-lo (termos tempo e vontade para); e provavelmente queremos fazê-lo por considerarmos que vale a pena. Escutar tem de fazer sentido para quem escuta, tenha que ver com a pessoa que se exprime, com o que é dito, com a situação ou até com as suas próprias convicções. Escuto o meu filho para o compreender e para que ele sinta que o amo e estou com ele; escuto o meu cliente para, compreendendo o que procura e o que o orienta, poder servi-lo melhor, o que será proveitoso para o meu negócio; escuto aquela melodia até se entranhar em mim porque me dá prazer.

 

Enfim, aprendemos a escutar. Ou não.

 

Ana Álvares

 
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21.11.09


 


Na noite de 25 para 26 de Outubro de 2009, durante a madrugada, um menino de 4 anos fugiu da casa dos pais, em Comines, pequena cidade Belga, depois de os ouvir discutir violentamente. Younes Jratlou, assim se chamava o menino, apareceu duas semanas depois, morto, no rio Lys, a 12 Km de casa, descalço e com pouca roupa, conforme informações dadas pelos pais quando se aperceberam que o filho tinha fugido.

As causas da morte não estão ainda apuradas, mas parece não existirem dúvidas quanto às razões que levaram o menino a sair para o escuro da noite, tantas vezes motivo de medos e pesadelos naquela idade, e a enfrentar, quase desnudado, o frio que já se faz sentir nas noites de Outono: acabar com o sofrimento de mais uma discussão entre os pais!

 

Procuro esvaziar-me de outros interesses e atenções, e concentrar-me no pequeno Younes, dar-lhe a atenção que não teve, precisava e, sobretudo, merecia. Este exercício de nada lhe vale e só a mim serve, para me ajudar a aceitar a situação.

Mas como poderei aceitar que alguém tão frágil tenha sido tão desprotegido e descuidado, justamente por aqueles que deveriam ser o garante da sua segurança? 

Perante a dor, como foi possível que a criança não tivesse procurado alguém que a confortasse e, desesperada, tenha posto a sua própria vida em risco?

Embora raro, o suicídio infantil existe e situações de stress com as quais a criança não sabe lidar, são factores de risco. O facto de as crianças não sentirem a morte como uma situação irreversível e criarem fantasias, achando que a vida é melhor depois da morte, é também um factor de risco. Por uma ou outra razão, objectivamente, não me parece haver dúvidas quanto à intenção do menino ao fazer-se à noite e ao aproximar-se do rio.

 

Estou em processo de luto!

 

Não sei como os pais do Younes estão a enfrentar a perda do filho, não sei nem quero ainda pensar nisso, este ainda é o momento de pensar no menino morto. 

 

Cidália Carvalho

 
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13.11.09


 


A fala é o acto ou faculdade de falar, de emitir sons, discurso, expressão ou comunicação. É uma capacidade pré-definida no nosso património genético, mas a sua expressão está condicionada por diversos factores, desde físicos até factores sócio-culturais. Nascemos com uma linguagem própria, emitimos sons, procuramos no outro a compreensão do nosso ser, nem sempre compreendida, tantas vezes ignorada ou despercebida. Ao longo do tempo, e através da nossa interacção com o mundo em redor, tornamo-nos capazes de compreender as palavras e de as imitar, criar frases, sermos donos da nossa fala. Compreendemos e somos compreendidos. Pelo menos no discurso, desde que lógico na lógica da maioria. A fala tem esse dom de revelar o significado das coisas, das coisas iguais para todos, porém sentidas de forma única por cada um de nós. Está intrinsecamente ligada ao pensamento, essa capacidade de dar significado, de racionalizar o mundo, de o absorver e transformar.


 

Quando uma criança nasce muda, nasce incapacitada de produzir discurso verbal, no entanto, não nasce sem capacidade de compreender o mundo, apenas fala-lhe de modo diferente. Também uma pessoa que fica muda, devido a alguma lesão, não perde a capacidade de se expressar. Todas estas pessoas incapacitadas de fala, criam uma forma de expressão própria, a linguagem gestual. Nós, na nossa maioria, confinados ao nosso mundo sem obstáculos, é que não temos a capacidade de os compreender, olhando com ar incrédulo os gestos rápidos. Nós que não tentamos perceber cada gesto, é que nos perdemos na comunicação.

Quantas vezes, a caminho da escola, no autocarro, presenciei estas conversas de rapazes e raparigas, adolescentes como eu, que com sons agudos e gestos ritmados, lá iam partilhando as suas histórias e aventuras, com uma expressão viva nos olhos, e um riso abafado pela garganta. Tamanha era a curiosidade de saber o que diziam entre eles, quais forasteiros, embora talvez partilhassem coisas da adolescência que eu soubesse tão bem! Mas mais do que os gestos, eram os seus rostos que me marcavam, tão expressivos, parecia que nem precisavam de falar, porque as suas expressões e emoções diziam tudo! Eram como eu, dentro do seu grupo, na sua normalidade, no seu dia-a-dia… Falavam-se com os olhos, expressavam-se e compreendiam-se…

 

E eu interrogo-me, quantos de nós, não mudos, com capacidade de falar e não nos falamos, escondidos nas nossas sombras, de costas voltadas para o mundo, mascarados. Silenciamo-nos perante injustiças, acobardamo-nos perante a vida, não damos voz às causas em que acreditamos, incapacitados de partilhar a nossa alma com medo do julgamento dos outros, incapacitados de rumar novos destinos com medo do infortúnio, abafando a voz dos nossos pensamentos e sonhos porque desistimos facilmente perante a adversidade, porque desacreditamos constantemente de nós próprios, porque não ousamos simplesmente viver… Se falar é exprimir, comunicar, então os mais incapacitados não serão aqueles que se aprisionam em si próprios, cegos do seu próprio ser e surdos ao chamamento dos outros, tornando-se simultaneamente mudos para consigo próprios e para com o mundo?

 

Cecília Pinto

 
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10.11.09


 





Provavelmente já tiveram daqueles momentos em que sentiram que vos faltava alguma coisa, sem saber muito bem o quê, ou como apareceram... uma espécie de desconsolo e desalento.

Muitas são as vezes em que procuramos preencher essa "falta" com algo que nos dê prazer ao palato. Infeliz e normalmente o que conseguimos é ingerir uma quantidade extra de açúcar, tendo apenas como consequência o aumento do nosso volume e a inevitabilidade de continuarmos com a mesma sensação de insipidez.

 

O cartão de crédito, nestes momentos, consegue assumir o papel de melhor amigo, enquanto procuramos aquela peça, ou objecto, que nos faça sentir finalmente completos, consolados, satisfeitos e mais tranquilos. E “pumba”… o que conseguimos é diminuir o seu plafond e aumentar as nossas contas. O que fazemos, na realidade, é trazer para casa uma peça de roupa que escondemos no fundo do armário para nunca, mas nunca mais a voltarmos a ver, para evitar sentir a vergonha de termos cedido à tentação de comprar um vestido típico de uma jovem de 18 anos, ainda não afectada pela lei da gravidade, ou da maternidade.

 

De tentativa em tentativa, diligenciamos soluções e resoluções do problema que parece não querer abandonar-nos e se vai tornando mais e mais doloroso, assemelhando-se a um buraco negro.

Esperançados que desta vez - sim desta vez, iremos sossegar a nossa inquietação e desalento, entramos no cabeleireiro com a convicção de que o que necessitamos é uma mudança de visual. E sem saber muito bem o que pretendemos, colocamo-nos nas mãos experientes daquele, ou daquela, que nos vai milagrosamente metamorfosear. Prometem o tal milagre e quietinhos permanecemos até ver o resultado final. De lágrimas nos olhos e um nó na garganta, concluímos que o novo aspecto de caniche tresloucado não nos vai sossegar nem acabar com o infindável desalento.

 

Nada, mas mesmo nada, parece trazer de volta a tranquilidade, o sossego, e apagar a malfadada sensação de desconsolo e de vazio. Mas o quê? O que é que nos pode faltar? Parece que quanto mais pensamos e tentamos contrariar o desalento, mais nos sepultamos e perdidos quedamos.

Sentimo-nos tristinhos e arriscamos uma derradeira tentativa para eliminar os sintomas de uma doença que desconhecemos. E, sem pensar duas vezes, atravessamos a cidade para nos encontrar com aquela pessoa que sempre nos fazia sorrir, de uma maneira ou de outra conseguia preencher espaços vazios e fazer-nos sentir especiais. Mas a insipidez da conversa de nada resulta e mais uma vez a frustração instala-se, o desconforto e o desânimo reinam.

Somos invadidos pela tentação de desistir de procurar, de entender ou de obter uma resposta e começamos a mentalizar-nos que o melhor a fazer é conformar-nos e seguir em frente, mesmo que isso se manifeste na coexistência com o incessante e desconfortável desconsolo.

 

Não! Nem pensar! Não se pode baixar os braços e viver resignado? Não!!! Temos de reclamar o direito a uma vida completa e preenchida com todos os sabores e sensações.

A resposta, a cura, provavelmente estará apenas em descobrir e aceitar o valor que temos, reconhecer as nossas qualidades e admitir os nossos defeitos. Não deixar que a opinião alheia tenha o poder de desanimar, derrubar, desorientar e criar vazios sobre os quais nunca teremos explicações ou soluções.

Não é, com certeza, nas calorias de um bolo, num vestido mais ousado e ridículo, num cabelo semelhante ao pêlo de cão, que encontraremos a segurança e a confiança de que necessitamos para sermos mais firmes e vivermos segundo as nossas convicções.

O facto de aceitarmos que somos como somos e deixarmos de procurar ser outra pessoa, ou encaixar no perfil que os outros nos projectaram, fará com que o tal desconsolo, desalento e desânimo não dêem lugar a impressões incómodas que nos fazem viver desunidos daquilo que verdadeiramente somos.

 

Susana Cabral

 



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8.11.09


 


A propósito das Jornadas:

 

Mais uma vez, o Mil Razões… concedeu-nos um dia repleto de especialistas que partilharam o seu saber e experiência, tendo por mote essa temática tão pertinente que é o suicídio.

Desde a doença física à doença psiquiátrica, ao sofrimento dos que se encontram privados da liberdade, aos que se encontram na última etapa da sua vida, até à forma como a comunicação social faz notícia deste acontecimento trágico, foram diversificadas as abordagens, sem nunca esquecer o ser humano como um ser pleno e multidisciplinar.

Como vem sendo apanágio destes simpósios, o evento não terminou sem antes assistirmos à visão humorística do tema, através da participação especial, em vídeo, do Jorge Mourato.

Foi assim passado o dia nesse acolhedor espaço da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, inserida no belíssimo jardim do Palácio de Cristal. Foi, certamente, um momento enriquecedor para todos quantos nele participaram. E foram muitos, pois mais uma vez estiveram totalmente preenchidos os lugares disponíveis.

Ao Mil Razões…, pela forma séria e eficiente como tem promovido estes momentos científicos, só posso dar os parabéns e desejar que continuem a promover dias como este. Até ao próximo!

 

Ana Santos

 

  

 

Gostei de ver aquela sala cheia e de constatar que há pessoas interessadas em saber mais, logo, potencialmente em terem um papel mais activo, sobre algo de que pouco se fala mas que existe, que quando acontece é trágico e que, espera-se, estando nós mais informados, poderemos ajudar melhor a prevenir.

 

Ana Álvares

 

 

 


Acabo de chegar das 2as Jornadas sobre Prevenção do Suicídio.

Feliz por ter sido um sucesso em todos os sentidos: casa cheia de gente curiosa e interessada nestes temas de saúde mental, e oradores experientes com partilhas importantes e interessantes.

Obrigada Mil Razões… por permitir a exploração e divulgação destes temas!

Uma vida é um tesouro... se conseguirmos dar alento, apoio, compreensão a alguém, terá sido uma grande vitória!

 

Ana Lua


 

 

 

Estas são algumas das opiniões a propósito do simpósio que o Mil Razões… organizou com o fim último de prevenir o suicídio.

Com a firme convicção de que conhecer é prevenir, esta foi mais uma oportunidade de aumentarmos os nossos conhecimentos com os que lidam com esta temática e que quiseram, graciosamente, dispor do seu tempo para partilharem os seus conhecimentos e as suas experiências. Refiro-me obviamente aos palestrantes e é para eles que vai o nosso primeiro agradecimento.

Os interessados em ouvi-los foram muitos e o sucesso do evento deve-se também à numerosa assistência. Obrigada por terem aderido.

E claro, aos Voluntários que se envolveram na organização, o reconhecimento de todos nós.

 

 

 

Sobre os conteúdos:

 

  

 

O Professor Doutor António Leuschner deu início às Jornadas relevando a importância deste tipo de iniciativas e encorajando a que outras mais ocorram.

 


 

Preocupante foi percebermos quão difícil é mantermo-nos em equilíbrio, que ténue e estreita é a linha que separa as zonas do défice e do excesso funcional. Rapidamente se passa da tristeza à exuberância, do apego ao desapego, alterações que ocorrem, a maior parte das vezes, sem que saibamos explicá-las.

 

 

 

Curiosa é a também a interacção funcional entre os nossos órgãos internos, uns dão, outros recebem energia, mas todos trabalham para que nos sintamos bem e em equilíbrio, à semelhança do que acontece na natureza e com os seus elementos: a madeira, o fogo, a terra, etc..

 


 

Mesmo crendo que esta filosofia de vida teve as suas origens na China, o que a Dr.ª Paula Fernandes e o Enfermeiro Augusto Nascimento quiseram transmitir-nos, é que é comum a todos os homens.

 

 

 

Menos exotérico foi o Mestre Nuno Moreira, mostrando-nos uma realidade tantas vezes ignorada de tão inconveniente: as elevadas taxas de suicídio na população reclusa. A vulnerabilidade do indivíduo, o stress e a falta de coping são alguns dos factores que contribuem para os números. Esta intervenção não se limitou a retratar a realidade prisional e deu-nos a conhecer o protocolo preventivo. A prevenção do suicídio em ambiente prisional passa pelo staff e a informação obviamente partilhada, mas também pelo acompanhamento do recluso e, muito importante, pela arquitectura e pelas condições do alojamento.

 


 

O Dr. Bessa Peixoto “desembrulhou” para nós, com clareza e pormenor, a temática do suicídio:

-     O suicídio enquanto doença psiquiátrica;

-     O comportamento do suicida;

-     Factores potenciadores de suicídio

-     População de maior risco de suicídio

-     Características pessoais potenciadoras de suicídio.

 

  

 

Contamos com a experiência do jornalista Joaquim Letria para falar sobre a importância da comunicação social na abordagem que faz ao suicídio. E ele falou. No jornalismo, existem 188 códigos deontológicos a nível mundial, mas apenas 13 falam de suicídio. O Instituto Australiano define que só deve ser noticiado se for do interesse público e evitando os pormenores.

 


 

Historicamente, o suicídio já foi considerado crime e em Portugal era tanto assim, que os órgãos de comunicação social não podiam dar notícias deste acto; valia-se a comunicação social de figuras de estilo que alguns de nós ainda recordam, tais como: “morreu vítima de um acto tresloucado”. Mas de uma forma discreta, quase a tocar o proibido, passaram as notícias a ser dadas com tanta descrição que pode ter efeitos indesejáveis.

 


 

Depois do almoço no restaurante do Palácio de Cristal, onde todos pudemos confraternizar, o jornalista da RTP, João Ramos, moderador do Painel da Tarde, deu a palavra à Procuradora Joana Marques Vidal. A violência familiar, não estando ignorada na nossa sociedade, nunca é demais trazer a público.

 

 

 

O Professor Doutor Duarte Nuno Vieira, com muito humor, arrancando gargalhadas à assistência, deixou-nos a consciência de que nem tudo o que parece é. A autópsia e a análise do local revelam, não raras vezes, que afinal o que parecia ser acidente é homicídio e o que parecia ser homicídio é suicídio. As imagens violentas que desfilavam no ecrã contrastavam com o sentido de humor e a leveza que o palestrante punha no seu discurso, a ponto de o horrível parecer cómico.

 

 

 

O Professor Doutor Carlos Poiares iniciou a sua dissertação referindo que coesão social e suicídio tendem para sinais opostos - menos coesão social mais suicídios.

A incapacidade dos idosos, e a falta de alternativas e de respostas institucionais aquietam os idosos a violências que não são compreensíveis nem aceitáveis.

 

 

 

Finalmente, e como sempre, as Jornadas terminaram com uma nota de boa disposição, desta feita um filme oferecido pelo actor Jorge Mourato.

 

Nunca é demais mostrar o nosso reconhecimento a todos. Reencontrar-nos-emos brevemente.

 

Cidália Carvalho

 
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